O Fórum Técnico Plano Estadual de Cultura realizado em Araçuaí foi aberto com uma apresentação da Companhia de Teatro Ícaros do Vale
Segundo Angelo Oswaldo (à esquerda), a proposta de lei de incentivo à cultura tem como objetivo contemplar o interior do Estado

Jequitinhonha reivindica transformação pela cultura

Região rica em manifestações populares recebe fórum técnico da ALMG e defende recursos perenes para a área cultural.

11/04/2016 - 16:21

Uma das regiões mineiras de maior expressividade no campo da cultura, com ricas e variadas manifestações artísticas, o Vale do Jequitinhonha recebeu nesta segunda-feira (11/4/16) o sétimo encontro do Fórum Técnico Plano Estadual de Cultura, promovido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em Araçuaí. A vocação natural para as artes foi destacada por gestores culturais e lideranças locais, que apostam nessa característica para alavancar o desenvolvimento econômico de uma das regiões mais carentes do Estado.

“A cultura é opção de vida do Jequitinhonha. Ela liberta, ensina, educa e indica o caminho para as pessoas. E é um escudo contra a droga e a marginalidade”, definiu o prefeito de Araçuaí, Armando Jardim Paixão. Para ele, a região poderia ter mais desenvolvimento se houvesse um financiamento constante para a área, com programas perenes. “O povo daqui já nasce artista, é uma herança enraizada”, acrescentou Luciano Silveira, gestor de Cultura do município e também membro da Federação das Entidades Culturais do Vale do Jequitinhonha.

“Não se pode desenvolver uma região deslocada de sua cultura. Ela é identidade, é um elemento essencial no desenvolvimento social”, reforçou também a diretora regional da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese), Maria do Carmo da Silva. O deputado Wander Borges (PSB) frisou a finalidade do encontro em Araçuaí. “Estamos em uma jornada para a construção do Plano Estadual de Cultura. Nossa meta é colher informações que possam tornar o plano uma resposta aos anseios de Minas Gerais”, afirmou.

O plano, lembrou o parlamentar, está contido no Projeto de Lei (PL) 2.805/15, em tramitação na ALMG, com diretrizes, metas e estratégicas para a cultura nos próximos dez anos. “Precisamos avançar e garantir recursos nos orçamentos públicos para realizar os projetos e promover a transformação social”, acrescentou. Cristina Corrêa (PT), vice-presidente da Comissão de Cultura, salientou que o fórum tem sido produtivo também por fomentar a cultura nas regiões e agregar diferentes manifestações artísticas. “A discussão congrega cidades vizinhas”, lembrou. Em Araçuaí, 21 municípios da região foram representados.

Consulta pública – Além das reuniões regionais, a ALMG coloca no ar, no próximo dia 18, uma consulta púbica sobre o PL 2.805/15. Magdalena Rodrigues, atriz e membro do Conselho de Política Cultural de Minas Gerais, frisou a importância da participação da sociedade na construção do Plano Estadual de Cultura. “Nós, artistas, temos uma matéria-prima que não se acaba: a criatividade. Mas é preciso sistematizar”, afirmou.

Produtores culturais cobram apoio

O gestor Luciano Silveira comemorou a interiorização das discussões, que permite a participação de quem está no dia a dia da cultura. “Nós sabemos das necessidades e das dificuldades. E queremos sair daqui com mais esperança”, afirmou. Ele alertou que o já tradicional festival de cultura popular do Jequitinhonha (Festivale) corre o risco de não ser realizado neste ano, justamente por falta de recursos. O secretário de Estado de Cultura, Angelo Oswaldo, se dispôs a ajudar na realização do evento.

Aécio Oliveira de Miranda, diretor-geral do campus de Araçuaí do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, acrescentou que mestres artesãos e congadeiros da região estão envelhecendo sem ter a perspectiva de continuidade de seus valores. Já o produtor cultural e diretor-geral do Teatro Luz da Lua, de Araçuaí, criticou as micaretas realizadas por prefeituras no Vale do Jequitinhonha, em detrimento do investimento em cultura popular.

Angelo Oswaldo argumentou que a demanda pelas micaretas vem da sociedade e que, nesse sentido, é preciso haver uma reflexão também de quem lida com a cultura. “Ninguém é obrigado a ficar apenas com a cultura local, mas prefeituras às vezes gastam todo o recurso de cultura com um grande show sertanejo”, reconheceu.

Financiamento deve ser política de Estado

O presidente da Comissão de Cultura da ALMG, deputado Bosco (PTdoB), salientou o momento histórico para Minas Gerais, único Estado que ainda não possui o plano de cultura. “Cada região nossa tem suas tradições e peculiaridades. Faltava, então, esse plano para que a cultura possa ser priorizada. Os governos são passageiros, e nem todos têm a cultura como prioridade”, afirmou.

O chefe da representação regional do Ministério da Cultura em Minas, Guilardo Veloso, apresentou o Sistema Nacional de Cultura (SNC), assim como seus desdobramentos nos estados e municípios, e salientou que ele vem, justamente, para instituir uma política de Estado para a área.

O deputado Doutor Jean Freire (PT) lembrou que a região do Jequitinhonha/Mucuri carece de coisas básicas, como estradas para o transporte da produção e do artesanato da zona rural até a cidade ou até os grandes centros. “As dificuldades enfrentadas pelos que fazem cultura no Vale e o amor dessas pessoas pela região me fizeram entrar na vida pública e me fazem querer continuar”, afirmou. Ele salientou também a hospitalidade do povo da região e a rica expressão cultural dos mercados locais, infelizmente desvalorizados.

A organização da cultura em sistemas nacionais, estaduais e municipais também foi defendida pelo secretário Angelo Oswaldo. Para ele, as soluções devem ser articuladas nos níveis de governo, para que a cultura não seja vista como uma benesse de um governante. “Se entendermos a cultura como tudo aquilo que qualifica e melhora a vida do cidadão, se ela é transformadora e embasa os processos social e econômico, temos que ter um sistema”, reforçou.

Nova lei de cultura deve se voltar para o interior

O secretário de Estado voltou a destacar que o governo está finalizando a proposta para uma nova lei de incentivo à cultura, que deverá ter recursos da ordem de 0,3% a 0,6% da receita de ICMS. Um dos grandes objetivos da nova legislação é contemplar o interior do Estado. “Dos R$ 570 milhões investidos com base na atual lei de cultura, 80% ficaram na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Isso descaracteriza o propósito de uma lei estadual”, frisou o secretário.

Segundo ele, o Executivo deverá concentrar esforços no Fundo do Incentivo à Cultura, que é descentralizador, por permitir editais específicos e variados, inclusive para manifestações nunca antes atendidas. “Em 2015, mesmo com o cenário econômico difícil, o governo investiu R$ 7,5 milhões no fundo, com destinação de 80% dos recursos para o interior”, contrapôs. Para este ano, segundo ele, o fundo deverá ter R$ 10 milhões, sendo metade fruto de emendas de parlamentares.

Congratulações – O encontro de Araçuaí foi aberto com uma apresentação da Companhia de Teatro Ícaros do Vale, que recebeu da Assembleia um diploma com votos de congratulação pelos 20 anos de atividade. A comunidade também presenteou membros da mesa com peças do artesão Márcio Barbosa, que integravam uma pequena mostra de artesanato no local do evento.

Ao final, os grupos de trabalho analisaram o documento com as propostas do plano e elegeram os delegados que participarão da etapa final, em Belo Horizonte, no mês de junho. Também fizeram novas sugestões como o fomento de políticas públicas voltadas para pessoas com deficiência ou necessidades especiais, e a identificação e premiação de conselhos municipais de cultura proativos.

Lorena Vieira Rodrigues foi uma das delegadas eleitas. Ela trabalha com grupos de teatro em Araçuaí e considera que o encontro na cidade foi muito produtivo, com a participação de todos. “Nossos pais não entendem que a cultura pode gerar renda, que é uma forma de trabalho. É sinal de que é preciso haver uma transformação”, garante.