Ribeirão da Bacia do São Francisco. Segunda edição do projeto Cidadania Ribeirinha encerrou a fase de trabalho de campo
Reunião com instituições acadêmicas e de pesquisa no Centro de Agricultura do Norte de Minas (Montes Claros)
Município de São Francisco, atendido pelo projeto. A degradação ambiental é um dos problemas mais graves das comunidades ribeirinhas

Definidas comunidades contempladas pelo Cidadania Ribeirinha

Segunda edição do projeto, que já mobiliza ribeirinhos, agora conta com recursos do Fundo Nacional de Meio Ambiente.

31/03/2015 - 14:35

A segunda edição do Cidadania Ribeirinha, projeto da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que agora conta com recursos do Fundo Nacional de Meio Ambiente, deu a partida em uma série de ações estratégicas que têm como objetivo contribuir para a revitalização da Bacia Hidrográfica do São Francisco, a redução da pobreza e da desigualdade nas comunidades ribeirinhas e a proteção do patrimônio cultural são-franciscano.

No último sábado (28/3/15), encerrou-se uma semana de trabalho de campo em que a equipe do projeto percorreu comunidades rurais centrais e secundárias em Januária e São Francisco, além de ter realizado reuniões também em Montes Claros, todos municípios do Norte de Minas. O principal resultado desse trabalho é a confirmação das seis localidades em que o projeto será baseado nesta edição: em Januária serão Várzea Bonita, São Joaquim e Riacho da Cruz; e em São Francisco, Bom Jardim da Prata, Retiro e Jiboia.

O Cidadania Ribeirinha é focado em municípios pertencentes à Bacia do São Francisco que apresentam baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). Nesta edição, a seleção das comunidades partiu inicialmente do diagnóstico realizado na região em 2013, quando foi elaborada a proposta aprovada pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente.

Os critérios utilizados na escolha, segundo o gestor do Cidadania Ribeirinha, Márcio Santos, foram a densidade populacional, a presença de um corpo hídrico formador da Bacia do São Francisco, o grau de institucionalidade – com a presença de pelo menos uma escola estadual – e, ainda, a centralidade da comunidade na região.

“Com o critério da centralidade podemos atender muito mais pessoas, já que essas comunidades centrais são referência para outros núcleos populacionais menores. Algumas das comunidades centrais já têm até mesmo o status de distrito”, explica Márcio Santos. Além da visita a esses núcleos, alguns de origem quilombola, a equipe do Cidadania Ribeirinha se reuniu com as principais lideranças de Januária e São Francisco.

“Foram encontros longos e muito produtivos, com a presença dos prefeitos dos dois municípios, acompanhados de secretários municipais, vereadores, agentes públicos, entre outros participantes. Afinal, eles são nossos parceiros preferenciais e indispensáveis nos municípios, somando-se às lideranças comunitárias, que nos receberam em cada comunidade visitada”, completa o gestor do Cidadania Ribeirinha.

Em todos os encontros, tanto nas comunidades rurais quanto nas sedes municipais de Januária e São Francisco, foi possível restabelecer contatos feitos ainda na primeira edição do Cidadania Ribeirinha, que ganhou novo impulso com a reapresentação do projeto.

Curso - Outra etapa importante dessa mobilização inicial do Cidadania Ribeirinha aconteceu em reuniões com os chamados parceiros acadêmicos. Nessa frente de ação foram mobilizadas instituições de ensino superior como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que tem um curso de ciências agrárias em Montes Claros; a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e o Instituto Federal do Norte de Minas Gerais e, ainda, organizações não governamentais voltadas para a pesquisa e a ação social na região, como o Centro de Agricultura Alternativa, a Comissão Pastoral da Terra, a Cáritas Diocesana, o Instituto Biotrópicos e o Instituto Rosa e Sertão. Essas instituições serão importantes na seleção dos instrutores que vão trabalhar na primeira grande ação do Cidadania Ribeirinha nas comunidades selecionadas.

Essa ação é justamente o Curso de Formação de Agentes Populares de Educação Ambiental na Agricultura Familiar, que terá 144 horas-aula e será oferecido no segundo semestre deste ano. Serão 12 turmas, duas por comunidade, estando ainda em análise o número de alunos por turma, que deverá variar entre 25 e 30. O curso contemplará diretamente, portanto, entre 300 e 360 pessoas.

“Vamos seguir o princípio do pensar global, agir local. A ideia é priorizar a escolha de instrutores do Norte de Minas, o que vai gerar renda na região e valorizar os saberes locais. A seleção dos alunos, por sua vez, será feita por meio da mobilização da comunidade, que escolherá aquelas pessoas com maior capacidade de liderança, motivação e interesse, capazes de promover a mudança que planejamos para essas comunidades”, aponta Márcio Santos.

Projetos estruturadores - O curso de formação vai se desdobrar na segunda linha de ação do Cidadania Ribeirinha, que prevê 12 projetos comunitários estruturadores de educação ambiental nas comunidades rurais contempladas, cada um deles sob a responsabilidade de uma das turmas do curso. As próprias comunidades é que vão escolher o que será feito. E as possibilidades são muitas, como uma estação de piscicultura, uma horta comunitária ou, por exemplo, a captação de energia solar.

“O ano de 2016 será todo dedicado a tornar esses pequenos empreendimentos uma realidade. Eles serão financiados pelos recursos do Fundo Nacional de Meio Ambiente, impactando positivamente na vida dessas comunidades. Estaremos ao lado deles o tempo todo, coordenando e supervisionando, mas o modelo é todo descentralizado, justamente para promover o 'empoderamento' do cidadão ribeirinho”, destaca Márcio Santos.

Campanhas socioambientais vão fechar leque de ações do projeto

A terceira linha de ação do Cidadania Ribeirinha prevê a implementação de campanhas em defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em cada comunidade, contando sempre com a participação das lideranças capacitadas ao longo do curso.

“Mais uma vez a ideia é trazer uma ação concreta por meio da mobilização do cidadão ribeirinho. Nesse caso, queremos a participação popular em prol do desenvolvimento sustentável. As possibilidades são muitas, como um mutirão em defesa de um curso d'água assoreado ou superexplorado pela irrigação, o resgate da memória oral dos ribeirinhos sobre um curso fluvial ou o plantio de mudas nativas para recuperar a mata ciliar”, exemplifica Márcio Santos.

Mais uma vez, o Cidadania Ribeirinha quer levar o que o seu gestor classifica como “efervescência” a essas comunidades. Ele calcula que, ao término do projeto, serão indiretamente beneficiadas mais de 25 mil pessoas, que, estatisticamente, constituem a população total das seis comunidades atendidas, não computadas as pessoas residentes nas localidades menores aglutinadas. Segundo o gestor, essa população indiretamente beneficiada corresponde a 21% da população total dos municípios de Januária e São Francisco.

A segunda edição do Cidadania Ribeirinha será realizada ao longo de dois anos. Foram disponibilizados recursos da ordem de R$ 744 mil do Fundo Nacional de Meio Ambiente, repassados por meio do Banco do Brasil. O projeto foi um dos 19 selecionados entre 240 inscritos em todo o País, num edital de financiamento aberto ainda em 2013. Além da verba do Ministério do Meio Ambiente, foi alocada uma contrapartida de R$ 185 mil da Assembleia de Minas.

Primeira edição - Na primeira edição do projeto, iniciada em 2011, os municípios beneficiados foram Itacarambi, Manga, Matias Cardoso e Pedras de Maria da Cruz, todos no Norte de Minas. O Cidadania Ribeirinha chegou ao final de 2014 com quatro módulos do curso de desenvolvimento sustentável concluídos. Foram organizados ainda quatro seminários temáticos e dezenas de ações comunitárias, sempre com o envolvimento de parceiros institucionais e a mobilização de lideranças, de forma a garantir o efeito multiplicador das ações.

Foram mais de mil inscritos no curso de desenvolvimento sustentável oferecido pelo projeto entre 2012 e 2014. Além desse público, foi organizado um programa de capacitação de professores da rede pública em empreendedorismo social, executado em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

O quarto e último módulo se deu em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), voltado para a capacitação dos alunos em atividades econômicas sustentáveis, tais como trabalho com fibras naturais, apicultura e beneficiamento de alimentos.

Parceiros institucionais apoiam execução de ações

Na viagem da última semana, o Cidadania Ribeirinha contou com a participação da cientista social e historiadora do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Corina Maria Rodrigues Moreira, cedida pela Superintendência Estadual do órgão, e, ainda, com o apoio logístico do Escritório Regional de Januária do Instituto Estadual de Florestas (IEF).

Um dos principais trunfos com que o Cidadania Ribeirinha conta são justamente os parceiros institucionais mobilizados para o apoio à execução das ações. Além dos parceiros locais, têm contribuído para o projeto instituições como o Iphan, Iepha, IEF, Emater, Sebrae e Senar.

Segundo Corina Moreira, que também acompanhou a primeira edição do projeto, um dos desafios é valorizar a dimensão cultural e não apenas a dimensão ambiental da Bacia do São Francisco. “São os modos de vida, as expressões culturais de barranqueiros, veredeiros, pescadores, quilombolas, aspectos às vezes que não são os mais visíveis para nós, mas que são muito importantes para eles. Isso pode ser trabalhado nos projetos estruturadores, mas como o Cidadania Ribeirinha valoriza sempre o diálogo, isso vai depender primeiro da vontade deles”, afirma.

Corina Moreira lembra que, na comunidade quilombola de Bom Jardim do Prata, até um ancião foi chamado a participar do encontro, o que dá muita esperança de que essa história oral deve merecer atenção especial. “Ele é uma referência na comunidade. Não é necessário grande investimento para preservar essa memória. Todos ali têm essa preocupação, de que os jovens não percam esse contato com a história da comunidade”, conta.