As ações foram discutidas durante o painel
O procurador da República Edmundo Dias acredita que a Lei de Anistia deveria ser revista

Palestrantes cobram reparação de erros da ditadura

Para participantes de ciclo de debates, o País precisa eliminar os requícios do regime militar.

01/04/2014 - 19:15 - Atualizado em 01/04/2014 - 20:12

Palestrantes do segundo dia do Ciclo de Debates Resistir Sempre, Ditadura Nunca Mais – 50 anos do Golpe de 64 avaliaram que o Brasil ainda precisa implementar uma série de medidas para eliminar os resquícios do regime de exceção, como a permanência de práticas de tortura em órgãos policiais do Estado e de sua postura repressiva em relação aos movimentos sociais. As ações foram discutidas na tarde desta terça-feira (1º/4/14), durante o painel "Da redemocratização aos dias atuais: dilemas e perspectivas", no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Para o procurador da República Edmundo Antônio Dias, o Estado deve promover ações para a preservação da memória e para implementar procedimentos inerentes à justiça de transição relativa ao regime militar. Ele explica que se trata de um conjunto de abordagens e mecanismos (judiciais e não judiciais) para enfrentar o legado de violência em massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer as instituições democráticas e garantir as atrocidades não se repitam.

Dias lembrou que outros países da América Latina, como Argentina e Uruguai, já têm processos avançados nesse sentido, tendo em curso inclusive, desde a década de 1980, comissões da verdade e ações penais. De acordo com o procurador, um dos caminhos para a reabilitação do Estado no Brasil foi o pagamento de indenizações aos cidadãos torturados e às famílias que tiveram seus entes mortos ou considerados desaparecidos. “No entanto, há muito o que fazer. Seria necessário, por exemplo, reformar o sistema de segurança pública - que ainda possui estrutura semelhante à do período ditatorial -, desmilitarizar a polícia e desvinculá-la do Poder Executivo”, enfatizou.

Outra ação que Dias julga necessária é a alteração dos nomes de próprios públicos que homenageiam os generais do regime militar. Ele citou projetos em tramitação na ALMG e na Câmara Municipal de Belo Horizonte que tratam dessa substituição e lembrou o caso do Elevado Castelo Branco em Belo Horizonte - batizado em 1971 em homenagem ao primeiro presidente da ditadura militar. Na última terça-feira (25), a Câmara Municipal aprovou projeto de lei alterando o nome do viaduto para Helena Greco. “Essas são medidas de satisfação para a sociedade que têm grande alcance simbólico. Ainda temos uma lista enorme de torturadores homenageados em Minas. Para se ter uma ideia, há uma escola no Norte de Minas com o nome do presidente Ernesto Geisel, que defendia publicamente a importância da tortura. Não se trata de varrer a história do País, mas de se contrapor ao regime de exceção”, apontou.

MPF quer revisão da anistia aos torturadores

A revisão da Lei de Anistia, de 1979, seria outro passo relevante para a consolidação da justiça de transição no País, conforme consideração do procurador Edmundo Dias. Ele acrescentou que o instrumento jurídico foi criado pelos próprios militares, que se deram assim uma "auto-anistia”. “Não há legitimidade nisso, mas lamentavelmente o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, em julgamento ocorrido em 2010, a vigência da lei, que foi questionada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)", destacou.

Dias contou que, no mesmo ano, o País foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelas mortes de militantes da guerrilha do Araguaia, movimento da década de 1970 que pretendia fomentar a adoção, no Brasil, de um regime socialista. Para tentar reverter essa posição do Brasil junto à corte, o Ministério Público Federal (MPF) tem atuado para responsabilizar os agentes da repressão, sobretudo aqueles que torturaram os presos políticos.

Segundo o procurador, o MPF já constituiu um grupo de trabalho para ajuizar ações que têm como objeto os crimes da ditadura. Dias afirmou que já há 177 investigações em curso e oito ações penais, incluindo um processo sobre o caso Riocentro. O episódio consistiu em um ataque a bomba que seria perpetrado no Pavilhão Riocentro, no Rio de Janeiro, na noite de 30 de abril de 1981, por volta das 21 horas, quando se realizava um show em comemoração ao Dia do Trabalhador. Na ocasião, o governo culpou radicais da esquerda pelo atentado.

Para professor, houve retrocesso econômico na ditadura

Já João Antônio de Paula, professor titular do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, disse que este é o momento de reiterar os compromissos firmados pelo Brasil para não mais permitir um regime de exceção. Ele ainda falou sobre o retrocesso proporcionado pelo regime militar, tanto no âmbito político como no econômico.

Segundo o professor, o plano econômico proposto por João Goulart, o "Jango", no início da década de 1960, merece ser revisto hoje porque trazia metas viáveis de controle da inflação e de reformas importantes, como a agrária. “Estava em curso no Brasil um processo de reformas. É preciso fazer justiça a esse governo, que se aproximou das demandas dos cidadãos. O golpe foi a reação a esse processo de mudança. O regime ainda nos levou a uma inflação que dobrou em 1984, em relação ao início da ditadura, 1964. A dívida externa teve progressão absurda. O Brasil regrediu politicamente e economicamente”, salientou João Antônio.

Repressão – Para a coordenadora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), Beatriz Cerqueira, as práticas atuais do Estado estão perpetuando a repressão histórica contra os movimentos sociais. “As manifestações populares têm sido caso de polícia em Minas Gerais. A última ação do Estado é conversar, e a primeira medida é o enfrentamento por meio da força policial. Estamos enfrentando as mesmas estratégias do período de exceção, inclusive com policiais infiltrados nos movimentos”, denunciou.

Para ela, está ocorrendo cada vez mais a judicialização da política. Cerqueira explicou que as demandas inerentes ao Legislativo e ao Executivo acabam sendo “resolvidas” pelo Poder Judiciário, e muitas vezes, em âmbito individual. “Se não quisermos que os direitos dos trabalhadores e dos cidadãos sejam lesados, precisamos instituir políticas públicas de Estado”, concluiu.

Debates - Na fase de debates, o sindicalista Carlos Calazans lembrou que a data de 1º de abril de 1964 é muito marcante, pois nesse dia 79 sindicatos de Minas Gerais foram cassados, bem como 43 sindicalistas foram presos. De acordo com Calazans, uma pergunta fica no ar. "Se a ditadura acabou, como explicar casos recentes, como o de Amarildo de Souza e Cláudia da Silva Ferreira?”, pontuou. Ele se referiu, respectivamente, ao caso do ajudante de pedreiro que desapareceu em julho do ano passado após ser detido por policiais, no Rio de Janeiro; e ao da mulher arrastada por uma viatura militar no último dia 16 de março, também no Rio.

O deputado Rogério Correia (PT) defendeu uma reforma política, não apenas eleitoral, mas institucional. “A Constituição foi testada, mas muitos problemas permanecem. O fim do regime militar não resolveu todos os problemas da luta pela liberdade. Já lançamos a ideia de um plebiscito para uma Constituinte exclusiva”, completou.

O procurador da República Edmundo Antônio Dias disse ainda que é contra a Constituinte exclusiva, pois, segundo ele, a Constituição brasileira não permite convocação de plebiscito com essa finalidade.

Finalmente, o professor da UFMG João Antônio de Paula observou que, para que a democratização se efetive plenamente no País, alguns pressupostos são essenciais, como a necessidade de se incluir mecanismos de controle social sobre o Estado e a democratização da informação, tendo em vista que, segundo ele, apenas sete famílias controlam os meios de comunicação no Brasil.