Uma Palestra Magna abriu o Ciclo de Debates Resistir Sempre, Ditadura Nunca Mais – 50 anos do Golpe Militar, na manhã desta segunda-feira (31), no Plenário da Assembleia.
Para Vânia Bambirra, o golpe de 64 ocorreu em meio a uma crise estrutural
O professor Theôtonio dos Santos disse que os militares serviram aos interesses da elite brasileira

Verdade é imprescindível para o definitivo golpe na ditadura

Palestrantes de ciclo de debates lembram participação civil no golpe militar de 1964.

31/03/2014 - 15:55 - Atualizado em 31/03/2014 - 16:56

"Os regimes de exceção sobrevivem ao seu tempo justamente pela omissão da verdade". O alerta foi feito pela ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, em Palestra Magna que abriu o Ciclo de Debates Resistir Sempre, Ditadura Nunca Mais – 50 anos do Golpe Militar, na manhã desta segunda-feira (31/3/14). Para ela, enquanto a verdade não for plenamente conhecida, vamos ainda nos deparar com manifestações saudosistas de um período permeado pelo medo e violência.

Menicucci ressaltou o discurso da presidente Dilma Rousseff na solenidade que deu início aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, em maio de 2012. A ministra destacou, em especial, a citação da presidente, mas de autoria de Ulysses Guimarães, que coordenou, na década de 80, a campanha Diretas Já: “a verdade não desaparece quando é eliminada a opinião daquele que diverge”.

Segundo ela, a origem da palavra verdade se opõe precisamente ao termo esquecimento. Ao lembrar a sua trajetória como militante e como uma das tantas mulheres que foram torturadas pelo regime de exceção, ela afirmou que a verdade não pode abarcar ressentimento ou ódio, mas que não comporta o perdão. "Temos que revelar todas as atrocidades ocorridas no período, temos o direito sagrado à verdade, as famílias que perderam seus entes têm o direito de sepultá-los. Só não podemos deixar de buscá-la, pois a verdade é filha do tempo e não da tirania”.

“Ainda que reviver o passado possa trazer dor é preciso conhecê-lo; é necessário revisitá-lo e percorrer um caminho de crítica e reflexão”, salientou Menicucci, ao falar do enfrentamento com o seu torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército, que, em 2008, foi o primeiro militar a ser reconhecido pelo Poder Judiciário como torturador. A ministra contou que, durante o depoimento do militar, ele simplesmente olhou para ela e sua amiga que o denunciaram e disse: “vocês não existem, vocês são vacas que passaram pela história”.

Invisibilidade – Para Eleonora Menicucci, há realmente um esforço significativo para apagar as mulheres da história. De acordo com ela, as inúmeras barbáries praticadas contra o sexo feminino ainda hoje encontram ressonância. Nesse aspecto, disse a ministra, parece que nada se aprendeu com o passado, com as duas grandes guerras, quando não foram considerados crimes os estupros de mulheres. “A violência sexual foi demasiadamente utilizada como arma de guerra e ainda hoje é praticada contra nossas filhas, irmãs, esposas e mães - dentro e fora de casa”.

Expositores destacam participação civil no golpe de 1964

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, deputado Durval Ângelo (PT), conduziu os trabalhos do painel "Contexto do golpe militar de 1964", juntamente como o coordenador da Comissão da Verdade de Minas Gerais, Antônio Ribeiro Romaneli. O parlamentar ressaltou as leis aprovadas na ALMG que buscaram indenizações para as vítimas do regime militar, inclusive para os três deputados cassados em 1964 pela Casa: Sinval Bambirra, Clodesmitdt Riani e Dazinho.

A expositora Vânia Bambirra, doutora em Economia pela Universidade Nacional Autônoma do México, explicou que o golpe de 1964 ocorreu em meio a uma crise estrutural política, econômica e cultural, a mesma situação que, segundo ela, se repetiu em outros países latino-americanos. Para a professora, a ascensão de movimentos populares, greves estudantis, de operários e camponeses, contribuiu significativamente para impulsionar quadros de militares e da elite brasileira a repreender os novos rumos políticos que se estavam delineando no País.

Ela enfatizou o surgimento, sobretudo, do movimento camponês. Em 1961, camponeses de todas as partes do Brasil se uniram para reivindicar a reforma agrária, com o lema “Reforma agrária na lei ou na marra”. Bambirra disse que os dois chefes do Executivo que antecederam o presidente João Goulart (o Jango), Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, não implementaram política alguma de fomento aos pequenos produtores. “As ações das ligas camponesas eram centradas na questão da propriedade, o que ocasionou grandes conflitos com os latifundiários, que são a classe mais conservadora de qualquer sociedade”, explicou.

Vânia Bambirra afirmou ainda que os movimentos populares se pautaram nas reformas de base (reformas agrária, bancária, política, eleitoral, dentre outras) e que a política econômica baseada em muitas restrições, como redução do gasto fiscal, contenção dos salários e do crédito aos pequenos agricultores eram incompatíveis com os anseios da população e da noção de justiça social.

As agitações de massa despertaram, assim, a reação de parte do empresariado, dos latifundiários e militares, que depuseram o então presidente Jango, uma vez que ele estava se mobilizando para implementar as reformas reivindicadas pelos trabalhadores. Essa postura foi interpretada como uma “perigosa” aproximação com as políticas de esquerda, que poderia culminar, na visão da elite empresarial-militar, na instalação do comunismo, ponderou Bambirra.

De acordo com ela, a antessala do golpe foi a marcha da família com Deus pela liberdade e pela propriedade, ocorrida em março de 1964 para apoiar a intervenção militar contra o suposto inimigo: o comunismo. “É preciso destacar que a grande burguesia nunca delegou plenamente aos militares a execução de suas políticas, sobretudo as econômicas, o que revela que o golpe foi, na verdade, civil-militar”, afirmou a professora.

Negócio – Também para o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Theôtonio dos Santos, os militares não eram ingênuos nem anticomunistas, mas apenas serviram aos interesses da elite brasileira. “Os quadros militares que efetivaram o golpe não eram maioria, mas tinham o controle dos cargos de direção das instituições militares. Os generais que comandaram o golpe estavam relacionadas a grandes corporações multinacionais”, explicou.

Segundo ele, a criação do Banco Central - “vendida como a solução para o desenvolvimento econômico do Brasil” - possibilita que o mercado seja mais soberano que aquele que o representante eleito pela população. “A defesa do povo, é claro, acaba em segundo plano”, lamentou. Para o professor, a lógica que permeou a ditadura continua presente: a perpetuação dos interesses da iniciativa privada nacional ou estrangeira.

Impasse - Já para Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um dos impasses que culminou no golpe foi gerado pela própria singularidade das eleições da época, que permitiam candidaturas à presidência da República e à vice-presidência de forma desvinculada.

Ele lembrou que João Goulart foi eleito juntamente com Jânio Quadros, mas que eles eram adversários. A renúncia de Jânio levou Leonel Brizola a encabeçar a campanha pela legalidade, pedindo a posse de Jango, que foi democraticamente eleito para vice e, portanto, deveria ocupar a presidência.

Oliveira recordou ainda a tentativa de aprovar emenda que modificaria os artigos 141 e 147 da Constituição Federal de 1946. Os dispositivos permitiam desapropriações para fazer reforma agrária, mas previam que as indenizações deveriam ser pagas em dinheiro. Com a emenda, seria possível executar o pagamento com títulos públicos. Na sua avaliação, essa proposta contribuiu para o acirramento das posições políticas. “A instabilidade política, somada à econômica, culminou na concretização do golpe”, concluiu o professor.

O Ciclo de Debates Resistir Sempre, Ditadura Nunca Mais – 50 anos do Golpe Militar prossegue na tarde desta segunda-feira (31) e continua nesta terça-feira (1º/4).