Sindicatos pedem que reforma não seja discutida na pandemia
Em seminário, entidades criticam proposta do governo para previdência, por afetar servidores e prestação de serviços.
14/07/2020 - 15:05“Essa reforma é a punição que vamos receber depois de trabalhar tanto, em condições precárias, cumprindo nossa missão e arriscando nossas vidas durante a pandemia?”. A pergunta, em tom de desabafo, foi feita pelo diretor da Associação dos Trabalhadores da Fundação Hospitalar do Estado (Asthemg), Carlos Augusto Martins, nesta terça-feira (14/7/20), no segundo dia do Seminário Reforma da Previdência do Estado, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O evento, que tem por objetivo colher sugestões para aperfeiçoar a reforma proposta pelo governo do Estado, vai até quinta-feira (16).
Assista ao vídeo completo da reunião.
Carlos, que é funcionário do Hospital João XXIII e falou em nome de servidores de hospitais públicos, no entanto, optou por não sugerir mudanças no texto. Ele fez um apelo aos deputados para que não discutam, neste momento, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/20 e o Projeto de Lei Complementar (PLC) 46/20, que contêm a reforma da previdência, uma vez que os 15 mil servidores da Fundação Hospitalar do Estado (Fhemig) estão impedidos pela Justiça de realizar qualquer ato de discussão ou reivindicação, em função da pandemia de Covid-19.
O diretor da Asthemg relatou as dificuldades que os profissionais de saúde estão enfrentando. Segundo ele, esses profissionais atuam sem equipamentos de proteção adequados e sem direito à testagem para a Covid e ao afastamento preventivo do trabalho quando recebem resultado positivo em exames particulares.
Para ele, a reforma, em todos os seus aspectos, vai penalizar muito os servidores da Fhemig, que têm média salarial entre R$ 2,5 e R$ 3 mil. “Não nos deram o direito de discutir a nossa vida, o nosso futuro. Por favor, parem com essa reforma e nos deixem trabalhar sem essa preocupação neste momento”.
O pedido para que a tramitação seja suspensa foi comum aos demais sindicalistas participantes. Uma das mais enfáticas foi a vice-presidenta do Sindicato dos Servidores da Justiça de 1ª Instância (Serjusmig), Sandra de Souza. "É covardia e crueldade essa reforma passar agora. A participação dos servidores por chat não é a mesma coisa, e eu só estou aqui porque minha categoria está desesperada", afirmou.
"A gente tem perguntas e não há ninguém para responder", acrescentou Moísa Medeiros, do sindicato que representa os fiscais agropecuários (Sindafa).
Mulheres – Sandra enfatizou a questão das mulheres, para ela penalizadas com mais rigor na proposta de reforma. "Os projetos desprezam o fato de as mulheres terem dupla jornada. Estudos científicos justificam tempo de contribuição e idade menores", declarou.
As regras de transição também foram criticadas pela sindicalista, por exigir idade mínima e, assim, desconsiderar quem começou a trabalhar mais cedo e tem grande tempo de contribuição.
"Não temos fundo de garantia. Abrimos mão disso em função de outras coisas. Mas o servidor público, hoje, não sabe mais quais as regras que vão valer". desabafou.
Criação do MGPrev é "trem da alegria", diz sindicalista
Outra crítica à reforma refere-se à proposta de criação de uma nova autarquia, a MGPrev, que assumiria as função previdenciárias do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado (Ipsemg). Segundo Maria Abadia de Souza, que preside o sindicato dos servidores do instituto, o Sisipsemg, o relatório de gestão do Ipsemg relativo a 2019 não aponta nenhum problema de atuação. "O Ipsemg teve dificuldade na época em que os recursos não eram repassados", ressalvou.
Por isso, segundo ela, não faz sentido criar uma nova autarquia, com diversos cargos comissionados, para substituir outra que está funcionando bem. "É um trem da alegria, para empregar os amigos do rei", afirmou. Ela destacou, ainda, que a reforma interfere na competência do Ipsemg, que é um órgão autônomo, o que abre espaço para a judicialização das mudanças.
"Retirem essas propostas de tramitação. E rasguem a proposta de reforma administrativa", defendeu Geraldo da Conceição, diretor do Sindicado dos Trabalhadores no Serviço Público (Sindpúblicos).
Ele salientou que 70% dos servidores do Executivo ganham piso de R$ 1.050 para nível médio e R$ 2.298 para superior e precisam de adicionais para completar a renda. O sindicalista lembrou que a categoria não tem dissídio coletivo e depende da sensibilidade de governos – ou da pressão de greves – para ter reajuste.
Geraldo, assim como outros participantes do seminário, defendeu que o governo busque outras fontes de renda, como o combate à sonegação, para evitar colocar o deficit das contas somente nas costas do servidores. "Não temos um Estado quebrado, mas sonegado", afirmou.
A classe artística foi representada por dirigentes de duas entidades. Leandro Braga, da Associação dos Músicos Cantores Líricos (Amcol), salientou que a reforma implica redução de salários num momento de incerteza, quando o impacto da pandemia ainda é desconhecido.
Já Wellington Vilaça, do Sindicato dos Músicos Profissionais (Sindimusi), destacou que a reforma sucateia o serviço público e prejudica os servidores, sem que seja possível discuti-la de fato. "O seminário abre espaço para os sindicatos, mas os sindicatos estão sem possibilidade de diálogo com os servidores neste momento", acrescentou.
Defensores públicos e professores questionam alíquotas
O aumento progressivo das alíquotas de contribuição previdenciária, de 13% a 19%, foi outro ponto criticado pelos participantes do seminário. Segundo o representante da Associação dos Docentes da Universidade do Estado de Minas Gerais (Aduemg), Fernando da Silva, aumentar a contribuição é confiscar salários dos servidores, prejudicando mais de 400 mil professores da ativa, sem contar os aposentados.
“Isso afeta toda a população mineira. Os deputados que aprovarem essa reforma colocarão suas digitais no desmonte dos serviços públicos”, disse.
Fernando afirmou que já existem diversas ações diretas de inconstitucionalidade contra a reforma da União tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF), por ferir, entre outros dispositivos legais, o artigo 195 da Constituição Federal, que trata da seguridade social. O mesmo questionamento valeria para Minas Gerais e para outros estados que já fizeram suas reformas.
Para o presidente da Associação dos Defensores Públicos, Fernando Martelleto, o aumento das alíquotas é “pernicioso”, as regras de transição são “obscuras” e a migração para o sistema de previdência complementar tem tudo para dar errado e deixar os servidores sem nenhuma garantia à aposentadoria. “Esperamos que a Assembleia se debruce sobre esses projetos com muito cuidado e sensibilidade social”, disse.
Emendas - Diante dos questionamentos, o 3º-vice-presidente da Assembleia, deputado Alencar da Silveira Jr. (PDT), que presidiu a reunião, informou que já preparou emendas às proposições que contêm a reforma, inclusive uma que isenta do aumento da contribuição previdenciária os servidores que ganham até quatro salários mínimos.
A deputada Celise Laviola (MDB) defendeu o diálogo com as categorias e também procurou tranquilizar os servidores, dizendo que já apresentou emenda para retirar a possibilidade de o governo cobrar alíquotas extraordinárias no futuro, um dos pontos mais criticados da reforma.
Já a deputada Beatriz Cerqueira (PT) disse que não apresentará emendas às proposições do governo, neste momento, porque também defende a paralisação da tramitação delas, até que todos possam participar presencialmente das discussões na Assembleia.