Especialistas defendem escola diversa e inclusiva
Estado enfrenta desafios para a educação especial, de detentos, de quilombolas e de moradores do campo.
19/02/2016 - 20:09Os grandes desafios do Plano Estadual de Educação de Minas Gerais (PEE) para promover uma escola diversa e inclusiva foram tratados no painel Superação das desigualdades educacionais: acesso e permanência dos alunos nas modalidades de educação especial, do campo, indígena, quilombola e no sistema prisional e socioeducativo. A discussão encerrou o Debate Público Planejando a Educação em Minas Gerais - Metas e Estratégias para Financiamento e Redução das Desigualdades Educacionais, realizado nesta sexta-feira (19/2/16), no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Esses desafios em Minas se traduzem, por exemplo, no pequeno número de escolas quilombolas, no índice abaixo da média nacional no que se refere à inclusão de alunos com deficiência em escolas regulares, na existência de poucas vagas do ensino profissionalizante para detentos, e na conquista, apenas em 2015, de um marco legal estadual para o ensino do campo, que precisa ser incorporado às diretrizes do PEE.
O painel foi conduzido pelos deputados Paulo Lamac (Rede) e Professor Neivaldo (PT). A partir de agora, as discussões serão feitas regionalmente, no Fórum Técnico Plano Estadual de Educação, para subsidiar a avaliação do plano, contido no Projeto de Lei 2.882/15, do governador.
Uma defesa apaixonada da inclusão de alunos com deficiência nas chamadas escolas regulares foi feita pela diretora de Políticas de Educação Especial da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC), Martinha Clarete Dutra dos Santos. Ela distinguiu a “educação especial” da “escola especial”, que segrega os alunos. “Os planos estaduais e municipais devem garantir condições para o ensino inclusivo. É um direito. E é preciso aceitar a diversidade humana como riqueza. A condição física ou sensorial não pode ser usada para reduzir uma pessoa”, afirmou.
Desde 2008, segundo Martinha, a educação especial deixou de ser um sistema paralelo, que segrega, para ser suplementar, em apoio à escola comum. Ainda assim, a meta de 100% de inclusão está longe de ser atingida. No Brasil, o índice é de 81%, e, em Minas, de 66%. Os grandes entraves no Estado são a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que tem apenas 12% dos alunos com deficiência em escolas regulares, e as creches, com 53%. Por outro lado, o destaque é o ensino médio, com 100% de inclusão.
A diretoria da Secadi falou também sobre os recursos repassados pelo Governo Federal para que as escolas trabalhem na inclusão e classificou como “emergencial” a tarefa de trazer para a escola as crianças e jovens com deficiência e que estão em situação de vulnerabilidade social. Em Minas, 31% desse público, em idade escolar, está fora da escola. “A convivência com as diferenças nos faz pessoas melhores”, afirmou Martinha.
Superlotação de presídios dificulta a educação
A educação de detentos em Minas também desafia o poder público. Em todo o País, a existência de 16 presos para cada dez vagas dificulta as ações. Além disso, faltam vagas. Em Minas, há 58 mil detentos. Desses, 8 mil estudam, sendo 5,6 mil em cursos técnicos, pelo Pronatec. E apenas 190 presos fazem curso superior, desde a criação do Enem prisional, em 2009. “Tudo o que o detento vive na escola profissionalizante importa muito para sua inclusão quando ele deixa o presídio”, avalia Karol Oliveira Amorim, coordenadora do Núcleo de Ensino e Profissionalização da Penitenciária José Maria Alkmim, ligado à Secretaria de Estado de Defesa Social.
Karol ressalta o perfil dos detentos em Minas, que são jovens (56% têm entre 18 e 29 anos), negros ou pardos (67%) e são analfabetos ou nem chegaram a concluir o ensino fundamental (68%). “A educação nas prisões é invisível, assim como as pessoas que estão lá. A Lei de Execuções Penais, de 1984, tornou esse ensino obrigatório, mas só em 2004 essa discussão começou a avançar”, lamenta. Ainda assim, a especialista acredita ser possível construir nas prisões uma educação como prática de liberdade, emancipadora e para toda a vida, como preconiza a Educação de Jovens e Adultos.
Quilombolas – Nas comunidades quilombolas, a educação também enfrenta dificuldades, a começar pelo número de escolas. São 24 estaduais, 165 municipais e três comunitárias. Para se pensar a permanência dos alunos na escola, há que se considerar, ainda, que 23% deles estão em áreas urbanas. E há entraves como o não reconhecimento dessas comunidades, a não valorização de sua cultura e sua história e até a reprodução de estereótipos negativos no material didático.
“O PEE fala em erradicar todas as formas de discriminação. Isso incide no campo da subjetividade, do entrave histórico que transforma diferença em desigualdade”, aponta Vanda Lúcia Praxedes, pesquisadora do Programa Ações Afirmativas na UFMG e do Núcleo de Pesquisa sobre Relações Étnicoraciais e Ações Afirmativas (Nera-UFMG). Ela avalia que a implantação das diretrizes do PEE para esse público implica mudanças nos currículos e o rompimento com privilégios e com a herança colonialista para o aluno se reconheça na escola.
Especificidades do campo devem ser atendidas
Uma escola com tempo, espaço e currículo contextualizados, que considere a realidade e os saberes do campo e leve em conta, por exemplo, os ciclos produtivos, a pedagogia da alternância. Esse é o modelo defendido por Ellen Vieira Santos, assessora educacional da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg). “Campo é espaço de produção de vida, de cultura, de conhecimento, e não só de agricultura”, defende.
Mesmo comemorando a edição do primeiro marco regulatório em Minas, no ano passado, com as diretrizes operacionais para a educação do campo, ela enfatiza que os desafios são imensos, a começar pela incorporação das diretrizes no PEE. “Quando falamos em erradicar o analfabetismo, imaginem no campo, nos assentamentos. É uma grande responsabilidade”, provoca. Para a representante da Fetaemg, a garantira do direito à educação passa, entre outros pontos, pela formação específica para os professores, pela efetivação das conquistas e promovendo a participação na gestão escolar.
Pilares – A subsecretária de Informações e Tecnologias Educacionais da Secretaria de Estado da Educação, Júnia Sales Pereira, encerrou o painel, afirmando que este é um momento de amadurecimento democrático para garantir a equidade e superar a discriminação. “Temos dívidas históricas de desigualdade no acesso e na permanência dos alunos. E a intolerância e o preconceito ainda são da nossa sociedade e reverberam na escola”, apontou. Por isso, segundo ela, são pilares do Plano Estadual a promoção da educação humanizadora e cidadã, a liberdade no ato de educar, o fortalecimento das instâncias participativas e o respeito à comunidade, entre outros.
Júnia defendeu o planejamento e o financiamento regionalizado da educação para reverter situações desiguais, como o índice de analfabetismo, que é de 4% em Belo Horizonte e de 20% no Vale do Jequitinhonha, por exemplo. Na fase de debates, ela respondeu a questões apresentadas por travestis, que exigem ações específicas para conter a evasão escolar e a consequente ingresso no mundo da prostituição. A subsecretária aconselhou que as demandas sejam formalizadas. “O plano não fará isso sozinho. É a nossa luta, a nossa voz, a escuta da diferença. A sociedade se transforma, mas muitas vezes a escola fica no mesmo lugar”, reconheceu.
No encerramento da fase de debates, a estudante Késsia Cristina Teixeira, representando a União Colegial de Minas Gerais (UCMG), defendeu a reforma curricular do Ensino Médio, que hoje, segundo ela, está distante da realidade nacional. “É um modelo arcaico, com resquícios da ditadura militar, uma escola fechada entre muros e grades e um ensino que não atende a juventude”, protestou. Acrescentou que a educação, hoje, está fundamentada em “escolas do Século XIX, com professores do século XX e alunos do século XXI”. Para ela, esse quadro contribui para a evasão escolar e o desinteresse dos jovens pela educação.