PL PROJETO DE LEI 3005/2024
Projeto de Lei nº 3.005/2024
Dispõe sobre a autonomia e os direitos da gestante e da parturiente no período do parto até o período do puerpério, e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica garantido as gestantes o direito de acesso ao parto adequado, respeitada, em todos os casos, a autonomia da vontade da parturiente, externada ou não no seu plano individual de parto, inclusive quanto à mudança de opinião, com o acompanhamento e a assistência do médico obstetra responsável.
Parágrafo único – O parto adequado é aquele constituído pelo respeito ao protagonismo da mulher e às práticas comprovadamente recomendadas baseadas em evidências científicas atualizadas.
Art. 2º – Fica garantida, sem possibilidade de ser negada, a presença do genitor, companheiro ou do acompanhante, bem como a presença de doula, na sala de parto, durante o pré-parto ao pós-parto imediato, para os devidos trabalhos de assistência à parturiente, de acordo com o plano de parto, o qual foi definido previamente pela parturiente com a devida assistência do médico responsável e entregue ao hospital.
Parágrafo único – Nos casos de impossibilidade de nítida resposta ou incapacidade relativa ou absoluta da parturiente, fica seu acompanhante responsável por autorizar ou desautorizar procedimentos, não podendo ser negado, salvo em questões de fundado risco de vida.
Art. 3º – Fica garantido o respeito ao plano individual de parto, tal como estabelecido pela parturiente.
§ 1º – Considera-se plano individual de parto todo o documento que conste a vontade da parturiente quanto ao procedimento de parto, à condução do pré-parto e do pós-parto imediato.
§ 2º – O plano de parto é um documento recomendado pela Organização Mundial de Saúde – OMS, cabendo ao profissional da saúde respeitar as diretrizes e os desejos da parturiente contidos no plano.
Art. 4º – No plano individual de parto a gestante manifestará sua vontade, no qual poderá constar informações sobre:
I – a presença, durante todo o processo ou em parte dele, de um acompanhante livremente escolhido pela gestante;
II – a presença de doula, à sua escolha, para cuidar de seu bem-estar físico e emocional durante a gestação, trabalho de parto, pré-parto e pós-parto, nos termos da lei;
III – a utilização de métodos não farmacológicos para alívio da dor;
IV – a administração de medicação para alívio da dor;
V – a administração de anestesia peridural ou raquidiana;
VI – o modo como serão monitorados os batimentos cardíacos fetais, respeitadas as evidências científicas atualizadas.
Parágrafo único – Na hipótese de risco comprovado à saúde da gestante ou à saúde do nascituro, o médico responsável poderá restringir as opções de que trata este artigo.
Art. 5º – Toda gestante atendida no Estado terá direito a ser informada, de forma clara, precisa e objetiva, sobre todas as rotinas e os procedimentos eletivos de assistência ao parto, assim como as implicações de cada um deles para o bem-estar físico e emocional da parturiente e do recém-nascido.
Art. 6º – As disposições de vontade constantes do plano individual de parto só poderão ser contrariadas quando assim o exigir a segurança do parto ou a saúde da mãe ou a do recém-nascido, constando as devidas justificativas no partograma e no prontuário da parturiente.
Art. 7º – A Administração Estadual deverá publicar, periodicamente, protocolos descrevendo as rotinas e os procedimentos de assistência ao parto, descritos de modo conciso, claro e objetivo, baseados em evidências científicas atualizadas e comprovadas.
Parágrafo único – Os protocolos tratados no caput deste artigo serão informados aos médicos, enfermeiros e demais funcionários dos estabelecimentos habilitados no Estado para a realização de partos e para o atendimento à gestante, assim como às escolas que ofereçam cursos de medicina, enfermagem ou administração hospitalar.
Art. 8º – A Administração Estadual publicará, periodicamente, dados estatísticos atualizados sobre as modalidades de parto e os procedimentos adotados por opção da gestante.
Art. 9º – São princípios da assistência humanizada no parto e no nascimento:
I – mínima interferência por parte da equipe de saúde;
II – preferência pela utilização dos métodos menos invasivos e mais naturais, de escolha da parturiente;
III – fornecimento de informações adequadas e completas à mulher, assim como à(ao) acompanhante e à doula, referente aos métodos e aos procedimentos disponíveis para o atendimento à gestação, pré-parto, parto e puerpério;
IV – harmonização entre segurança e bem-estar da mulher e do concepto.
Art. 10 – Será objeto de justificação por escrito, firmada pelo chefe da equipe responsável pelo parto, a adoção de qualquer dos procedimentos que os protocolos mencionados nesta lei classifiquem como:
I – desnecessários ou prejudiciais à saúde da gestante ou da parturiente ou do nascituro;
II – de eficácia carente de evidência científica atualizada;
III – suscetíveis de causar dano quando aplicados de forma generalizada ou rotineira.
§ 1º – A justificação de trata este artigo será averbada ao prontuário médico após a entrega de cópia à gestante ou ao seu cônjuge, companheiro ou parente.
§ 2º – Ressalvada disposição legal expressa em contrário, ficam sujeitas à justificação de que trata este artigo:
I – a administração de enemas;
II – a administração de ocitocina, a fim de acelerar o trabalho de parto;
III – os esforços de puxo prolongados e dirigidos durante processo expulsivo;
IV – a Amniotomia;
V – a Episiotomia;
VI – a tração ou a remoção manual da placenta;
VII – a adoção de dieta zero durante o trabalho de parto.
Art. 11 – A parturiente que optar pela realização do parto normal terá garantido o direito à analgesia, desde que apresente as condições clínicas adequadas e respeitadas o parecer médico para o caso.
Art. 12 – Será punida, nos termos desta lei, toda ação de desrespeito à mulher, à sua autonomia, ao seu corpo e aos seus processos reprodutivos, podendo manifestar-se por meio de violência verbal, física, psicológica ou sexual e pela adoção de intervenções e de procedimentos desnecessários ou não autorizados pela mulher ou pelo acompanhante, quando esta não estiver em condições de responder por conta própria.
Art. 13 – Consideram-se atos de violência obstétrica, para efeitos desta lei, em rol exemplificativo:
I – injúria, ofensas, humilhações, comentários constrangedores em razão do seu corpo, da cor, da raça, da etnia, da religião, da orientação sexual, da idade, da classe social, do número de filho;
II – procedimento de Epsiotomia;
III – aplicação de ocitocina, sem necessidade ou sem informar à mulher ou ao acompanhante;
IV – utilização da “manobra de Kristeller”, consistente na aplicação de pressão sobre a barriga da mulher para empurrar o bebê;
V – lavagem intestinal durante o trabalho de parto, sem autorização prévia da parturiente ou do acompanhante, caso a mesma não esteja em condições de responder por conta própria;
VI – raspagem dos pelos pubianos, sem autorização prévia da parturiente ou do acompanhante, caso esta não esteja em condições de responder por conta própria;
VII – utilização de amarras na mulher durante o parto ou impedi-la de se movimentar;
VIII – não permitir que a mulher escolha sua posição de parto, obrigando-a a parir deitada, com a barriga para cima e com as pernas levantadas;
IX – negar anestesia, inclusive no parto normal;
X – toques realizados muitas vezes, por mais de uma pessoa, sem o devido esclarecimento e, principalmente, sem o consentimento da mulher, em discordância ao que estabelece as evidências científicas atualizadas;
XI – dificultar ou impossibilitar o aleitamento materno na primeira hora após o nascimento;
XII – impedir o contato imediato, pele a pele do bebê com a mãe, após o nascimento sem motivo esclarecido à parturiente;
XIII – proibir o acompanhamento de doulas escolhidas livremente pela parturiente;
XIV – cirurgia cesariana desnecessária, sem autorização e sem informar à parturiente sobre seus riscos, ou ao seu acompanhante, quando esta não estiver em condições de responder por si;
XV – qualquer ação ou omissão que cause à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico;
XVI – negligência na assistência em todo o período do ciclo gravídico puerperal;
XVII – realização de tratamentos excessivos ou inapropriados e sem comprovação científica de eficácia;
XVIII – coação com a finalidade de inibir denúncias por descumprimento do que dispõe esta lei.
XIX – negativa de cirurgia cesariana intraparto, esgotados os métodos de alívio farmacológico e não farmacológico de alívio, com o acompanhamento e a assistência do médico obstetra responsável e esclarecidos os riscos do procedimento;
XX – impedir a livre movimentação e livre dieta da parturiente.
§ 1º – A violência obstétrica de que trata esta lei pode ser praticada durante a gestação, no pré-parto, na perda gestacional, no parto e no puerpério.
§ 2º – A violência obstétrica de que trata esta lei pode ser praticada por quaisquer profissionais de saúde, de estabelecimentos públicos ou privados, incluindo redes de saúde suplementar e filantrópica e serviços prestados de forma autônoma.
Art. 14 – São direitos da gestante e da parturiente:
I – ser tratada com respeito, de modo individual e personalizado, garantindo a preservação de sua intimidade durante todo o processo assistencial, bem como o respeito em relação às suas crenças e cultura;
II – ter acesso à vestimenta adequada para cada tipo de procedimento que será realizado, sendo veementemente proibida a negativa de fornecimento de vestimenta adequada pelo hospital;
III – ser avaliado o risco gestacional durante o pré-natal, reavaliado a cada contato com o sistema ou equipe de saúde;
IV – ter assistência humanizada durante a gestação, durante o parto e nos períodos pré-parto e puerperal;
V – ter acompanhamento por uma pessoa por ela indicada durante o período pré-parto e pós-parto;
VI – ter o parto adequado, respeitadas as fases biológica e psicológica do nascimento, garantindo que a gestante participe do processo de decisão acerca de qual modalidade de parto atende melhor às suas convicções, aos seus valores e às suas crenças;
VII – não ser submetida a exames e a procedimentos cujos propósitos sejam investigação, treinamento e aprendizagem, sem que esses estejam devidamente autorizados por Comitê de Ética para Pesquisas com Humanos e pela própria mulher, mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
VIII – negar, a qualquer momento, o acesso de estudantes ou quaisquer outros indivíduos na sala de atendimento, no pré-parto, na sala de parto e no quarto do pós-parto e puerpério.
Art. 15 – As operadoras de planos de saúde e as demais instituições privadas de saúde deverão adotar todos os procedimentos necessários a dar efetividade ao disposto nesta lei.
Art. 16 – As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, que serão suplementadas, se necessário.
Art. 17 – Todos os estabelecimentos de saúde que prestarem atendimento a gestantes e parturientes devem expor cartazes informando sobre a existência desta norma, com destaque para as condutas descritas no art. 13, os direitos elencados no art. 14 e os órgãos para registro da denúncia nos casos de violência descritos desta lei.
Parágrafo único – Os cartazes a que se refere o caput deste artigo devem ser afixados em locais visíveis ao público em geral, preferencialmente nas recepções dos estabelecimentos, com linguagem simples e acessível.
Art. 18 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 5 de novembro de 2024.
Chiara Biondini (PP), vice-líder do Governo.
Justificação: A presente proposição dispõe sobre o parto humanizado no Estado de Minas Gerais para assegurar às parturientes, no período do parto até o período puerpério, a igualdade de direito à saúde e a vida, em sintonia com o disposto no artigo 196 da CF, assim redigido.
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Nesse sentido, procura contemplar a proteção geral a ser dada em favor das mulheres por ocasião do parto, sem discrepar das normas administrativas da instituição em que ocorrerá a intervenção médica, além das prescrições técnicas e da natureza ética dos profissionais envolvidos no procedimento.
A proposição também se justifica na necessidade de apoio às gestantes, sobretudo de baixa renda, para que sejam atendidas de forma digna e seja a elas garantido o direito à saúde e a vida com a utilização das cirurgias cesárias. As mulheres “pobres” saem prejudicadas, sofrem dor durante horas, em partos normais “forçados” e, em muitos casos, com a violência obstétrica.
Pode-se evidenciar que há muitos aspectos envolvidos na escolha do parto. Há questões culturais, sociais e aqueles referentes às características do sistema de saúde e o acesso ao cuidado hospitalar.
As possibilidades de escolha entre partos vaginais e cesários refletem as desigualdades sociais no Brasil. As mulheres pobres, que não têm a adequada assistência social durante a gravidez, o parto e o puerpério, são as maiores vítimas da mortalidade e são as mesmas pessoas que também não têm direito de escolha do tipo de parto.
Segundo dados do Portal de boas práticas em saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente – Fiocruz –, cerca de 20% das causas de óbitos maternos relaciona-se à hipertensão arterial específica da gravidez, 12% se deve em relação à hemorragias, 7% em relação à infecção puerperal e 5% devido ao aborto. Ainda, a pesquisa demonstra que cerca de 92% dos óbitos poderiam ser evitados com a pratica da cirurgia cesárea no seu momento devido.
Aponta-se que no Brasil a quantidade total de óbitos maternos atingiu o número de 1575 mortes no ano de 2019. A morte de mães em trabalho de parto foi reduzida de 142, para cada 100 mil nascidos vivos no ano de 1990, para 64 mortes em 2019, sendo esse número reduzido de forma gradativa. Há casos de morte materna em alguns municípios justamente porque não existe a oportunidade de cesariana, quando ela está bem indicada em situações especiais, as quais poderia salvar vidas.
Alguns estudos sugerem que a escolha pela cesárea no Brasil estaria, dentre variáveis reprodutivas e dos serviços de saúde, fortemente relacionada à figura do médico, que tem o poder de influenciar a escolha materna por meio do aconselhamento durante o período pré-natal. (GOMES, et. Al., 1999).
Diante do que foi dito, chega-se a induvidosa conclusão que a vontade materna deve imperar, garantindo assim a possibilidade da gestante em optar pelo parto cesariano, a partir da 38ª (trigésima oitava) semana de gestação, bem como em prazos inferiores nos casos onde há risco de vida da gestante e do feto, na forma disposta na presente proposição.
Assim, diante da relevância da matéria, contamos com o apoio dos nobres parlamentares na discussão e aprovação da proposição.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pelos deputados Paulo Lamac e Doutor Wilson Batista. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 316/2015, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.