PL PROJETO DE LEI 2856/2024
Projeto de Lei nº 2.856/2024
Institui a Política Estadual de Manejo Integrado do Fogo no Estado de Minas Gerais e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituída a Política Estadual de Manejo Integrado do Fogo, com o objetivo de disciplinar e promover a articulação intermunicipal relativa:
I – ao manejo integrado do fogo;
II – à redução da incidência e dos danos dos incêndios florestais no território estadual;
III – à restauração do papel ecológico e cultural do fogo.
Parágrafo único – A Política Estadual de Manejo Integrado do Fogo será implementada pelo Estado de Minas Gerais, pelos Municípios, pela sociedade civil e pelas entidades privadas em regime de cooperação e em articulação entre si.
Art. 2º – Para fins do disposto nesta lei, considera-se:
I – Incêndio florestal: qualquer fogo não controlado e não planejado que incida sobre a vegetação, nativa ou plantada, em áreas rurais e que, independentemente da fonte de ignição, exija resposta;
II – Queima controlada: uso planejado, monitorado e controlado do fogo, realizado para fins agrossilvipastoris em áreas determinadas e sob condições específicas;
III – Queima prescrita: uso planejado, monitorado e controlado do fogo, realizado para fins de conservação, pesquisa ou manejo em áreas determinadas e sob condições específicas, com objetivos pré-definidos em plano de manejo integrado do fogo;
IV – Uso tradicional e adaptativo do fogo: prática ancestral adaptada às condições territoriais, ambientais e climáticas atuais, empregadas por povos indígenas e comunidades tradicionais em suas atividades de reprodução física e cultural, relacionada com a agricultura, caça, extrativismo, cultura e cosmovisão, próprias de sua gestão territorial e ambiental;
V – Uso do fogo de forma solidária: ação realizada em conjunto por um ou mais agricultores familiares, por meio de mutirão ou de outra modalidade de interação, que abranja, simultaneamente, duas ou mais pequenas propriedades ou posses rurais familiares contíguas;
VI – Regime do fogo: frequência, época, tamanho da área queimada, intensidade, severidade e tipo de queima em determinada área ou ecossistema;
VII – Ecossistema associado ao fogo: aquele em que o fogo, natural ou provocado, cumpra papel ecológico em suas funções e processos;
VIII – Prevenção de incêndios florestais: medidas contínuas realizadas no manejo integrado do fogo com o objetivo de reduzir a ocorrência e a propagação de incêndios florestais e seus impactos negativos;
IX – Combate aos incêndios florestais: conjunto de atividades relacionadas ao controle e extinção de incêndios desde sua detecção até sua extinção completa;
X – Plano operativo de prevenção e combate aos incêndios florestais: documento de ordem prático-operacional, para gestão de recursos humanos, materiais e de apoio, visando à tomada de decisões no desenvolvimento de ações de prevenção e combate aos incêndios florestais, com o propósito de definir estratégias e medidas eficientes aplicáveis, anualmente, que minimizem o risco de ocorrência de incêndios florestais e seus impactos em uma área definida;
XI – Manejo integrado do fogo: modelo de planejamento e gestão que associa aspectos ecológicos, culturais, socioeconômicos e técnicos na execução, integração, monitoramento, avaliação e adaptação de ações relacionadas ao uso de queimas prescritas e controladas, à prevenção e combate aos incêndios florestais, com vistas à redução de emissões de material particulado e gases de efeito estufa, à conservação da biodiversidade e à redução da severidade dos incêndios florestais, respeitando-se o uso tradicional e adaptativo do fogo.
Art. 3º – São princípios da Política Estadual de Manejo Integrado do Fogo:
I – a responsabilidade comum do Estado e dos Municípios, em articulação com a sociedade civil, na criação de políticas, programas e planos que promovam o manejo integrado do fogo;
II – a função social da propriedade e a presunção de responsabilidade do proprietário, com base no dever de defender, preservar e conservar o meio ambiente;
III – a promoção da sustentabilidade dos recursos naturais;
IV – a proteção da biodiversidade;
V – a promoção da abordagem integrada, intercultural e adaptativa do uso do fogo;
VI – a percepção do fogo como parte integrante de sistemas ecológicos, econômicos e socioculturais;
VII – a substituição do uso do fogo em ambientes sensíveis a esse tipo de ação, sempre que possível;
VIII – a substituição do uso do fogo como prática agrossilvipastoril por práticas sustentáveis, sempre que possível;
IX – a redução das ameaças à vida e à saúde humana;
X – o reconhecimento e o respeito à autonomia sociocultural, à valorização do protagonismo, à proteção e ao fortalecimento dos saberes, das práticas e dos conhecimentos de povos indígenas e comunidades tradicionais.
Art. 4º – São diretrizes da Política Estadual de Manejo Integrado do Fogo:
I – a integração e a coordenação de instituições públicas, privadas e da sociedade civil na promoção do manejo integrado do fogo;
II – a gestão participativa, regionalizada e compartilhada entre os entes federativos, a sociedade civil organizada, os povos indígenas, as comunidades tradicionais e a iniciativa privada;
III – a implementação de ações, métodos e técnicas de manejo integrado do fogo;
IV – a priorização de investimentos em estudos e pesquisas destinados ao manejo integrado do fogo, à recuperação de áreas atingidas por incêndios florestais e às técnicas sustentáveis de substituição do uso do fogo;
V – a avaliação de cenários de mudança climática e de potencial aumento do risco de ocorrência de incêndios florestais;
VI – a valorização das práticas de uso tradicional e adaptativo do fogo, promovendo o diálogo entre os conhecimentos tradicionais, científicos e técnicos.
Art. 5º – São objetivos da Política Estadual de Manejo Integrado do Fogo:
I – reduzir os impactos dos incêndios florestais e do uso indevido do fogo, por meio do manejo integrado do fogo;
II – promover o uso do fogo de forma controlada, prescrita ou tradicional, respeitando a diversidade ambiental e sociocultural;
III – reduzir a incidência e severidade dos incêndios florestais;
IV – promover a substituição gradativa do uso do fogo em práticas agrossilvipastoris, mediante assistência técnica e extensão rural;
V – aumentar a capacidade de resposta aos incêndios florestais, melhorando o planejamento e a eficácia no combate ao fogo;
VI – promover a educação ambiental com foco nas causas e consequências dos incêndios florestais;
VII – promover a conservação e recuperação da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas atingidas pelo fogo;
VIII – responsabilizar o uso indevido do fogo, conforme a legislação vigente;
IX – promover a queima prescrita como ferramenta de controle de espécies exóticas ou invasoras;
X – reconhecer e fomentar o uso tradicional do fogo por povos indígenas e comunidades tradicionais, respeitando as especificidades de cada grupo.
Art. 6º – Fica criado o Comitê Estadual de Manejo Integrado do Fogo, com caráter consultivo e deliberativo, sendo sua composição definida por representantes das seguintes instituições:
I – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Semad;
II – Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Seapa;
III – Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais;
IV – Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais;
V – Instituições acadêmicas e de pesquisa;
VI – Organizações da sociedade civil.
Art. 7º – São atribuições do Comitê Estadual de Manejo Integrado do Fogo:
I – propor diretrizes para a implementação do manejo integrado do fogo;
II – monitorar a execução das políticas de prevenção e combate aos incêndios florestais;
III – propor ações de coordenação e colaboração entre instituições de resposta ao fogo;
IV – propor diretrizes para capacitação de recursos humanos para prevenção e combate aos incêndios florestais;
V – elaborar o plano de manejo integrado do fogo e o plano operativo de prevenção e combate aos incêndios florestais.
Art. 8º – Esta lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após sua publicação.
Sala das Reuniões, 17 de setembro de 2024.
Lucas Lasmar (Rede), vice-líder do Bloco Democracia e Luta.
Justificação: Os dados mais recentes sobre incêndios florestais confirmam o que há muito tempo temíamos: as queimadas estão cada vez mais generalizadas, queimando hoje pelo menos o dobro da cobertura arbórea do que há duas décadas.
Usando dados de pesquisadores da Universidade de Maryland, atualizados para cobrir os anos de 2001 a 2023, calculamos que a área de perda de florestas por fogo aumentou em cerca de 5,4% ao ano durante esse período. As queimadas agora resultam em quase 6 milhões de hectares a mais de perda de cobertura arbórea por ano do que em 2001, uma área aproximadamente do tamanho da Croácia.
Os incêndios também estão compondo uma parcela maior da perda de cobertura arbórea global em comparação com outras causas, como mineração e silvicultura. Embora os incêndios tenham sido responsáveis por apenas cerca de 20% de toda a perda de cobertura arbórea em 2001, eles agora representam cerca de 33%.
Esse aumento na atividade de incêndio tem sido extremamente visível nos últimos anos. Queimadas recordes estão se tornando a norma, sendo que os anos de 2020, 2021 e 2023 foram o quarto, terceiro e primeiro piores anos para incêndios florestais globais, respectivamente.
Cerca de 12 milhões de hectares, uma área aproximadamente do tamanho da Nicarágua, queimaram em 2023, superando o recorde anterior em cerca de 24%. Incêndios florestais extremos no Canadá representaram cerca de dois terços (65%) da perda de cobertura arbórea causada por incêndio no ano passado e mais de um quarto (27%) de toda a perda de cobertura arbórea globalmente.
As mudanças climáticas são um dos principais impulsionadores do aumento da atividade dos incêndios. Ondas de calor extremo já são cinco vezes mais prováveis hoje do que há 150 anos e espera-se que se tornem ainda mais frequentes à medida que o planeta continua a aquecer. Temperaturas mais altas secam a paisagem e ajudam a criar o ambiente perfeito para queimadas maiores e mais frequentes.
Quando as florestas queimam, elas liberam carbono que é armazenado nos troncos, galhos e folhas de árvores, bem como o carbono armazenado no solo subterrâneo. À medida que as queimadas se tornam maiores e mais frequentes, elas emitem mais carbono, exacerbando ainda mais as mudanças climáticas e contribuindo para mais incêndios como parte de um “ciclo de feedback incêndio-clima”.
Este ciclo de feedback, combinado com a expansão das atividades humanas nas áreas florestais, está impulsionando grande parte do aumento da atividade de incêndios que vemos hoje. À medida que as queimadas causadas pelo clima queimam áreas maiores, elas afetarão mais pessoas e terão impacto na economia global.
A crescente severidade dos incêndios florestais, agravada pelas mudanças climáticas e pela degradação ambiental, reforça a necessidade de uma política estadual estruturada para manejo integrado do fogo em Minas Gerais.
A implementação dessa política visa coordenar os esforços do Estado, dos municípios e da sociedade civil, promovendo o uso sustentável e seguro do fogo.
Solicita-se a aprovação desta proposição, em razão da relevância que o tema assume no contexto ambiental e social do Estado.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Agropecuária e de Meio Ambiente para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.