PL PROJETO DE LEI 2219/2024
Projeto de Lei nº 2.219/2024
Dispõe sobre a criação do Programa Infância sem Racismo no Estado de Minas Gerais.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica criado no âmbito do Estado de Minas Gerais o Programa Infância sem Racismo, visando garantir seu desenvolvimento integral, de acordo com a Lei federal nº 13.257/2017, que dispõe sobre a política para a primeira infância.
Art. 2º – O Programa Infância sem Racismo tem por finalidade:
I – orientar as famílias, bem como os Órgãos da Administração Direta e Indireta sobre as maneiras de contribuir para uma infância sem racismo;
II – promover a equidade na educação a partir da implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena nas escolas, bem como a implementação das Diretrizes para a Educação Escolar Quilombola e dos Povos Indígenas no Estado;
III – educar para o respeito às diferenças, considerando a pluralidade étnica e social no nosso território, e a condição das infâncias, em especial das crianças periféricas, indígenas, quilombolas, migrantes, de comunidades e povos tradicionais e de matrizes africana;
IV – ampliar o acesso da literatura infanto-juvenil com a temática afro-indígena em ambientes escolares e outros espaços de socialização das infâncias;
V – estimular campanhas sobre enfrentamento às violências sofridas por crianças negras, indígenas, quilombolas, migrantes, de comunidades e povos tradicionais e de matrizes africanas, em especial, o combate as práticas de racismo recreativo nas escolas;
VI – valorizar a estética, cultura e arte africana, afro-brasileira, indígena e quilombola nos meios de comunicação;
VII – fomentar ações intersetoriais junto aos demais órgãos do poder público, municípios, Conselho da Criança e do Adolescente para uma infância sem racismo;
VIII – proporcionar aos gestores e demais servidores públicos formação inicial e continuada para a conscientização e criação de uma cultura antirracista;
IX – implementar programas no âmbito da assistência social e dos serviços da saúde para eliminação de práticas racistas no atendimento de crianças e adolescentes;
X – criar estratégias, que garantam assistência adequada e um ambiente facilitador a vida e ao desenvolvimento pleno, com atenção humanizada a gestação de mulheres negras, indígenas e quilombolas, ao parto, ao nascimento e ao recém-nascido, o aleitamento materno e alimentação complementar saudável, a atenção às crianças com agravos prevalentes e doenças crônicas, a prevenção a violência e acidentes, atenção às crianças com deficiência e vulnerabilidades e prevenção e vigilância ao óbito infantil e das parturientes;
XI – realizar campanhas de combate a invisibilidade de pessoas negras com deficiência;
XII – esclarecer sobre as formas de discriminação e preconceito, bem como informações referentes à Lei nº 14.532/2023, que equipara injúria racial ao crime de racismo;
XIII – estruturar redes de canais de denúncia junto a Defensoria Pública do Estado;
XIV – criar órgãos de monitoramento para a efetivação da política e produção de indicadores;
XV – assegurar a opinião e a participação das crianças e adolescentes das periféricas, indígenas, quilombolas, migrantes, de comunidades e povos tradicionais e de matrizes africana, na formulação de políticas públicas voltadas a esse segmento.
Art. 3º – Para fins do art. 2º, inciso V, desta lei, considera-se racismo recreativo as práticas de humor, brincadeiras ou qualquer tipo de mensagem que possua o intuito de diminuir indivíduos em função da sua raça, traços físicos, cor de pele, cabelo e quaisquer características que sejam marcadores da negritude.
Art. 4º – O Programa Infância sem Racismo será desenvolvido pelo Poder Público Estadual.
Art. 5º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 10 de abril de 2024.
Macaé Evaristo, líder da Bancada Feminina, vice-presidenta da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar e vice-presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia (PT) – Leninha, 1ª-vice-presidente (PT) – Ana Paula Siqueira, responsável da Frente Parlamentar pela Primeira Infância (Rede) – Andréia de Jesus, presidenta da Comissão de Direitos Humanos (PT).
Justificação: O Programa Infância sem racismo tem por objetivo garantir a efetivação de direitos de crianças e adolescentes e superar a generalização das políticas públicas voltadas à primeira infância, que desconsideram o viés racial como produtor de desigualdades. Em Minas Gerais, a população negra, ou seja, autodeclarados pretos e pardos representam 61,0%, conforme dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2020). Mesmo sendo a população majoritária há poucas políticas direcionadas ao enfrentamento das desigualdades sócio raciais. Em se tratando de invisibilidade de crianças indígenas, quilombolas, ciganas, pertencentes a povos e comunidades tradicionais e de matrizes africanas permanecem à margem dessas políticas. Os impactos referente ao racismo, ainda na primeira infância são perversos para o pleno desenvolvimento das crianças, em especial, do nascimento aos 6 anos de idade. Em creches e pré-escolas o racismo pode se manifestar tanto nos processos de socialização com outras crianças, quanto nas relações afetivas entre as crianças e os professores/as, seja na diferenciação dos cuidados, em que se percebe quais crianças recebem mais ou menos contato físico carinhoso, elogios, atenção. Ao longo da educação básica é perceptível a propagação de estereótipos, em que crianças negras, em especial, meninos negros são lidos como “bagunceiros”, “travessos”, “indisciplinados”. O racismo recreativo que refere-se a prática do humor derrogatório, com intuito de estereotipar grupos a partir do humor é muito comum no processo de socialização de crianças e jovens no ambiente escolar, e a escola tem o papel fundamental para a superação dessas práticas, que acarretam desvantagens estruturais no sistema de ensino, pois são os meninos negros que mais “abandonam” ou “evadem” da escola. É na escola que muitas crianças negras lidaram com situações de racismo, por isso a importância da promulgação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 que modificou a LDB, trazendo a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena. Outro ponto relevante e que merece atenção das políticas públicas é o fortalecimento de estratégias que garantam assistência adequada às gestantes e às crianças, nos primeiros anos de vida. Várias são as pesquisas e artigos científicos que sinalizam para as mulheres negras como sendo as que mais sofrem violências obstétricas. Mas, o que fazemos com isso? Eis a questão. Parece-nos que não dá mais para não se fazer nada. Por isso, optamos por denunciar machismos e racismo travestidos em cuidados em saúde da mulher, além de violações de direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres negras e suas crianças, antes, durante o nascimento ou na fase puérpera. Por fim, a promoção da equidade racial nos serviços básicos, a exemplo: a educação, saúde, assistência social, acesso ao lazer, cultura e práticas esportivas, são fundamentais para que as infâncias em sua multiplicidade não permaneçam ausentes na construção de políticas mais inclusivas.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, do Trabalho, de Direitos Humanos e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.