PL PROJETO DE LEI 2178/2024
Projeto de Lei nº 2.178/2024
Dispõe sobre o reconhecimento dos direitos do Rio Mosquito, afluente do Rio Gorutuba, no Estado de Minas Gerais e seu enquadramento como ente especialmente protegido e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Ficam reconhecidos os direitos intrínsecos do Rio Mosquito e sujeito de direitos, e de todos os outros corpos d’água e seres vivos que nele existam naturalmente ou com quem ele se inter-relaciona, incluindo os seres humanos, na medida em que são inter-relacionados num sistema interconectado, integrado e interdependente no âmbito do Estado de Minas Gerais.
Art. 2º – Dentre os direitos do Rio Mosquito e outros entes relacionados exemplificadamente no art. 1º, ficam reconhecidos os direitos de:
I – manter seu fluxo natural e em quantidade suficiente para garantir a saúde do ecossistema;
II – nutrir e ser nutrido pela mata ciliar e as Florestas do entorno e pela biodiversidade endêmica;
III – existir com suas condições físico-químicas adequadas ao seu equilíbrio ecológico;
IV – inter-relacionar-se com os seres humanos por meio da identificação biocultural, de suas práticas espirituais, tradicionais, de lazer, da pesca artesanal, agroecológica, cultural e do Turismo de Base Comunitária.
Art. 3º – O Rio Mosquito e os seres inter-relacionados devem ser protegidos e manifestarem seus requerimentos e vozes por guardiões legais, que servirão como sua representação pública, atuando como conselheiros do Poder Público e da comunidade no exercício destes direitos.
Art. 4º – O Poder executivo regulamentará esta lei para criar o Comitê Guardião de tutela dos interesses do Rio Mosquito, que atuará como guardião dos direitos estabelecidos nesta lei, participando de todos os processos decisórios públicos ou privados que eventualmente versar sobre o Rio Mosquito.
§ 1º – O Comitê Guardião deverá ser eleito a partir de indicação comprovada dos representantes de agricultores(as) familiares e povos e comunidades tradicionais que vivem à beira do Rio Mosquito.
§ 2º – O Comitê Guardião deverá, ao menos a cada 12 (doze) meses, preparar com a contribuição do Poder Público, um relatório escrito conciso para informar a comunidade sobre a saúde e estado do Rio e planejamento das ações estratégicas de efetivação dos direitos reconhecidos nesta lei, sendo o relatório do ano primeiro considerado o “Marco Zero”, servindo como referência comparativa para as questões a serem analisadas nos relatórios subsequentes.
§ 3º – O relatório deverá ser publicado e discutido com a participação dos membros do Poder Executivo e Legislativo, que realizará ao menos 2 (duas) audiências públicas, extraindo-se as recomendações.
§ 4º – O Comitê Guardião, em seu relatório anual terá a faculdade de apresentar proposta ao Poder Executivo para a implementação de ações de preservação e ou melhoria da vida do Rio Mosquito bem como a execução de obras físicas impeditivas de sua degradação.
Art. 5º – O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 21 de março de 2024.
Leninha, 1ª-vice-presidente (PT).
Justificação: O Rio Mosquito nasce no município de Serranópolis de Minas, no Norte de Minas Gerais, região de semiárido, dentro do Parque Estadual Serra Nova e Talhado, sobre a Serra do Espinhaço e corta outros municípios como Porteirinha e Nova Porteirinha. Em Porteirinha, o Rio Mosquito é a sua principal fonte de água.
Por se tratar de uma região com forte presença da agricultura familiar, o Rio Mosquito tem um importante papel na garantia da sociobiodiversidade, seja para geração de renda, promoção da segurança alimentar e nutricional, turismo de base comunitária, além da conservação do meio ambiente.
É um rio que apresenta profundidades variáveis, sendo o trajeto mais raso o trecho por que passa pela área urbana de Porteirinha. Nos últimos anos, com o avançar das mudanças climáticas, o rio tem passado de períodos de grandes enchentes a ponto de desabrigar famílias a períodos de quase seca em determinado curso de seu leito, inviabilizando nestes períodos até mesmo atividades de subsistência da agricultura familiar.
As águas do rio são escuras, pouca quantidade de areia em seu leito, largura também variável de aproximadamente 10 metros. O rio, no seu curso, tem sua foz no Rio Gorutuba, sendo o principal afluente deste. Na confluência dos rios forma uma área razoável de inundação, sendo esta suavizada, em partes, pela construção de diques ao longo da margem direito do Rio Gorutuba e ao longo da margem esquerda do Rio Mosquito.
Ao longo dos anos, avolumou-se o processo de degradação do Rio Mosquito, inclusive de desmatamento de suas áreas de recarga hídrica e das matas ciliares.
Diante do processo cumulativo de degradação que vive o Rio Mosquito e suas bacias hidrográficas, a revitalização só se dará se as populações ribeirinhas de forma organizada e mobilizada forem efetivamente protagonistas para a mudança desta realidade e por normas legais que garantam a sua existência.
No Brasil, já existem experiências de leis que reconhecem os rios como sujeitos de direitos. A Câmara Municipal de Guajará-Mirim (RO) definiu o Laje na primeira lei no Brasil que reconhece os direitos legais de um rio. A proposta foi de autoria do vereador Francisco Oro Waram (PSB), liderança da aldeia Waram, que fica na região do Rio Lage. Trata-se de um rio amazônico chamado pelos indígenas de Komi-Memen e que desemboca no Madeira, que por sua vez alimenta o Amazonas.
Já na Amazônia peruana, o Tribunal de Nauta, em Loreto, estabeleceu um marco significativo na proteção dos rios do país ao reconhecer o Rio Marañón como pessoa jurídica com direitos inerentes, tornando-o sujeito de direitos. Uma decisão que é fruto da luta liderada pela Federação Huaynakana Kamatahuara Kana, grupo de mulheres indígenas Kukama do Distrito de Parinari, província e região de Loreto.
Desde 2021, lideranças indígenas travam uma batalha jurídica contra o Estado e as autoridades peruanas, exigindo a proteção do rio Marañón diante dos constantes vazamentos de óleo do Oleoduto Norperuano, operado pela empresa Petroperú. E as comunidades desta área ainda enfrentam as consequências do derrame de petróleo ocorrido em San José de Saramuro em 2010, quando foram derramados entre 300 a 400 barris de petróleo bruto.
Reconhecer a natureza como detentora de direitos indo além da exploração, é uma tarefa urgente e de toda sociedade, já que a interdependência entre os seres, inclusive os seres humanos, é uma realidade concreta.
Os rios, integrantes da natureza, sofrem constantemente a interferência do homem provocando poluição, desperdício de água e destruição.
Segundo o professor, doutor em direito ambiental e brigadista florestal Humberto Gomes Macedo uma mudança precisa ser realizada: “Vale pontuar que os recentes acidentes, chuva, incêndios, efeitos das mudanças climáticas, já nos mostram que é urgente que os rios e outros seres da natureza sejam sujeitos de direito, afinal o direito não pode contemplar apenas o ser humano, que deve ser o meio e não o fim”.
A defesa dos direitos da natureza e, em particular, o reconhecimento dos direitos do Rio Mosquito, promoverá a criação de um novo paradigma jurídico e social baseado na vida em harmonia com a natureza e no respeito aos direitos da natureza e aos direitos humanos, em particular com referência às necessidades urgentes das comunidades tradicionais e locais, e dos ecossistemas que eles protegem por muito tempo.
Os vanguardistas nessa defesa são Equador, Peru e Bolívia que criaram leis para conceder direitos ao meio ambiente, necessárias para se pensar uma outra lógica de mundo mais justa e possível para as futuras gerações. No caso do Equador, os direitos na natureza estão presentes na constituição nacional daquele país.
Na Austrália, essa mudança está ocorrendo em relação ao Rio Yarra. O Yarra foi reconhecido como uma entidade viva e integrada, pois seus proprietários tradicionais, o povo Wurundjeri, sempre o conheceram como tal, conforme uma lei estadual de 2017.
Importante dizer que, o rio tem o direito de manter seu fluxo natural, nutrir e ser nutrido, existir com suas condições físico-químicas adequadas ao seu equilíbrio ecológico e se relacionar com seres humanos enquanto sujeito de direitos.
Portanto, assim como essas experiências brasileiras e de outros países nos mostram, queremos também reafirmar a importância do Rio Mosquito para a vida na região.
Em defesa desse direito fundamental que comunga com os preceitos contidos na nossa Constituição Federal e Constituição Estadual é que apresentamos o presente projeto de lei, para o qual pedimos o apoio dos/as nobres pares.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Meio Ambiente para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.