PL PROJETO DE LEI 1850/2023
Projeto de Lei nº 1.850/2023
Institui diretrizes para a prevenção de violências autoprovocadas ou autoinfligidas, institui o serviço de acolhimento emergencial em saúde mental, visando atender às demandas psicossociais da comunidade policial, no Estado de Minas Gerais.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Ficam instituídas diretrizes para prevenção de violências autoprovocadas ou autoinfligidas, com a finalidade de atender e capacitar policiais civis e militares para o auxílio e o enfrentamento da manifestação do sofrimento psíquico e do suicídio.
Art. 2º – A prevenção da violência autoprovocada observará os seguintes princípios:
I – a dignidade humana;
II – proximidade;
III – ações de sensibilização dos agentes;
IV – informação;
V – sustentabilidade;
VI – evidência científica.
Art. 3º – A prevenção das violências autoprovocadas, nas instituições policiais do Estado de Minas Gerais, observará as seguintes diretrizes:
I – a perspectiva multiprofissional na abordagem;
II – atendimento e escuta multidisciplinar;
III – a discrição no tratamento dos casos de urgência;
IV – a integração das ações;
V – a institucionalização dos programas;
VI – o monitoramento da saúde mental dos profissionais de segurança das polícias Civil e Militar, através da área de Gestão de Pessoas;
Parágrafo único – Para os efeitos desta Lei, as avaliações psicológicas não terão caráter compulsório.
Art. 4º – Consideram-se violências autoprovocadas:
I – o suicídio: a violência fatal autoinfligida, deliberadamente empreendida e executada com pleno conhecimento;
II – a tentativa de suicídio;
III – as autolesões, com ou sem a intenção de se matar;
IV – a ideação suicida: o pensamento recorrente de se matar.
Art. 5º – A prevenção das violências autoprovocadas é destinada a alterar a conduta, as atitudes e a percepção dos membros das instituições policiais quanto ao comportamento suicida e será desdobrada em programas de prevenção primária, secundária e terciária.
§ 1º – A prevenção institucional das violências autoprovocadas deverá compor seis dimensões integradas:
I – melhoria da infraestrutura das unidades policiais;
II – incentivo à gestão administrativa humanizada;
III – formação e treinamento baseados nos preceitos da prevenção;
IV – atenção ao policial que tenha se envolvido em ocorrência de risco e experiências traumáticas;
V – incentivo à promoção da imagem social da instituição policial;
VI – coleta, validação, notificação e sistematização de dados de morte por suicídio, homicídios seguidos de suicídio e tentativas de suicídio;
VII – assistência à saúde mental.
§ 2º – A prevenção primária destina-se a todo o efetivo policial e será constituída por ações de promoção da saúde física e psíquica do policial, através das seguintes medidas de proteção:
I – estímulo ao convívio social, proporcionando a aproximação da família ou da rede socioafetiva de eleição do profissional de segurança de seu local de trabalho;
II – promoção da qualidade de vida do policial, estimulando a prática da atividade física regular;
III – estímulo à religiosidade, como possibilidade de espaço de acolhimento, respeitando as convicções de crença e individuais dos agentes;
IV – elaboração e/ou divulgação de programas de conscientização, informação e sensibilização sobre o tema do suicídio;
V – realização de ciclos de palestras e campanhas que sensibilizem e relacionem qualidade de vida e ambiente de trabalho;
VI – abordagem da temática da saúde mental em todos os níveis de formação e qualificação profissional;
VII – promoção de encontros temáticos relacionados à qualidade de vida no trabalho policial, e à saúde mental;
VIII – criação de um espaço destinado a ouvir o policial, onde ele se sinta seguro para conversar sobre seus problemas.
§ 3º – A prevenção secundária visa atingir os grupos de policiais que já se encontram em situação de risco de práticas de violência autoinfligidas, através das seguintes medidas de proteção:
I – criação de programa de atenção para o uso e abuso de álcool e outras substâncias entorpecentes;
II – acompanhamento psicológico regular para policiais que estejam presos ou que estejam respondendo a processos;
III – organização de uma rede de cuidado como fluxo assistencial que permita o diagnóstico precoce dos policiais em situação de risco, envolvendo todo o corpo policial, para sinalizar a mudança de comportamento ou a preocupação com o colega de trabalho;
IV – educação financeira, com vistas a prevenir o sofrimento psíquico provocado pelo superendividamento.
§ 4º – A prevenção terciária tem o objetivo de atender aos policiais que tenham comunicado ideação suicida ou tentado suicídio, através das seguintes medidas de proteção:
I – a chefia imediata do policial deverá buscar aproximação com a família ou pessoas do círculo sócio-afetivo de eleição do servidor, envolvendo-as no acompanhamento do caso e no processo de tratamento;
II – a chefia imediata do policial deverá coibir práticas que promovam alguma forma de isolamento, desqualificação ou discriminação contra os policiais que tenham enfrentado o problema;
III – restrição do uso e porte de arma de fogo.
Art. 6º – Para a operacionalização das diretrizes instituídas por esta lei, a secretaria de estado de Defesa Social do Estado de Minas Gerais poderá criar o Serviço de Acolhimento Emergencial em Saúde Mental, destinado à construção de protocolos e estratégias de implementação à prevenção do suicídio.
Parágrafo único – O serviço de que trata esta lei destina-se não apenas aos policiais que tenham apresentado sinais de práticas de violência autoinfligida, mas para toda a comunidade policial que pode conviver, em algum momento, com pessoas que apresentem algum nível de adoecimento psíquico e emocional.
Art. 7º – Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação.
Sala das Reuniões, 6 de dezembro de 2023.
Lucas Lasmar, vice-líder do Bloco Democracia e Luta (Rede).
Justificação: Os dados referentes às mortes de policiais civis e militares em 2022 disponibilizados pelas secretarias estaduais de segurança pública nos mostram um cenário já observado nos anos anteriores: policiais morrendo mais em confronto ou por lesão não natural na folga, depois por suicídio e, por último, em confronto em serviço.
Em 2022, morreram 173 policiais assassinados e 82 por suicídio. Daqueles que foram mortos, sete em cada 10 morreram na folga. Foram 40 policiais a mais assassinados em comparação com 2021.
É essencial abordarmos as questões relacionadas ao suicídio entre os policiais. Tema sempre permeado por incertezas e que traz à tona pontos cruciais para o desenvolvimento do trabalho policial relacionados diretamente à qualidade de vida dentro e fora das polícias. Se na sociedade em geral falar sobre suicídio e saúde mental é tarefa já bem difícil, dentro das corporações é ainda mais.
Segundo a OMS, a taxa global de suicídios vem diminuindo. Entre 2000 e 2019 a taxa mundial diminuiu 36%, enquanto nas Américas cresceu 17%, sendo a quarta causa de morte mais recorrente entre jovens de 15 e 29 anos.
Os dados levantados para o 17º Anuário trazem um cenário de pouca clareza sobre a morte de policiais por suicídio. Em 2022, foram registrados 69 casos em policiais militares da ativa. Entre os policiais civis, 13 cometeram suicídio. Esses números destacam a importância de abordar questões de saúde mental entre os profissionais da segurança pública. A exemplo do que observamos em anos anteriores, é a ausência dos dados o que nos chama mais atenção.
Dentre todos os dados coletados para o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os de vitimização seguem sendo os mais precários, junto com violência contra a população Lgbtqia+ e pessoas desaparecidas. Ou os estados não possuem a informação ou o registro é de fenômenos inexistentes.
Seja qual for o motivo de as secretarias estaduais ou de as polícias não compartilharem as informações ou não terem a prática de sistematizá-las, não falar dos números e, portanto, não dar visibilidade a eles, não protege os policiais. Pelo contrário, passa a ideia de que o problema não existe, agravando ainda mais a situação daqueles que precisam de ajuda e não sabem o que fazer. O silêncio contribui para que essas pessoas se sintam ainda mais sozinhas e inadequadas.
Suicídios e doença mental.
A falta de clareza sobre os dados de mortes de policiais em decorrência de lesão autoprovocada ou autoextermínio/suicídio afeta não apenas a categoria dos policiais, mas os rumos da Segurança Pública. Talvez em razão da insuficiência de informações qualificadas, o assunto tem sido pouco discutido. Sob tal perspectiva, a urgência de atenção à garantia da Segurança Pública como Direito Social, assim como previsto na Carta Magna, tem sido relegada ao campo da invisibilidade quando, na medida que tem condições de fazê-lo, o Estado deixa de tratar com zelo os recursos humanos investidos de poder para realizar a implementação das políticas voltadas à Segurança Pública, condição precípua para a garantia de direitos.
A marginalização desse campo encontra-se refletida na ausência de dados que nos permitam mensurar a magnitude dos problemas. Sem informação precisa e tratada, suicídios de policiais aparecem, de tempos em tempos, como chamada dos jornais, mas não têm sido o suficiente para a adequação das respostas institucionais, a fim de que outras mortes sejam evitadas.
Certo é que, se o problema não aparece em números, ele não existe. E se o problema não existe, desnecessária qualquer intervenção. Em que pese as instituições tenham ciência que seus quadros têm apresentado comprometimento da saúde mental, a forma como se responde ao problema tende a atribuir aos profissionais, enquanto indivíduos, a responsabilidade pelo adoecimento, limitando-se à difusão de informações sobre o assunto e a cobrança do policial quanto ao autocuidado.
Deste modo, desresponsabilizando as instituições pelo fracasso na condução do problema ao acolher políticas reprodutoras da máxima de que deve prevalecer o interesse institucional em detrimento das mínimas condições de saúde física e mental do trabalhador responsável pelo cumprimento das atividades programadas pela instituição.
Assédio moral e “policial herói”, algumas causas.
Embora os dados coletados não nos permitam dizer o que levou os policiais a cometerem suicídio, é possível levantarmos alguns pontos importantes para a compreensão do contexto no qual estão inseridos os profissionais da segurança pública. Dentre os condicionantes laborais para o aprofundamento dos problemas relacionados à saúde mental dos policiais, encontram-se: a) o assédio moral; b) a admissão do papel de “policial herói”; c) o desgaste físico e mental em razão do contato continuado com situações de perigo; d) a cobrança institucional pelo cumprimento de metas; e) o endividamento; e f) a insegurança jurídica.
A garantia da Segurança Pública como Direito Social se opõe à invisibilidade dos componentes que condicionam sua viabilidade. Assim, o cuidado com a categoria dos policiais para que suas ações reflitam a segurança pública esperada, envolve o olhar atento e permanente desde o ingresso, com a formação inicial, até o pós-aposentadoria do servidor.
Se, por outro lado, a segurança pública como política e direito social for relegada ao esquecimento, a população contará, em regra, com policiais reativos a tudo que contrarie a política institucional adotada. Por isso, faz-se tão importante que a segurança pública não seja compreendida como interesse apenas das categorias a ela associadas. Constitui fundamental que seja uma agenda permanente na política e preocupação coletiva, uma vez que seu formato influencia as demais políticas (saúde, educação, assistência, cultura etc.), e é de interesse de toda a sociedade, independentemente de raça, classe ou gênero.
Vitimização, dados ruins.
Para finalizar, é importante dizer que, no geral, os dados de vitimização policial disponíveis são muito ruins e não dão visibilidade para aquilo que precisamos compreender, se queremos prevenir a morte de policiais. Parece-nos que as instituições não dão a mesma relevância ou importância à coleta de dados de mortes de policiais como dão a outros tipos de crimes ou acontecimentos de outras mortes violentas, por exemplo.
Nesse sentido, é preciso dizer que são muitos os esforços para termos um maior entendimento sobre o que acontece quando nos referimos à vitimização policial, sobretudo os suicídios de policiais, e não se resumem apenas ao levantamento e sistematização das informações oficiais por parte do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Há também o levantamento do Ippes, que tem à frente a Profa. Dayse Miranda, e que anualmente publica o “Boletim de Notificações de mortes violentas intencionais e tentativas de suicídios entre profissionais de segurança pública no Brasil”, através de uma coleta das informações em ocorrências registradas pelas instituições de segurança pública, compartilhadas em grupos de WhatsApp de agentes de segurança pública e notícias publicadas em jornais ou websites e notas de pesar divulgadas em sites de grande circulação e das instituições de segurança pública.
É importante frisar e incentivar que as organizações policiais tenham uma noção mais ampla do contexto da vitimização de policiais e que não se restrinja o olhar apenas aos policiais que morrem, mas aos que adoecem também. A vitimização tem uma camada muito profunda de acometimentos que não necessariamente matam aquele policial, mas que são sinais importantes que precisam ser monitorados se a gente quer trabalhar na prevenção de mortes. São doenças e comorbidades que podem, sim, ser decorrentes do trabalho policial e que precisam de extrema atenção por parte dos gestores dessas organizações se queremos prevenir que mais mortes aconteçam.
É muito importante que haja um esforço institucional para oferecer, aos nossos profissionais da segurança pública, as políticas e cuidados necessários à sua saúde mental. Recursos devem ser investidos para que as causas que estão levando à perda de tantas vidas entre os nossos policiais sejam levantadas e enfrentadas.
Além disso, dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que mostraram: (…) que 61,9% dos profissionais da segurança pública já tiveram algum colega próximo à vítima de homicídio em serviço; que 50,4% já passaram por dificuldade de garantir o sustento da própria família e que 63,5% já relataram terem sido vítimas de assédio moral ou humilhação no ambiente de trabalho.
Esses dados nos indicam certos aspectos que podem estar na raiz do autoextermínio e também servem de alerta para o nosso dever em proporcionar as melhores condições possíveis para que cada corporação possa realizar um trabalho preventivo desde o ingresso dos seus profissionais.
Dito isso, solicito aprovação dos demais parlamentares desta importante proposição, com vistas a minimizar o perceptível e alarmante cenário de adoecimento mental dos trabalhadores policiais.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pelo deputado Doutor Jean Freire. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 5.304/2018, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.