PL PROJETO DE LEI 1774/2023
Projeto de Lei nº 1.774/2023
Altera a Lei nº 14.941, de 29 de dezembro de 2003, que dispõe sobre o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCD –, a fim de estabelecer isenção na forma que especifica.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Ficam acrescentados ao art. 3° da Lei nº 14.941, de 29 de dezembro de 2003, os seguintes parágrafos “§4º” “§5º”:
“Art. 3º – (…)
§ 4º – Ficam também isentas todas as transmissões causa mortis e doações de quaisquer bens móveis ou imóveis cuja finalidade última seja sua utilização como forma de indenizar o empregado que tiver sido submetido a trabalho em condição análoga à de escravo, comprovada mediante:
I – condenação com trânsito em julgado de sentença no âmbito da Justiça Trabalhista;
II – acordo judicial ou extrajudicial homologado em juízo;
III – acordo firmado por Termo de Ajustamento de Conduta perante o Ministério Público do Trabalho;
IV – acordo firmado entre as partes após reconhecimento das condições mencionadas neste parágrafo mediante fiscalização pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais ou por grupo móvel composto pelo Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho;
V – mediante a inclusão do empregador no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão, nos termos da Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4 de 2016.
§ 5º – A isenção do parágrafo anterior abrange todas as etapas de transmissão do bem, sejam as anteriores ao recebimento pelo trabalhador – quantas houver –, seja ao final, em que o bem é efetivamente destinado ao trabalhador escravizado, conforme definição das alíneas “a” a “e”, supra.”.
Art. 2º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 24 de novembro de 2023.
Betão, presidente da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social (PT).
Justificação: O trabalho em condições análogas à de escravo ainda faz parte da realidade brasileira mesmo após 135 anos da abolição da escravidão legal pela Lei Áurea. Setores que historicamente marcaram a formação econômica e social nacionais, como o cafeeiro, o canavieiro e o serviço doméstico, continuam a reproduzir o padrão exploratório do Brasil colônia.
Dentre os entes federativos, Minas Gerais lidera desde 2013, a lista de trabalhadores resgatados em situações análogas à de escravo, conforme levantamento do Radar SIT, da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Minas Gerais também é o estado com o maior número de operações realizadas no combate ao trabalho escravo contemporâneo.
Vale pontuar também que o estado foi palco da Chacina de Unaí, execução ocorrida em 28 de janeiro de 2004, quando quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados durante fiscalização de rotina em fazendas da região.
Reconhecendo a importância do tema, este projeto de lei visa a, dentro das limitações jurídicas impostas pela Constituição Federal, garantir o acesso à justiça e demais medidas de reparação aos trabalhadores e trabalhadoras resgatadas da escravidão.
O objeto principal da proposição em tela é o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, ou ITCD, tributo estadual que incide sobre a transmissão de bens, móveis e imóveis, por herança (causa mortis) ou por doação em vida, sendo de responsabilidade do ente competente a estipulação das regras de cálculo e da alíquota.
As demandas da população são os catalisadores das proposições legislativas. O presente projeto é motivado pelos casos recentes de trabalho escravo, em especial no contexto doméstico de grandes centros urbanos, nos quais a doação de bens móveis ou imóveis – ou mesmo sua transferência como legado, causa mortis – foi a única forma encontrada de indenizar parcialmente (nunca em sua integralidade, por ausência de recursos capazes de compensar uma vida de submissão à escravidão) os trabalhadores resgatados.
Os marcadores sociais das pessoas resgatas escancaram a necessidade de políticas de reparação frente ao mais de 300 anos do regime escravocrata, pois mesmo após mais de um século da abolição, o corpo negro e pobre é o principal atingido, no contexto doméstico tem-se em especial o marcador de gênero, sendo as mulheres negras as principais impactadas.
Haja vista a especificidade destes casos, pode-se concluir que é praticamente inexistente a onerosidade aos cofres públicos pelo não recolhimento do ITCD ora proposto. De modo a exemplificar, a Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG realizou um levantamento dos processos que versam sobre o tema, constatando que desde 2017, foram 11 casos de resgate de trabalho escravo doméstico (modalidade em que a situação descrita tem maior ocorrência), de tal modo que somente 4 casos se enquadram na situação desta proposição.
Destaca-se que esta Casa Legislativa já reconheceu a importância da isenção do ITCD em situações atípicas, como é o caso da pandemia de Covid-19, que gerou o Projeto de Lei n° 1825/2020, transformado na Lei nº 23.637/2020, que suspendeu a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCD – em hipóteses pontuais relacionadas ao combate à emergência sanitária.
Sendo assim, contamos com o apoio dos parlamentares desta Casa com vistas a aprovar a presente proposição, de modo a minimizar e garantir o devido acesso aos meios de reparação aos trabalhadores e trabalhadoras que foram submetidos durante anos a situações de trabalho análogas à escravidão, dando mais um passo para modificar a triste realidade que assola o nosso Estado.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, do Trabalho e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.