PL PROJETO DE LEI 1367/2023
Projeto de Lei nº 1.367/2023
Cria o Monumento Natural da Serra dos Pires e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica criado o Monumento Natural Serra dos Pires, Unidade Conservação de preservação integral.
Parágrafo único – O Monumento Natural da Serra dos Pires localiza-se no município de Congonhas, de acordo com o memorial descritivo constante no Anexo 1 desta Lei.
Art. 2º – A implementação do Monumento Natural da Serra dos Pires objetiva:
I – proteger a Serra dos Pires e seu entorno.
II – resguardar a beleza cênica rara e os sítios naturais singulares presentes na área da UC;
III – resguardar o patrimônio espeleológico e arqueológico presente na área da UC;
IV – proteger integralmente os bens naturais e culturais, considerando seus valores patrimoniais presentes na área da UC.
Parágrafo único – O patrimônio natural e cultural compreendido na área da UC poderá ser utilizado exclusivamente para fins educacionais, científicos, recreativos e turísticos, em especial, aquele de base comunitária, de acordo com as disposições do Plano de Manejo.
Art. 3º – A visitação pública estará sujeita às condições e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da UC.
Art. 4º – Não será permitido dentro da área do Monumento Natural da Serra dos Pires:
I – a exploração mineral de qualquer natureza;
II – a construção de obras e empreendimentos que não sejam de uso exclusivo interesse para a preservação da UC;
III – a supressão vegetal, exceto se necessária para conservação e manutenção da UC ou para a prospecção de bens arqueológicos;
IV – a caça bem como qualquer atividade que venha afetar a fauna em seu meio natural;
V – o abandono de resíduos sólidos, de detritos, de dejetos ou quaisquer outros materiais que maculem a integridade paisagística, sanitária ou cênica do Monumento;
VI – a prática de qualquer ato que possa provocar fogo;
VII – a colocação de placas ou quaisquer outras formas de comunicação audiovisual ou publicitária que não tenha relação direta com a identificação do Monumento Natural.
Art. 5º – Compete ao órgão ou à entidade executora do Sistema de Unidades de Conservação – Seuc:
I – instituir o Conselho Consultivo do Monumento Natural da Serra dos Pires, de forma paritária e integrada por representantes da sociedade civil e do poder público;
II – elaborar e implementar o Plano de Manejo do Monumento Natural da Serra dos Pires.
Parágrafo único – Até que seja implementado o Plano de Manejo do Monumento Natural da Serra dos Pires não serão admitidas na UC atividades que possam prejudicar a integridade dos bens naturais existentes na área.
Art. 6º – Ficará a cargo do Instituto Estadual de Florestas – IEF – a gestão do Monumento Natural da Serra dos Pires, sendo responsável por sua administração.
Art. 7º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 12 de setembro de 2023.
Beatriz Cerqueira, presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia (PT).
O memorial descritivo a que se refere o parágrafo único do art. 1º está disponível no link a seguir:
https://mediaserver.almg.gov.br/acervo/881/103/1881103.pdf
Justificação: A Serra dos Pires, localizada no município de Congonhas é rica em campos rupestres ferruginosos, um tipo de formação ambiental (fitofisionomia) extremamente rara e ameaçada. As áreas de campos rupestres correspondem, a apenas 0,78% do território nacional, mesmo assim, mais de 1/4 da flora brasileira é nativa desse ambiente. Esse 1/4 corresponde a mais de 11 mil espécies de plantas, sem falar dos animais, o que coloca os campos em um nível de biodiversidade maior que a própria Amazônia e extremamente relevante para a conservação.
Mesmo sendo ambientes ultrabiodiversos e raros, tais áreas ainda carecem de instrumentos de proteção. Por outro lado, ambientalistas e pesquisadores constatam que nos últimos 4 anos o número de áreas de campos rupestres destruídas em Congonhas cresceu consideravelmente. Em dezembro de 2019, a população de Congonhas passou a visualizar alterações significativas da Serra do Pires na porção voltada para o núcleo urbano do município. Incumbe destacar que a mencionada Serra era até então um dos últimos redutos do município onde a atividade minerária não havia eliminado um trecho considerável de campo rupestre ferruginoso.
No panorama geológico, a elevação do Pires configura-se como um dos limites da Cadeia da Moeda, gerando características únicas para a região, o que dá ensejo à criação de um Monumento Natural. De acordo com a base de dados dos herbários brasileiros, na região do Pires foram registradas algumas espécies de plantas exclusivas desta porção da Serra da Moeda e criticamente ameaçadas de extinção, tais como a Cattleya milleri e Stachytarpheta confertifolia. Tais espécies, bem como quaisquer outras de relevância biológica, estão excluídas dos Estudos de Impacto Ambiental da área, conforme o estudo apresentado à SIAM (Anexo 2) para obtenção de licença ambiental para exploração minerária na Serra dos Pires. Essa omissão figura como uma prática recorrente, relatada até mesmo pelo Ministério Público Federal para casos de espécies raras e de ocorrência muito esparsas. Estas e outras diversas espécies quase extintas, cujo usos e potenciais ainda estão muito pouco estudados, posicionam a Serra dos Pires, em Congonhas, como uma área de grande interesse biológico.
Para além do patrimônio biológico, o local abriga também sítios arqueológicos que contam a história dos primórdios da mineração no Brasil e do ciclo do Ouro. Há registros fotográficos de diversas galerias auríferas e sondagens em várias feições do corpo geológico (Anexo 3). Nesse contexto, a própria empresa mineradora que começou a explorar o local reconheceu o alto potencial espeleológico para desenvolvimento de cavidades naturais na área no Parecer Único nº 109/2018 (Protocolo SIAM: 0649120/2018), embora afirme que não tenha encontrado nenhum no estudo contratado.
O empreendimento que está alterando a paisagem local ora em comento é da empresa Ferro+ Mineração S/A, localizado entre os municípios mineiros de Congonhas e Ouro Preto, tendo como núcleo urbano mais próximo o Bairro do Pires, em Congonhas/MG. O núcleo do empreendimento está nas seguintes coordenadas geográficas (DATUM): LAT/Y 20º 25' 50,78" LONG/X 44º 14' 41".
Com o início do empreendimento minerário na Serra, uma das reclamações mais ouvidas no bairro foi o aumento dos problemas de escassez hídrica e poluição da água utilizada pelos mais de dois mil moradores que vivem no entorno da área, conforme se constata pelo boletim de ocorrência da Polícia Militar nº 2020-000339533-001 e as notícias vinculadas na mídia à época (Anexo 4).
Da mesma forma, o bairro do Barnabé passou a presenciar uma contaminação constante de suas águas, com um carreamento de grandes volumes de minério e rejeito na fonte que abastece o bairro e cuja origem está na Serra do Pires (Anexo 5).
Um fato que vem sendo apontado para isto é a destruição das chamadas cangas ferruginosas pelo empreendimento da Ferro+. De acordo com estudos hidrogeológicos no quadrilátero ferrífero, as cangas ferruginosas, por serem repletas de poros, funcionam como esponjas para absorção da água. Sendo assim, a serra do Pires configura-se como o grande repositório de água daquela região, com qualquer atividade de exploração representando grandes riscos de desabastecimento para o bairro. Outra preocupação é de que a poluição desses recursos se tornem regra. A FONASC-CBH inclusive se manifestou pelo indeferimento do empreendimento da Ferro+ após analisar que as evidências do Parecer Único nº 79/2018 (Protocolo SIAM 0648993/2018) demonstravam uma grande possibilidade de escassez hídrica nos bairros do entorno (Anexo 6).
Congonhas possui um dos mais importantes acervos arquitetônicos e artísticos das Américas, extremamente representativos da evolução da arte civil e religiosa do continente. O conjunto arquitetônico e paisagístico do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos foi tombado pelo Iphan em 1939 e elevado pela Unesco a Patrimônio Mundial em 1985, sendo considerado a obra-prima de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. A Serra dos Pires é uma moldura viva deste rico patrimônio cultural.
Em 5 de setembro de 2009, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), emitiu no parecer de recomendação nº 05/2011, sua interpretação da necessidade de preservação do Morro do Engenho, na Serra Casa de Pedra (Anexos 07 a 11). O MPMG considerou a Serra Casa de Pedra parte integrante do “Conjunto Escultórico e Paisagístico do Adro da Basílica de Bom Jesus de Matozinhos”, reconhecido pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade desde 1985, e enfatizou sua relevância para a preservação do equilíbrio ecossistêmico e do abastecimento hídrico de Congonhas. Sua recomendação final concorda com a delimitação, mínima e potencialmente expansível, do polígono de tombamento proposto pelo Projeto de Lei nº 27/2008 (hoje Lei Municipal nº 2.694, de 2 de maio de 2007), criado para barrar o projeto de expansão da Mineradora CSN sobre a área.
No mesmo contexto, o laudo pericial nº 116/2007 do Instituto Estadual de Florestas – IEF –, subscrito pela engenheira florestal Elisiane Fátima da Silva, atestou que a Serra apresenta um grande valor ambiental, sendo abrigo de várias espécies animais e vegetais, sendo, portanto, rica em diversidade de fauna e flora.
Dessa forma, pelo tombamento incluir o conjunto paisagístico, as Serras que circundam a Basílica seriam consideradas como bens resguardados, interpretação esta que foi dada pelo próprio Parquet e o Poder Legislativo de Congonhas em 2007, no contexto em que a Câmara Municipal de Congonhas aprovou a Lei 2.694/2007 (Anexos 12 a 18), tombando o conjunto das vertentes da Serra Casa de Pedra e morros próximos voltados para a área urbana. Ora, por estarem na mesma vertente, não há razão para se considerar a Serra do Pires como fora desse contexto. Notícias à época citam que a cidade corria o risco de perder o título de Patrimônio se Casa de Pedra fosse minerada (Anexo 8).
Nesse panorama, gerou muito espanto aos moradores da cidade o fato da área mais visível a partir do adro dos profetas de Aleijadinho ter sido profundamente modificada, conforme se vislumbra nas imagens em anexo (Anexo 9).
A Área proposta para o Monumento Natural Serra dos Pires encontra-se situada em zonas de alta prioridade para a preservação da flora, e faz parte da Zona de Transição das Reservas da Biosfera da Mata Atlântica e do Espinhaço. Essas Reservas da Biosfera fazem parte de um conjunto mais amplo de 669 áreas protegidas em todo o mundo, integradas dentro do enquadramento do Programa MaB (Homem e a Biosfera) da Unesco. Este programa tem como meta a harmonização entre a conservação da diversidade biológica e o desenvolvimento humano sustentável.
Segundo o Artigo 41 do Capítulo VI do Snuc (2000):
“Parágrafo 1° – A Reserva da Biosfera é constituída por:
I) Uma ou várias áreas-núcleo, destinadas à proteção integral da natureza;
II) Uma ou várias zonas de amortecimento, onde só são admitidas atividades que não resultem em dano para as áreas-núcleo;
III) umas ou várias zonas de transição, sem limites rígidos, onde o processo de ocupação e manjo dos recursos naturais são planejados e conduzidos de modo participativo e em bases sustentáveis.
Parágrafo 2° – A Reserva da Biosfera é constituída por áreas de domínio público ou privado.
Parágrafo 3° – A Reserva da Biosfera pode ser integrada por unidades de conservação já criadas pelo Poder Público, respeitadas as normas legais que disciplinam o manejo de cada categoria específica”.
A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica foi criada pela necessidade de preservação do patrimônio genético da floresta tropical mais biodiversa do mundo. Esta floresta, por sua vez, abriga a maior densidade populacional do Brasil (CORRÊA, 1995). A delimitação da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica é parte dos esforços para conservar essa área de grande importância, reconhecida como um hotspot de biodiversidade, caracterizada por ter perdido mais de 70% de sua cobertura vegetal original.
A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela Unesco, foi a primeira Unidade da Rede Mundial de Reservas da Biosfera declarada no Brasil. Com uma extensão de cerca de 78 mil hectares, sendo 79,5% em áreas terrestres e o restante 20,5% em áreas marinhas, essa reserva está presente nos 17 estados brasileiros onde a Mata Atlântica ocorre. Abrange também as áreas mais densamente povoadas do país, afetando cerca de 120 milhões de pessoas e aproximadamente 1.000 municípios dentro da região da Mata Atlântica.
A Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço compartilha muitas semelhanças com a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, mas enfrenta desafios adicionais, uma vez que é menor e tem sido alvo de ciclos recentes de exploração econômica com alta demanda por supressão da vegetação (VERDI et al., 2015). A riqueza biológica da Reserva da Serra do Espinhaço, especialmente sua flora, é considerada muito alta, devido à sua posição entre os biomas Mata Atlântica e Cerrado, com altos níveis de diversidade biológica e endemismos, além de características físicas que favorecem altas taxas de especiação (RBSE, 2017).
Em 2006, o Decreto n°44.281 criou o Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, devido à importância da região em termos de diversidade biológica, fragilidade e sustentabilidade dos recursos naturais. O comitê tinha como objetivo coordenar a implantação da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, focando na conservação da biodiversidade, desenvolvimento sustentável e conhecimento científico.
Além disso, a Serra do Espinhaço é uma área prioritária para a proteção de mananciais hídricos, desempenhando um papel importante nas redes de drenagem das bacias dos rios São Francisco, Doce e Jequitinhonha. A região abriga diversas nascentes dentro da reserva da biosfera, tornando-se um repositório hídrico significativo no Brasil.
As duas Reservas da Biosfera têm uma sobreposição na região de Minas Gerais conhecida como Quadrilátero Ferrífero (QF), uma estrutura geológica que se assemelha a um quadrado e abriga depósitos minerais de ferro. Esta área exibe uma heterogeneidade única de paisagens, incluindo florestas, campos, cerrado e campos rupestres, que se relacionam com variações topográficas, litológicas, climáticas e altitudinais (JACOBI & CARMO, 2008). Dentre essas paisagens, os Campos Rupestres se destacam, com alta riqueza, diversidade e endemismos florísticos (RAPINI et al., 2008).
Os Campos Rupestres Ferruginosos na região do Monumento Natural da Serra do Pires merecem destaque devido à sua rica flora, incluindo espécies especializadas em solos ricos em ferro e adaptadas a esse tipo de substrato. Essas espécies desenvolveram especializações que resultaram em altos níveis de diversidade e endemismo nessa região (JACOBI et al., 2007). No entanto, a região enfrenta desafios complexos devido à demanda pela exploração de recursos minerais abundantes, que contradiz a conservação da flora especializada e endêmica.
Portanto, a região da Serra do Pires apresenta uma combinação de desafios e necessidades de conservação da flora, especialmente em relação aos Campos Rupestres Ferruginosos, bem como à Mata Atlântica, enquanto lida com a exploração mineral.
De acordo com o Zoneamento Ecológico-Econômico (Infraestrutura de dados Espaciais do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos-IDE-Sisema) a classificação das áreas prioritárias para a conservação da flora na região em comento é considerada em sua totalidade como “Muito Alta”.
Nesse sentido, o estudo proposto pelo Biodiversitas (dados provenientes de Infraestrutura de dados Espaciais do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos-IDE-Sisema), a área do Monumento Natural encontra-se categorizada como uma região de “Especial” importância para conservação de biodiversidade.
E tendo em vista a 2ª Atualização das Áreas Prioritárias para Conservação da Biodiversidade, trabalho desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente para cada bioma, a área encontra-se inserida em local com importância biológica “Muito Alta”. O órgão também classifica a região com prioridade de ação “Extremamente Alta”.
De acordo com a Infraestrutura de dados Espaciais do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IDE-Sisema) a área não está inserida em nenhuma unidade de conservação ou zona de amortecimento. A porção sul da ADA (Área Diretamente Afetada) está localizada próxima às unidades de conservação RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), Fazenda João Pereira/Poço Fundo e Parque Municipal Cachoeira de Santo Antônio, ambas no município de Congonhas.
Em 2007 foi promulgado o tombamento municipal do conjunto de morros denominado Serra Casa de Pedra, pela Lei nº 2.694/2007 e delimitado um perímetro pela Lei nº 3.224/2012. Acontece que o perímetro de tombamento promovido pela Câmara Municipal não alcançou integralmente a Serra do Pires e uma cava de mineração pós lei está surgindo na paisagem. Nas considerações de um relatório da Secretaria de Patrimônio Histórico de Congonhas, essa ausência de proteção está causando expressivo impacto visual no Santuário do Bom Jesus de Matozinho, Patrimônio da Humanidade pela Unesco e tombado pelo Iphan, ferindo diretamente o tombamento paisagístico do conjunto protegido.
A Serra do Pires é considerada um marco histórico da cidade de Congonhas e tem registros do seu uso como ponto de referência já por parte dos viajantes naturalistas do século XIX. Outras denominações como “Morro Santo Antônio” são indicadas para aquela área, que foi local de caminhos antigos, braços da Estrada Real, onde passaram famosos viajantes estrangeiros, destacando o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, o inglês Richard Burton e o geólogo alemão conhecido como “Barão de Eschwege”, que inclusive fundou a Fábrica Patriótica nas proximidade da Serra do Pires, além de minas de ouro dos séculos XVIII e XIX, que originaram o nome da cachoeira de Santo Antônio, rio Santo Antônio, Fazenda Morro de Santo Antônio e Capela de Santo Antônio, posses e lavras da famosa família Monteiro de Barros. Nos termos de Auguste Saint-Hilaire, em 1818:
“… e sobretudo no lugar chamado Barnabé que a vista se torna mais agradável. Ao longe vê-se sobre o cume de um morro uma das igrejas de Congonhas; de todos os lados veem-se cumiadas separadas e desiguais, de formas variadas, verdes pastagens e bosquetes; à direita do caminho existe uma profunda mineração, cavada sobre o flanco de uma colina; esta é dominada por uma montanha mais elevada, onde as rochas se mostram aqui e acolá; e, sobre o lado da montanha um regato formando uma cascata, espalha sobre o rochedo suas águas espumantes. Antes de chegar a Congonhas passa-se por um regato que tem o nome de rio Santo Antônio, e que, próximo da aldeia, reúne suas águas a um regato mais considerável, chamado rio das Congonhas” (SAINT-HILAIRE, 1938).
A denominação popular “Serra do Pires” deu-se pela proximidade do bairro Pires, no sopé do maciço e que serve de acesso ao cume. O nome do bairro é originado de uma fazenda homônima do Século XVIII que existia naquela área entre a serra e a Fábrica Patriótica. No relato de Richard Burton, em 1867:
“Apenas avistamos duas casas: A Fazenda do Pires, com sua avenida de araucárias, e, profundamente enterrada nos morros, e uma fundição de ferro, pertencente ao Comendador Lucas Antônio Monteiro de Castro”. (BURTON, 2001).
Pela ocupação humana histórica na região, a Secretaria de Patrimônio Histórico de Congonhas identificou uma série de sítios arqueológicos na região, principalmente galerias de exploração que remontam ao princípio da mineração em Minas Gerais.
A formação de paleotocas ocorre quando animais escavam tocas ou buracos no solo ou em formações rochosas para fins de proteção, nidificação ou busca de alimento. Com o passar do tempo, essas tocas podem ser preenchidas por sedimentos e minerais transportados pela água, criando uma estrutura preservada que pode ser fossilizada. As cangas ferruginosas, devido à sua composição rica em minério de ferro e características geológicas únicas, podem propiciar condições favoráveis para a conservação de paleotocas.
A descoberta da Paleotoca do Parque do Gandarela é um exemplo notável desse potencial. Essa paleotoca foi identificada por pesquisadores em 2017 e contém evidências de atividade de tatus pré-históricos. Ela oferece insights importantes sobre a fauna e o comportamento animal no passado, além de proporcionar informações valiosas para a reconstrução dos ecossistemas antigos da região.
As cangas ferruginosas do Quadrilátero Ferrífero têm um potencial interessante em relação à existência de paleotocas, estruturas fósseis que representam antigas tocas de animais pré-históricos. Assim como a Paleotoca do Parque Nacional do Gandarela, que é uma descoberta notável, outras áreas ricas em cangas ferruginosas como o Pires podem abrigar vestígios similares da atividade de animais extintos.
Assim, a Serra do Pires têm um potencial significativo em relação à existência de paleotocas semelhantes à do Parque do Gandarela. A pesquisa sistemática na área pode revelar mais dessas estruturas fossilizadas, fornecendo dados cruciais sobre a história da fauna e a evolução dos ecossistemas da região ao longo das eras geológicas. Além disso, a preservação e o estudo dessas paleotocas podem contribuir para a promoção do turismo científico e cultural na área, estimulando o interesse e a conservação do patrimônio paleontológico.
O Quilombo Campinho foi certificado pela Fundação Cultural Palmares em 10 de outubro de 2022 e está localizado no bairro de mesmo nome, que é área de influência da Serra do Pires. Os moradores há muito sofrem com o assédio de empresas de mineração e do poder municipal, sendo o tombamento da Serra uma forma possível de mitigar esse processo.
Considerando que os quilombos são parte fundamental da constituição do nosso país, contribuindo ativamente para a formação cultural com diversas práticas, como está descrito nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, é urgente a adoção de medidas que visem manter a integralidade territorial da área reconhecida de forma a propiciar o pleno exercício das atividades culturais. Em 2023 o MPF recomendou ao Incra a abertura imediata do processo de regularização fundiária do território ancestral junto ao órgão. Outra medida urgente é o registro das manifestações culturais com seus respectivos Planos de Salvaguarda conforme recomendado no Inventário de Proteção do Patrimônio Cultural de Congonhas-MG do ano de 2013.
Por todo o exposto, resta evidente que a área proposta para acautelamento por meio da criação de um Monumento Natural, possui rara beleza cênica, riquíssimo patrimônio natural e cultural. Assim, é de fundamental importância a implementação de um instrumento de proteção integral, conforme prevê o Sistema Nacional de Unidades de Conservação– Snuc.
Ademais, a efetiva preservação da Serra dos Pires enquanto moldura viva e parte integrante da visada a partir do conjunto arquitetônico e paisagístico do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, é essencial para a conservação desse Patrimônio da Humanidade, reconhecido pela Unesco.
Pela importância da matéria aludida, conto com o apoio dos nobres pares para aprovação da presente proposição.
BIBLIOGRAFIA:
https://specieslink.net/ - acessado em 31 de agosto e 2023;
MPU, 2004. Deficiências em estudos de impacto ambiental: síntese de uma experiência – Brasília: Ministério Público Federal, 4° Câmara de Coordenação e Revisão: Escola Superior do Ministério Público da União;
dos Santos Dias, J. C., & Prado Bacellar, L. de A. (2021). AVALIAÇÃO DO COMPORTAMENTO HIDROLÓGICO DE CANGAS NA REGIÃO DA SERRA DA MOEDA, QUADRILÁTERO FERRÍFERO, MINAS GERAIS. Águas Subterrâneas. https://doi.org/10.14295/ras.v0i0.29827;
Ferreira, Almir Aparecido Malta. A expansão da mineração sobre o município de Congonhas (MG) e seus aspectos socioambientais [manuscrito] / Almir Aparecido Malta Ferreira – 2012. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Ouro Preto. Escola de Minas. Departamento de Engenharia de Minas. Programa de Pós-graduação em Engenharia Mineral;
BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro ao Morro Velho, tradução de David Jardim Júnior. Senado Federal, Conselho Editorial, 2001, página 203;
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ed. Nacional, 1938, página 151;
Estado de Minas. MP pode pedir que profetas de Congonhas deixem de ser Patrimônio da Humanidade. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2012/03/12/interna_politica,282856/mp-pod e-pedir-que-profetas-de-congonhas-deixem-de-ser-patrimonio-da-humanidade.shtml – acessado em 31 de agosto e 2023;
LEI nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm, acessado em 31 de agosto e 2023.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Meio Ambiente para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.