PL PROJETO DE LEI 1143/2023
Projeto de Lei nº 1.143/2023
Altera a Lei nº 20.846, de 6/8/2013, que institui a Política Estadual para a População em Situação de Rua, para dispor sobre seu plano de ação, bem como para prever medidas que assegurem a liberdade, a posse dos bens e a dignidade da população em situação de rua, e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – A Lei nº 20.846, de 6/8/2013, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 8º-A:
“Art. 8º-A – O Plano de Ação e Monitoramento para a efetiva implementação da Política Estadual para a População em Situação de Rua, deverá conter, no mínimo:
I – Elaboração de diagnósticos atualizados da população em situação de rua, com identificação do perfil, da procedência e de suas principais necessidades, entre outros elementos a amparar a construção de políticas públicas voltadas ao segmento;
II – Criação de instrumentos de diagnóstico permanente da população em situação de rua;
III – Desenvolvimento de mecanismos para mapear a população em situação de rua no censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, sem prejuízo da integração com outros mapeamentos realizados por outras instituições;
IV – Estabelecimento de meios de fiscalização de processos de despejo e de reintegração de posse no Estado, e seu impacto no tamanho da população em situação de rua;
V – Elaboração de diretrizes para a intervenção do Poder Público, pautadas no tratamento humanizado e não violento da população em situação de rua, englobando, entre outros, a formação e o treinamento de agentes públicos, bem como as formas de abordagens específicas aos hiper-hipossuficientes;
VI – Elaboração de programas de capacitação e de sensibilização de agentes públicos das áreas da saúde, assistência social, educação, segurança pública, justiça, entre outras, para atuarem junto à população em situação de rua;
VII – Incorporação na Política Estadual de Habitação das demandas da população em situação de rua, de forma integrada com as Políticas nacionais e municipais;
VIII – Análise de programas de transferência de renda e sua capilaridade em relação à população em situação de rua;
IX – Previsão de um canal direto de denúncias contra violência;
X – Elaboração de medidas para garantir padrões mínimos de qualidade nos centros de acolhimento, resguardando a higiene e a segurança dos locais;
XI – Desenvolvimento de programas de prevenção de suicídio junto à população em situação de rua;
XII – Elaboração de programas educacionais e de conscientização pública sobre a aporofobia e sobre a população em situação de rua;
XIII – Formulação de políticas para fomentar a saída da rua através de programas de emprego e de formação para o mercado de trabalho;
XIV – Elaboração de medidas para o fortalecimento de políticas públicas voltadas à moradia, trabalho, renda, educação e cultura de pessoas em situação de rua;
XV – Indicação de possíveis incentivos fiscais e outras medidas de incentivo para a contratação de trabalhadores em situação de rua".
Art. 2º – A Lei nº 20.846, de 6/8/2013, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 8º-B:
“Art. 8º-B – Política Estadual para a População em Situação de Rua, em conjunto com as políticas, programas e ações desenvolvidas pelos Municípios, assegurará, no âmbito de suas zeladorias urbanas, nos abrigos e outras ações de suas respectivas responsabilidades:
I – A efetivação de medidas que garantam a segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua dentro dos abrigos institucionais existentes;
II – A disponibilização de apoio das vigilâncias sanitárias para garantir abrigo aos animais de pessoas em situação de rua;
III – A proibição do recolhimento forçado de bens e pertences, assim como a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua;
IV – A divulgação prévia do dia, o horário e o local das ações de zeladoria urbana nos seus respectivos sites, nos abrigos, e outros meios em atendimento ao princípio da transparência dos atos da administração pública permitindo assim que a pessoa em situação de rua recolha seus pertences e que haja a limpeza do espaço sem conflitos;
V – Observado o disposto no inciso III deste artigo, a prestação de informações claras sobre a destinação de bens porventura apreendidos, o local de armazenamento dos itens e o procedimento de recuperação do bem;
VI – A promoção de capacitação dos agentes com vistas ao tratamento digno da população em situação de rua, informando-os sobre as instâncias de responsabilização penal e administrativa;
VII – A garantia da existência de bagageiros para as pessoas em situação de rua guardarem seus pertences;
VIII – A determinação de participação de agentes de serviço social e saúde em ações de grande porte;
IX – A disponibilização de bebedouros, banheiros públicos e lavanderias sociais de fácil acesso para população em situação de rua;
X – A realização de inspeção periódica dos centros de acolhimento para garantir, entre outros, sua salubridade e sua segurança;
XI – A realização periódica de mutirões da cidadania para a regularização de documentação, inscrição em cadastros governamentais e inclusão em políticas públicas existentes;
XII – A formulação de um protocolo intersetorial de atendimento na rede pública de saúde para a população em situação de rua;
XIII – Ampla disponibilização e divulgação de alertas meteorológicos, por parte das Defesas Civis de todos os entes federativos, para que se possam prever as ondas de frio com a máxima antecedência e prevenir os seus impactos na população em situação de rua;
XIV – A Disponibilização pela defesa civil, de barracas para pessoas em situação de rua com estrutura mínima compatível com a dignidade da pessoa, nos locais nos quais não há número de vagas em número compatível com a necessidade, bem como de itens de higiene básica à população em situação de rua
XV – Os direitos sexuais e reprodutivos da população em situação de rua, inclusive do direito à escolha e de maternar, sendo vedada qualquer forma compulsória ou coercitiva de controle de natalidade ou de planejamento familiar”.
Art. 3º – A Lei nº 20.846, de 6/8/2013, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 8º-C:
“Art. 8º-C – A implementação da Política de que trata esta Lei observará as disposições da Política e do Plano de Ação e Monitoramento da Nacionais para a População em Situação de Rua, bem como a necessária articulação com as políticas, programas e ações nacionais e municipais, respeitadas as especificidades dos diferentes grupos familiares e evitando a separação de núcleos familiares, com participação do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Estadual para a População em Situação de Rua de Minas Gerais – Comitê PopRua-MG, da Defensoria Pública e do Ministério Público Estaduais por seus órgão responsáveis pela tutela dos Direitos Humanos, da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, dos movimentos de defesa dos direitos da população em situação de rua, entre outros órgãos, entidades e movimentos correlatos”.
Parágrafo único – A implementação da Política também observará a participação e articulação com os Comitês de Monitoramento e Assessoramento das Políticas Nacionais e Municipais para a População em Situação de Rua”.
Art. 4º – Esta lei entre em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 28 de julho de 2023.
Bella Gonçalves, vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos (Psol).
Justificação: A Lei nº 20.846, de 6/8/2013, representa importante instrumento normativo ao instituir a Política Estadual para a População em Situação de Rua, havendo grande compatibilidade com o disposto no Decreto federal 7.053, de 23/12/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Contudo, ainda são necessários diversos avanços que são pautados pelos movimentos de luta de defesa dos direitos da população em situação de rua.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 976 reconheceu o potencial estado de coisas inconstitucional concernente à violação maciça de direitos humanos da população em situação de rua e determinou um conjunto de medidas a serem cumpridas pelos Entes federados para tratar a questão. Importante destacar que a decisão condiz com o avanço que a política já teve e ainda precisa avançar graças aos movimentos sociais que realizam lutas históricas pela pauta.
Ao longo dos anos a assistência social assume uma centralidade na oferta de política pública à população em situação de rua. Porém para efetivação de uma política cidadã é necessário um conjunto de políticas sociais para garantir os direitos dessa população. O fenômeno da população em situação de rua por ser fruto da dimensão estrutural da nossa sociedade de classes, precisa ser tratado de maneira transversal de forma a produzir as retaguardas necessárias para a construção do processo de saída das ruas, fundamentado em direitos sociais como: moradia, trabalho e renda.
O agravamento das condições de vida e sobrevivência da população, diante da crise econômica, deixaram ainda mais expostas e vulnerabilizadas as pessoas em situação de rua. Uma população majoritariamente negra, que mostra a relação entre o fenômeno da pop rua com séculos de escravização e de um racismo estrutural estabelecido no nosso país. Houve um crescimento exponencial dessa população no país e consequentemente Minas Gerais. Dados do programa Polos de Cidadania, da UFMG, divulgados em abril deste ano, apontam que no Brasil há 206 mil pessoas em situação de rua, um aumento de 7,4%. Em BH são mais de 11 mil pessoas em situação de rua. O aumento do número desses indivíduos e famílias que saltam aos olhos, nem sempre é revelado em sua totalidade nas pesquisas.
Com o aumento do desemprego e do elevado custo de vida, o perfil do público em situação de vida nas ruas mudou. Mulheres, crianças e adolescentes, idosos, famílias inteiras se viram impelidas a morar nas ruas. É fundamental saber quem e quantas são essas pessoas para desenvolvimento de políticas públicas efetivas. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Assistência Social, Família e Combate à Fome – MDS –, em abril de 2023, 22.021 pessoas se encontram em situação de vida nas ruas em Minas Gerais, número superior aos habitantes de 653 municípios mineiros.
De acordo com os dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais – Ufmg –, 2021, com base nos números do Cadastro Único para Programas Sociais – CadÚnico –, 44 municípios em Minas Gerais têm concentração com mais de 50 pessoas em situação de rua. Belo Horizonte responde a 48,9% dessa população no estado e Juiz de Fora, Contagem, Uberlândia concentram 15%.
Esse impacto do aumento do número de pessoas em situação de rua leva a uma elaboração imediata, mas é preciso compreender o fenômeno em toda sua complexidade e não estigmatizar, violar e cercear a liberdade dessas pessoas. O preconceito, a violência e a criminalização contra as pessoas em situação de rua leva cada vez mais a situações graves de exclusão e desproteção, como o emprego de técnicas de arquitetura hostil para afastar essas pessoas das praças, ruas, calçadas e marquises. Os modelos de abrigamento em massa, com regras punitivas, histórico de proliferação de pragas e doenças também precisam ser superados. Além disso, diariamente são denunciadas situações de pessoas em situação de rua sofrendo violências diversas, com abordagens truculentas por parte dos agentes da segurança pública, com recolhimento à força de pertences pessoais, inclusive documento de identificação, criminalizando uma população que vive sem acesso à água, banheiros e dormem em calçadas frias.
Não bastasse, constantes são as tentativas de violações dos direitos da população em situação de rua também pelo Poder Legislativo, a exemplo do Projeto de Lei nº 340/2022, da Câmara Municipal de Belo Horizonte que, a pretexto de instituir a Política Municipal Intersetorial para Atendimento à População em Situação de Rua – PPSR em Belo Horizonte e dar outras providências, na verdade, implicava sérias violações de direitos, como o recolhimento de pertences, o controle de natalidade, o deslocamento da cidade, o encaminhamento de dependentes alcoólicos e químicos para comunidades terapêuticas em detrimento da reconhecida rede substitutiva e de tratamento em liberdade consolidada no Município, dentre outras medidas. O referido PL foi retirado de tramitação logo após a decisão na ADPF 976, demonstrando o acertamento da decisão na garantia de direitos. Esse contexto, portanto, demonstra a necessidade de se avançar em mais direitos para a população em situação de rua, como forma de superar a vulnerabilidade em que se encontram.
Ante o exposto e considerando a necessidade de se efetivar pela via legal direitos da população em situação de rua, apresenta-se a presente proposição, contando com o apoio dos nobres pares.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, do Trabalho e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.