PL PROJETO DE LEI 1108/2023
Projeto de Lei nº 1.108/2023
Classifica o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e os Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90) como deficiência conforme previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e dispõe sobre a obrigatoriedade de oferta de diagnóstico, atendimento especializado e fornecimento de medicamentos gratuitos pelo Sistema Único de Saúde para tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e os Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90).
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e os Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90) classificados como deficiência, para todos os efeitos legais.
Parágrafo único – O previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aplica-se ao Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e aos Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90), conforme o disposto no caput deste artigo.
Art. 2º – Fica a rede pública de saúde, através do Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pela oferta de consultas, exames e avaliações que possam diagnosticar o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e os Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90) em todas as suas implicações.
Art. 3º – A rede pública de saúde, através do Sistema Único de Saúde (SUS), garantirá o atendimento especializado nos casos que sejam detectados os sintomas que caracterizem o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e os Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90).
§ 1º – O atendimento que se trata o caput deste artigo será, preferencialmente, na unidade de saúde mais próxima da residência do diagnosticado, com equipe multidisciplinar composta por profissionais que sejam necessários para o respectivo tratamento.
§ 2º – Os parâmetros sobre o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade e os Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90) no Brasil deverão seguir as diretrizes nacionais para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença, conforme os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas aprovados pela autoridade sanitária nacional.
Art. 4º – O gestor estadual do SUS, conforme suas competências e pactuações, deverá estruturar a rede assistencial, definir os serviços referenciais e estabelecer os fluxos para o atendimento dos indivíduos com essas doenças, ficando autorizado a estabelecer convênios e parcerias com pessoas jurídicas de direito público ou privado para fazer cumprir as determinações desta lei.
Art. 5º – Os medicamentos preconizados para o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade e os Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90), conforme o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade aprovado pela autoridade sanitária estadual, deverão ser incluídos e disponibilizados pela assistência farmacêutica do Estado.
Art. 6º – As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas caso seja necessário.
Art. 7º – O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo máximo de 90 (noventa) dias da data de sua publicação.
Art. 8º – A presente lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 18 de julho de 2023.
Lucas Lasmar, vice-líder do Bloco Democracia e Luta (Rede).
Justificação: O projeto de lei apresentado visa garantir a atenção e cuidado, além da garantia de tratamento adequado, universal e ininterrupto para os indivíduos diagnosticados com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90). Ambos os termos são utilizados para a mesma condição, conforme a referência do sistema classificatório utilizado.
O DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais), sistema classificatório mais reconhecido mundialmente para transtornos mentais, da Academia Americana de Psiquiatria, que teve sua 5ª edição publicada em 2013, define o TDAH como um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento ou desenvolvimento, com clara evidência de que os sintomas interferem, ou reduzem a qualidade, do desempenho acadêmico, funcionamento social ou ocupacional.
No Brasil, utilizamos mais frequentemente o sistema classificatório de doenças a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), que traz outra nomenclatura para o mesmo transtorno: Transtornos Hipercinéticos (F90), grupo de transtornos caracterizados por início precoce (habitualmente durante os cinco primeiros anos de vida), falta de perseverança nas atividades que exigem um envolvimento cognitivo, e uma tendência a passar de uma atividade a outra sem acabar nenhuma, associadas a uma atividade global desorganizada, incoordenada e excessiva. Estes transtornos se acompanham frequentemente de um déficit cognitivo e de um retardo específico do desenvolvimento da motricidade e da linguagem. As complicações secundárias incluem um comportamento dissocial e uma perda de autoestima.
Segundo a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – Conitec –, através de Relatório para a Sociedade (Ministério da Saúde, 2020), consideramos:
“o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), também chamado de transtorno hipercinético, é um tipo de distúrbio que ocorre no desenvolvimento do sistema nervoso. Manifesta-se comumente na infância, embora possa estar presente na idade adulta, e tem como características mais comuns a apresentação de falta de persistência em tarefas que exigem envolvimento cognitivo, com tendência a mudar de uma para outra sem completar nenhuma, junto com uma atividade excessiva e desorganizada. Tais comportamentos podem se dar em diferentes contextos (casa, escola, trabalho, com amigos, familiares ou em outras atividades), resultando em prejuízos nas dimensões afetivas, acadêmicas, ocupacionais e nas interações sociais em geral, com impacto na qualidade de vida.”. (Disponível em: https://www.gov.br/conitec/ptbr/midias/consultas/relatorios/2021/Sociedade/20210319_resoc236_metilfenidato_lisdexanfetamina _tdah.pdf Acesso em: 17/07/2023).
Para a Conitec, o diagnóstico da doença é essencialmente clínico, em muitos casos sem necessidade de realizar exames laboratoriais ou de imagem, aconselhando-se a associação de uma avaliação de caráter psicossocial à investigação clínica.
No site da Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde, utilizando informações da Associação Brasileira do Déficit de Atenção, manifesta-se que o TDAH:
“É um transtorno neurobiológico de causas genéticas, caracterizado por sintomas como falta de atenção, inquietação e impulsividade. Aparece na infância e pode acompanhar o indivíduo por toda a vida.”.
Sintomas em crianças e adolescentes:
Agitação, inquietação, movimentação pelo ambiente, mexem mãos e pés, mexem em vários objetos, não conseguem ficar quietas (sentadas numa cadeira, por exemplo), falam muito, têm dificuldade de permanecer atentos em atividades longas, repetitivas ou que não lhes sejam interessantes, são facilmente distraídas por estímulos do ambiente ou se distraem com seus próprios pensamentos. O esquecimento é uma das principais queixas dos pais, pois as crianças “esquecem” o material escolar, os recados, o que estudaram para a prova. A impulsividade é também um sintoma comum e apresenta-se em situações como: não conseguir esperar sua vez, não ler a pergunta até o final e responder, interromper os outros, agir sem pensar. Apresentam com frequência dificuldade em se organizar e planejar o que precisam fazer. Seu desempenho escolar parece inferior ao esperado para a sua capacidade intelectual, embora seja comum que os problemas escolares estejam mais ligados ao comportamento do que ao rendimento. Meninas têm menos sintomas de hiperatividade e impulsividade, mas são igualmente desatentas.
Sintomas em adultos:
Acredita-se que em torno de 60% das crianças e adolescentes com TDAH entrarão na vida adulta com alguns dos sintomas de desatenção e hiperatividade/impulsividade, porém em menor número. Os adultos costumam ter dificuldade em organizar e planejar atividades do dia a dia, principalmente determinar o que é mais importante ou o que fazer primeiro dentre várias coisas que tiver para fazer. Estressa-se muito ao assumir diversos compromissos e não saber por qual começar. Com medo de não conseguir dar conta de tudo acabam deixando trabalhos incompletos ou interrompem o que estão fazendo e começam outra atividade, esquecendo-se de voltar ao que começaram anteriormente. Sentem grande dificuldade para realizar suas tarefas sozinhos e precisam ser lembrados pelos outros, o que pode causar muitos problemas no trabalho, nos estudos ou nos relacionamentos com outras pessoas.
Tratamento:
“O TDAH deve ser tratado de modo múltiplo, combinando medicamentos, psicoterapia e fonoaudiologia (quando houver também transtornos de fala e ou de escrita); orientação aos pais e professores e ensino de técnicas específicas para o paciente compõem o tratamento”. (Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/transtorno-do-deficit-de-atencao-com-hiperatividadetdah/ Acesso em: 17/07/2023.).
O TDAH pode se apresentar de três maneiras:
– Predomínio de desatenção (20% a 30% dos casos);
– Predomínio de hiperatividade-impulsividade (cerca de 15% dos indivíduos com TDAH) e;
– Apresentação combinada (entre 50% e 75% dos casos).
A condição clínica pode ser alterada entre as maneiras de se apresentar, que, segundo estimativas, acometeria entre 3% e 8% da população mundial, com uma predominância 2,1% maior do gênero masculino. No Brasil, para indivíduos com idade entre 6 e 17 anos, estimou-se uma prevalência de 7,6%. Embora as causas do TDAH ainda não tenham sido completamente elucidadas, existem evidências de que se trata de uma doença de origem multifatorial, resultante da interação entre fatores genéticos, neurobiológicos e ambientais.
Atualmente, existem no Brasil dois medicamentos aprovados pela Anvisa para o tratamento de TDAH. São eles o cloridrato de metilfenidato (MPH) e o dimesilato de lisdexanfetamina (LDX), ambos estimulantes do Sistema Nervoso Central (SNC). São medicamentos que apresentam custo significativo no mercado nacional, podendo variar entre R$ 300 e R$ 500,00 uma caixa com quantidade suficiente para, em média, 30 dias, a depender da recomendação médica para uso conforme quadro clínico tratado.
Conforme a Associação Brasileira do Déficit de Atenção/Hiperatividade (ABDA), em documento denominado CARTA DE PRINCÍPIOS DA ABDA, baseada e adaptada da Carta de Princípios sobre TDAH da National Consumer's League (Liga de Defesa do Consumidor) dos Estados Unidos, da qual são signatárias a Associação Médica Americana de Pediatria e a Associação Psiquiátrica Americana, são os seguintes os fundamentos científicos sobre o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH):
a) O TDAH é um transtorno médico verdadeiro, reconhecido como tal por associações médicas internacionalmente prestigiadas, que se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade;
b) O TDAH é um transtorno sério, uma vez que os portadores apresentam maiores riscos de desenvolver vários transtornos psiquiátricos (tais como depressão e ansiedade), abuso e dependência de drogas e álcool, maior frequência de acidentes, maiores taxas de desemprego e divórcio e menos anos completados de escolaridade;
c) O TDAH pode ser diagnosticado e tratado. Existem diretrizes publicadas por instituições científicas de renome internacional sobre o diagnóstico e seu tratamento adequado;
d) O TDAH também pode ser diagnosticado em adultos. Mais da metade das crianças com TDAH ingressa na vida adulta com sintomas clinicamente significativos do transtorno;
e) O TDAH é muito pouco diagnosticado e tratado na população em geral.
Diante de inúmeras questões que pairam sobre as pessoas que apresentam TDAH, muitas das quais em grande nível de complexidade, não podemos deixar de reconhecer que são pessoas que necessitam de um cuidado maior da sociedade pois a condição neurológica do indivíduo portador pode gerar problemas de concentração e raciocínio, dificultando sua atividade intelectual. Tais situações levam a vários países, e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS), a reconhecer o TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) como uma condição neurológica que limita o pleno funcionamento das funções intelectuais do indivíduo, pois os sintomas mais característicos residem na dificuldade de se concentrar, na falta de atenção para realizar atividades e hiperatividade, ou seja, não consegue ficar quieto.
Em situações de concurso público, por exemplo, ou qualquer exame, as condições dos indivíduos que possuem TDAH podem limitar as condições isonomias com os demais indivíduos, gerando prejuízos de igualdade de direitos e condições entre todos os participantes. E, ainda mais grave, pelo fato de não termos uma política brasileira para inclusão das pessoas com TDAH, elas são negligenciadas devido as suas condições. O tema se discute há mais de 10 (dez) anos no Parlamento brasileiro sem chegar a uma definição clara de como devemos ter o cuidado e respeito, além do tratamento, com aqueles que podem ter TDAH de forma inclusiva e respeitosa.
A própria legislação que inclui as pessoas com deficiência (Decreto Federal nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que Regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências), sem nos atrelarmos aos conceitos preconceituosos que o termo leva a reboque, estabelece como deficiência mental o funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização dos recursos da comunidade; saúde e segurança; habilidades; acadêmicas; lazer; e trabalho. Sendo assim, deficiência mental não quer dizer apenas retardo mental como até um passado recente o termo era utilizado e como muitos, erroneamente, associam e prejudicam os indivíduos com TDAH na atualidade.
A partir da Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual, aprovada em 6/10/04 pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2004), em conjunto com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o termo "deficiência mental" passou a ser "deficiência intelectual". Antes, em 1992, a então Associação Americana sobre Deficiência Mental (AAMR, em inglês) adotou uma nova conceituação da deficiência intelectual (até então denominada "deficiência mental"), considerando-a não mais como um traço absoluto da pessoa que a tem e sim como um atributo que interage com o seu meio ambiente físico e humano, o qual deve adaptar-se às necessidades especiais dessa pessoa, provendo-lhe o apoio intermitente, limitado, extensivo ou permanente de que ela necessita para funcionar em 10 áreas de habilidades adaptativas: comunicação, autocuidado, habilidades sociais, vida familiar, uso comunitário, autonomia, saúde e segurança, funcionalidade acadêmica, lazer e trabalho. A AAMR, em reunião de novembro de 2006, decidiu que, a partir de 1°/1/07, passará a chamar-se Associação Americana sobre Deficiências Intelectual e de Desenvolvimento (AAIDD, em inglês). Consultar RIO DE JANEIRO (c. 2001). A classificação em leve, moderada, severa e profunda foi instituída pela OMS em 1968 e perdurou até 2004. (Ver mais em: https://petpedagogia.ufba.br/terminologia-sobre-deficiencia-na-era-dainclusao#:~:text=A%20partir%20da%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20de,a%20ser%20%E2%80%9Cdefici%C3%AAncia%20intelectual%E2%80%9D. Acesso em: 17/07/2023.).
Sendo assim, classificar os indivíduos com indivíduos diagnosticados com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90), a depender do sistema classificatório utilizado, como deficiência na base legal brasileira é dar condições de igualdade de direitos e condições, além de oportunidade de tratamento, não os estigmatizar como muitos alegam que essa classificação poderia ocasionar. Por conta disso, trazemos a baila essa proposição.
Nessa comenda, além da respectiva classificação, também alertamos da necessidade de termos base legal para a obrigatoriedade de oferta de diagnóstico, atendimento especializado e fornecimento de medicamentos gratuitos pelo Sistema Único de Saúde para tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e os Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90), considerando que outras condições análogas ao TDAH possuem tal direito assegurado. Lembramos também que diversas situações de garantias de direitos aos indivíduos com TDAH vêm sendo definidas pelo Poder Judiciário, na falta de uma legislação clara que ampare esses cidadãos.
Diante do exposto, considerando que o tema em tela repercute numa melhor condição de vida, igualdade de direitos e oportunidades aos indivíduos com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtornos Hipercinéticos (CID 10-F90), e ao resgate da dívida histórica que o Estado têm com esses cidadãos que não conseguem amparo legal para os tratamentos recomendados pela própria autoridade sanitária, solicitamos o compromisso dos nobres pares no sentido de aprovarmos a presente proposição.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pelo deputado Doutor Jean Freire. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 5.052/2018, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.