PL PROJETO DE LEI 1103/2023
Projeto de Lei nº 1.103/2023
Dispõe sobre a proibição da pesca predatória na Bacia Hidrográfica do Rio Doce no Estado de Minas Gerais.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica proibida, pelo prazo de cinco anos, a pesca predatória na Bacia Hidrográfica do Rio Doce em toda extensão pertencente ao território do estado de Minas Gerais.
§ 1º – A proibição de que trata o caput engloba, além da pesca predatória, o transporte, a comercialização, o processamento e a industrialização das espécies de peixes presentes na Bacia Hidrográfica do Rio Doce.
§ 2º – A proibição poderá ser revista à medida que novos estudos técnicos e científicos fornecerem subsídios para melhor compreensão dos aspectos da biologia pesqueira dentro da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, com a finalidade de ajustar as medidas de regulamentação para o uso sustentado do recurso pesqueiro.
§ 3º – Os órgãos competentes do Poder Executivo realizarão estudos de monitoramento da ictiofauna na Bacia Hidrográfica do Rio Doce a fim de garantir a efetividade das medidas adotadas nesta lei.
Art. 2º – Para os fins desta lei considera-se:
I – Bacia hidrográfica: o rio principal e o conjunto de corpos d’água que drenam para ele, incluindo seus formadores e afluentes, lagos e lagoas, reservatórios e demais coleções d’água;
II – Espécie autóctone: espécie de origem ou ocorrência natural na própria bacia;
III – Espécie alóctone: espécie de origem ou ocorrência natural em outras bacias hidrográficas brasileiras, quer tenha ou não já sido introduzida na bacia;
IV – Espécie exótica: espécie de origem e ocorrência natural somente em águas de outros países, quer tenha ou não já sido introduzida em águas brasileiras;
V – Espécime híbrido: espécime resultante do cruzamento entre diferentes espécies.
Art. 3º – As proibições desta lei não se aplicam:
I – aos produtos oriundos de piscicultura devidamente registrados e acompanhados de comprovante de origem;
II – à pesca na modalidade “pesque e solte”;
III – à pesca de subsistência;
IV – a pesca de caráter científico autorizada pelo órgão ambiental competente, vedados, entretanto, o embarque, o transporte, a comercialização, o processamento e a industrialização do pescado oriundo dessa modalidade de pesca.
Parágrafo único – Para os fins do disposto no inciso III, considera-se pesca de subsistência aquela praticada por populações ribeirinhas ou por pessoas tradicionalmente dedicadas à atividade pesqueira para consumo doméstico ou escambo sem fins de lucro, utilizando como petrecho apenas linhada de mão, caniço ou vara de bambu natural ou similares.
Art. 4º – O Poder Executivo, por meio do órgão competente, fica autorizado a firmar parcerias com instituições públicas ou privadas de pesquisa, com a finalidade de criar grupo de trabalho técnico, para avaliar o comportamento populacional das espécies e propor medidas e ações inerentes aos objetivos de que trata o § 2º do art. 1º desta lei.
Art. 5º – A infração das medidas previstas nesta lei sujeita o infrator à aplicação das penalidades previstas na Lei n° 14.181, de 17 de janeiro de 2002, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
Art. 6º – Esta lei entra em vigor a partir de sua publicação.
Sala das Reuniões, 14 de julho de 2023.
Enes Cândido, vice-presidente da Comissão Extraordinária de Prevenção e Enfrentamento ao Câncer (PP).
Justificação: Em 2015, com o rompimento da Barragem do Fundão, 55 milhões de metros cúbicos de lama destruiu o distrito de Bento Rodrigues e atingiu 853 quilômetros do Rio Doce, provocando escassez de água, diminuição da pesca, do comércio e do turismo em várias cidades ribeirinhas.
No total, 39 municípios mineiros e do Espírito Santo viram suas vidas afetadas pelo maior desastre ambiental do Brasil. Mais de 2 mil hectares de terras ficaram inundadas e inutilizadas para o plantio. O Rio Doce sem vida, sem vegetação e sem peixes obrigou a todos aqueles que dele tiravam o seu sustento a abandonarem a prática da pesca profissional.
A Bacia Hidrográfica do Rio Doce possui extensão de 879 quilômetros e compreende uma área de drenagem de 86.715 quilômetros quadrados, dos quais 86% estão no Leste de Minas Gerais. Estima-se uma população de 3,5 milhões de habitantes distribuída entre 228 municípios, sendo 200 mineiros.
Após 8 anos do desastre ecológico, o Rio Doce vem se recuperando lentamente. Existem relatos de reaparecimento de espécies que se acreditavam extintas.
É importante ressaltar que os pescadores da região do Rio Doce estão recebendo benefício da Samarco desde a época do desastre e que a piscicultura foi uma das soluções encontradas pelo setor para a comercialização de peixes e recuperação da economia.
Frisa-se, ainda, que, de acordo com a Nota Técnica nº 8/2019 da Anvisa, os pescados da região não são ideais para consumo, principalmente devido às altas concentrações de mercúrio e chumbo.
Em 2022, a Anvisa avaliou mais de 11 mil resultados de análises envolvendo 76 espécies de peixes da Bacia do Rio Doce. As amostras foram coletadas e analisadas sob a coordenação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio – e da Fundação Renova. De acordo com a avaliação, o consumo diário de peixe da região não deve ser maior que 200 g para adultos e de 50 g para crianças.
Esse número foi definido levando em consideração os níveis de contaminação encontrados nas amostras e os níveis tolerados de resíduos. A concentração de mercúrio e chumbo nos peixes coletados é a que mais preocupa, pois ultrapassou a ingestão máxima tolerada (https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2019/peixe-do-rio-doce-riscos-do-consumo).
A conclusão da Anvisa é de que é necessário um monitoramento contínuo para definir melhor o nível de segurança para o consumo de peixe oriundo das regiões afetadas pelo rompimento da barragem em Mariana.
Portanto, este projeto de lei visa não apenas preservar as espécies do Rio Doce, mas também a saúde humana. Além disso, a cota zero despertará uma nova consciência no pescador e no turista.
Sabe-se que o turismo de pesca esportiva no Leste Mineiro ainda é muito incipiente, mas seu potencial é enorme, não somente pelo Rio Doce, mas por toda a sua bacia que é composta de inúmeros afluentes, lagos, represas e lagoas. Porém, para o seu desenvolvimento, é preciso que existam peixes suficientes na bacia e que eles sejam próprios para o consumo.
Além disso, a implantação da cota zero para pesca predatória na extenção da Bacia Hidrográfica do Rio Doce em Minas Gerais possibilitará avançar nas políticas públicas de conservação do ecossistema e dos biomas da Bacia recuperando o estoque pesqueiro e incentivando um modelo de produção sustentável.
A tendência mundial para preservação de peixes de água doce é a cota zero para algumas modalidades de pesca, o que já é realidade em alguns estados brasileiros, como Goiás, Mato Grosso e Tocantins. Modelos de proibição da pesca em rios também são adotados em países como Argentina, Chile e Estados Unidos, além de nações da Europa.
Portanto, acredito que esse é o melhor momento para tratarmos do assunto. É preciso parcimônia, cuidado e zelo para com nossa Bacia Hidrográfica do Rio Doce a fim de que possamos devolver às gerações futuras a dignidade de uma vida melhor.
A implementação de uma política sustentável envolvendo a Bacia Hidrográfica possibilitará o desenvolvimento de uma economia forte para a região, até mesmo para o turismo de pesca, com a criação de inúmeros empregos, o aproveitamento e o fomento da rede hoteleira local, aumento da arrecadação dos municípios, dentre inúmeras outras vantagens.
Em decorrência disto, e enquanto morador de uma das cidades afetadas, acredito que devemos buscar meios para aumentar a qualidade de vida dos munícipes mineiros, razão pela qual trago o presente projeto que visa restaurar e preservar a vida dos peixes na bacia do Rio Doce e seus afluentes e a economia da região.
Assim sendo, conto o apoio dos nobres colegas para juntos aprovarmos matéria de tamanha importância.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Meio Ambiente para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.