PL PROJETO DE LEI 4102/2022
Projeto de Lei nº 4.102/2022
Dispõe sobre educação escolar quilombola no Estado de Minas Gerais.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º –
Art. 2º – A educação escolar quilombola no Estado se orientará pelos seguintes princípios:
I – da memória coletiva;
II – das línguas remanescentes;
III – dos marcos civilizatórios;
IV – das práticas culturais;
V – das tecnologias e formas de produção do trabalho como princípio educativo;
VI – dos acervos e repertórios orais;
VII – dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o patrimônio cultural das comunidades quilombolas de todo o país;
VIII – da territorialidade e respeito aos processos históricos de luta pela regularização dos territórios tradicionais dos povos quilombolas;
IX – reconhecimento dos quilombolas como povos ou comunidades tradicionais;
X – direito ao etnodesenvolvimento, entendido como modelo de desenvolvimento alternativo;
XI – superação do racismo institucional, ambiental, alimentar, entre outros;
XII – a articulação entre os conhecimentos científicos, os conhecimentos tradicionais e as práticas socioculturais próprias das comunidades quilombolas, em processo educativo dialógico e emancipatório.
Art. 3º – São objetivos da educação escolar quilombola no Estado:
I – reconhecer as comunidades quilombolas como povos ou comunidades tradicionais;
II – fortalecer as práticas socioculturais e econômicas das comunidades quilombolas;
III – valorizar a cultura e história quilombola e das comunidades tradicionais;
IV – consolidar as características das identidades étnicas e do modo de vida quilombola;
V – reconhecer a importância dos processos de produção e transmissão do conhecimento das comunidade quilombola;
VI – consolidar a centralidade do território e do histórico de luta para sua consolidação nos processos educativos;
VII – contribuir para a qualidade de vida da comunidade quilombola e para preservação de seu território, de suas tradições locais e dos saberes tradicionais;
Art. 4º – A organização da educação escolar quilombola no Estado atenderá às seguintes diretrizes:
I – autonomia didático-pedagógica das escolas quilombolas de acordo com suas peculiaridades;
II – elaboração de projetos pedagógicos próprios para a educação escolar quilombola com a participação da comunidade;
III – criação e manutenção de programas de formação inicial e continuada do corpo docente da educação básica quilombola;
IV – direção do processo educacional pelo professor oriundo da própria comunidade quilombola;
V – – garantia de manifestação prévia da comunidade escolar no caso de alteração de funcionamento ou de fechamento das escolas quilombolas, nos termos do parágrafo único do art. 28 da Lei Federal nº 9.394, de 1996.
Art. 5º – A educação escolar quilombola será ofertada preferencialmente por estabelecimentos de ensino localizados em comunidades quilombolas reconhecidas pelos órgãos públicos responsáveis.
Parágrafo único – A educação escolar quilombola será ofertada, preferencialmente, por estabelecimentos de ensino localizados em comunidades quilombolas reconhecidas pelos órgãos públicos responsáveis.
Art. 6º – Na organização da educação escolar quilombola no Estado, é garantida a participação de lideranças tradicionais das comunidades na definição e elaboração de:
I – modelo de gestão escolar;
II – administração dos recursos financeiros;
III – projeto político-pedagógico;
IV – proposta curricular;
V – critérios para avaliação sistêmica;
VI – padrões de atendimento;
VII – materiais didático-pedagógicos;
VIII – padrões para construção ou adaptação das edificações escolares;
Art. 7º – O calendário escolar quilombola, respeitando as normas vigentes, poderá adequar-se às especificidades locais de clima e sócio-culturais, bem como deverá incluir datas significativas para a história quilombola, para a comunidade e a população negra.
Art. 8º – A alimentação ofertada dentro das Escolas Quilombolas deve ser voltada à garantia das especificidades socioculturais da comunidade quilombola.
Art. 9º – Para composição do corpo docente das escolas quilombolas, o Poder Público do Estado de Minas Gerais fica autorizado a realizar concurso público específico, considerando sua formação profissional e conhecimento dos saberes tradicionais específicos do quilombo e da cultura africana.
I – Para o preenchimento das vagas do corpo docente das escolas quilombolas, deverá ser seguida a seguinte ordem de preferência: a) Professores e profissionais da educação da mesma comunidade quilombolas a qual se destina a instituição de ensino; b) Professores e profissionais da educação de comunidades quilombolas da região; c) Professores e profissionais da educação de comunidades quilombolas ou que já tenham trabalhado em instituições de ensino quilombolas;
II – A ordem de preferência acima também será válida como critério de classificação para o caso de contratação de professores temporários.
III – No caso de ausência de candidatos que cumpram os requisitos supramencionados, poderão ser contratados professores e profissionais da educação que cumpram com os requisitos curriculares básicos, desde que haja anuência formal das lideranças e mediante prévia formação para inserção na cultura e costumes da comunidade quilombola.
IV – Deverá ser garantida a formulação e manutenção de programas de formação inicial e continuada dos profissionais da educação quilombola.
Art. 10 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 15 de dezembro de 2022.
Andréia de Jesus, presidenta da Comissão de Direitos Humanos (PT).
Justificação: O projeto de lei justifica-se pela necessidade de repensar a educação ofertada aos quilombos, tendo em vista o papel da escola como fonte de conservação e proteção da identidade mineira, principalmente da cultura de matriz africana. Desta maneira, o objetivo é propiciar uma educação centrada na história e cultura quilombola, atenta a participação ativa da comunidade na construção do ensino multicultural e inclusivo.
A construção histórico-cultural mineira é marcada pela resistência negra perpetuada através das comunidades quilombolas, onde os negros mobilizavam-se contra o sistema de cativeiro e tinham autonomia para manter suas práticas agroecológicas e religiosas de matriz africana. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Minas Gerais detém 1021 localidades quilombolas, compostas por territórios quilombolas oficialmente delimitados e definidos em setores censitários, agrupamentos quilombolas definidos em setores censitários e por outras localidades quilombolas. Assim, a manutenção dessas comunidades, e principalmente da sua história e cultura, é indispensável para a afirmação da identidade do povo mineiro, sendo necessárias políticas públicas que incentivem sua preservação.
A atenção às especificidades das comunidades quilombolas na promoção de serviços públicos é essencial para preservação da cultura e costumes dessa população, bem como para o atendimento completo de suas demandas. A participação ativa das lideranças das comunidades quilombolas é essencial para a administração da autonomia histórica que essa população vem exercendo. Nesse sentido, o ambiente escolar ultrapassa os limites curriculares da educação básica, sendo ambiente de pesquisa e promoção de cultura, principalmente dentro de comunidades que desenvolvem conhecimento local próprio, como é o caso dos quilombos.
Assim, a proposta de dar autonomia a população quilombola de participar do processo de elaboração do plano de ensino, calendário escolar, preenchimento de corpo docente e diretoria, ressalta a relevância da memória coletiva, das práticas culturais, da territorialidade e reconhecimento histórico da comunidade quilombola em específico e de toda a cultura de matriz africana existente no Brasil.
Além disso, o ensino centrado nas características quilombolas auxilia na superação do racismo institucional e estrutural, visto que desenvolve dentro da escola, novos espaços pedagógicos que propiciem a valorização da identidade brasileira. Portanto, a criação de uma escola que seja guiada por princípios atentos à lógica da comunidade quilombola e que garanta a participação ativa da população atendida, é fundamental para permanência da história negra do estado de Minas Gerais.
Ressalta-se que, bem como prevê o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), é indispensável para a qualidade do ensino brasileiro a presença de conteúdos sobre a história e cultura da África e da população negra nas escolas brasileiras, o que abrange o contexto das comunidades tradicionais e quilombolas, reafirmando a necessidade do presente projeto de lei.
Considerando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, sobre povos indígenas e tribais, é indispensável para consolidação dos direitos humanos desses povos a elaboração de programas e serviços de educação com a participação da comunidade, abrangendo sua história, seus conhecimentos e técnicas, sistemas de valores e demais aspirações sociais, econômicas e culturais.
Por todo o exposto, contamos com o apoio dos nobres pares para a aprovação da presente proposição.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Direitos Humanos e de Educação para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.