PL PROJETO DE LEI 3952/2022
Projeto de Lei nº 3.952/2022
Declara patrimônio histórico, cultural e imaterial do Estado o uso e a coleta das águas nas Estâncias Hidrominerais de Cambuquira, Caxambu, Lambari, Conceição do Rio Verde, São Lourenço, Caldas e Poços de Caldas.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica declarado como patrimônio histórico, cultural e imaterial do Estado de Minas Gerais o uso e a coleta das águas nas Estâncias Hidrominerais de Cambuquira, Caxambu, Lambari, Conceição do Rio Verde, São Lourenço, Caldas e Poços de Caldas.
Art. 2º – Cabe ao Poder Executivo a adoção das medidas cabíveis para registro do bem cultural de que trata esta lei, nos termos do Decreto nº 42.505, de 15 de abril de 2002.
Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 17 de agosto de 2022.
Beatriz Cerqueira, presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia (PT).
Justificação: É sabido que as Estâncias Hidrominerais do sul de Minas Gerais, especificamente nos municípios de Cambuquira, Caxambu, Lambari, Conceição do Rio Verde, São Lourenço, Caldas e Poços de Caldas foram fundadas a partir da coleta e uso das águas minerais, desde seus primórdios no século 19, e vêm passando por processos e acontecimentos que se configuram próprios das Estâncias Climáticas e Hidrominerais do país.
Existe, portanto, uma identificação natural com a região, que gera o pertencimento regional e que observamos nos modos de viver, saber e fazer de um povo, o povo das águas da Mantiqueira.
Encontramos nestas estâncias hidrominerais importantes resquícios e características da cultura de cura centrada na água mineral e a construção dos hábitos que se constituíam em passatempos dos “curistas” ou “veranistas”, depois chamados de turistas, com a prática de coleta e uso de águas minerais para fins diversos.
Essa coleta e uso de águas acontece na região há séculos, desde os povos originários. Depois, com a vinda dos bandeirantes, tropeiros e entrantes, permaneceu a prática na região da busca da cura pelas águas.
Um dos caminhos promissores que enxergamos como fonte de mudanças reais será o registro e tombamento da cultura das águas, associado ao ensino do que se constitui patrimônio cultural material e imaterial, cumprindo o artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que estabelece: “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
A prática da coleta de águas se afigura de acordo com o entendimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan –, dispondo que “o patrimônio imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado e apropriado por indivíduos e grupos sociais como importantes elementos de sua identidade, está enraizado no cotidiano das comunidades, vinculado ao seu território e às condições materiais de existência”.
Outro caminho importante, certamente, é a organização de fóruns e eventos que têm como finalidade o debate entre profissionais, estudiosos e comunidade, visando à preservação e consciência da população e o intercâmbio de ideias, o que temos feito, na região, com a organização do Fórum Alternativo das Águas Minerais – Fama.
Nos últimos anos foram organizados os eventos “I Fama Minerais” (Primeiro Fórum Alternativo para Águas Minerais), com o tema “Identidade Jurídica e Sociocultural das Águas Minerais”, “II Fama Minerais” (Segundo Fórum Alternativo para Águas Minerais), com o tema “Águas Virtuosas?”, em parceria com a Universidade Federal de Lavras (Ufla) e o I Congresso Internacional de Termalismo no Balneário de Caldas.
Tais eventos geraram livros de enorme importância para os estudiosos do tema das águas, como “Clamor das águas: a busca por nova identidade para as águas minerais no Brasil”, publicado em 2018, e “Ecologias das águas: o futuro em construção”, publicado em 2019.
As Organizações da Sociedade Civil (OSCs) da região vêm trabalhando, há largas décadas, com o fomento de bens e valores socioambientais, de caráter científico e cultural, em especial com a defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, aos recursos hídricos, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos, notadamente os relativos às águas minerais e aos parques das águas, com ações voltadas para cidadania, ética, dignidade, direitos humanos, democracia e outros valores correlatos.
Elas tem promovido, realizado e divulgado pesquisas e estudos, organizando documentação e desenvolvendo projetos aplicados à defesa do meio ambiente, dos recursos hídricos, do patrimônio cultural, dos direitos humanos e dos povo.
Também existe o trabalho com a criação de material didático, como cartilhas, folders, transpondo o ensino da “Água como Patrimônio Cultural Imaterial”, uma vez que há carência de material que subsidie a atuação dos professores em um projeto de educação socioambiental e patrimonial de tal porte, o que valorizaria tal bem pelos próprios munícipes, que estariam em melhores condições de defenderem seu mais precioso bem.
No que se refere à identidade sociocultural dos povos das águas da Mantiqueira, em 2021, foi desenvolvido trabalho inovador de registro do ato de coleta de água mineral como patrimônio imaterial, com elaboração de dossiê e inventário da prática cultural de coleta água mineral, o que se requer, através desse ofício, que seja desenvolvido o mesmo trabalho a nível do Estado de Minas.
A prática de coleta das águas deve ser protegida. Tais águas mineromedicinais brotam gratuitamente do nosso solo, são abundantes, variadas e “milagrosas”, pois, além de servirem ao consumo, também são aplicadas em tratamentos de saúde.
Elas contêm em sua composição vários minerais, tais como ferro, magnésio, enxofre e lítio, e tiveram seu auge com a aplicação da Crenoterapia, que são tratamentos de saúde baseados na ingestão das águas em jejum e banho de águas minerais, em que os turistas visitavam as cidades e passavam longas temporadas em tratamento.
Há experiências bem sucedidas de revitalização e recuperação dessas estâncias. Como exemplo, podemos citar o caso do município de Caldas, que incorporou com sucesso o termalismo como tratamento oferecido à população pelo SUS, demostrando a efetividade de melhoria da saúde coletiva deste município e cidades vizinhas.
Temos uma água que é um bem de altíssima potencialidade sociocultural, turística e medicinal, essencial para a identidade de nossa comunidade, mas que, diante do tratamento a ela destinado, encontra-se em estado vulnerável.
Vale ressaltar que o Projeto de Lei em tela é resultado da escuta da população e movimentos sociais que participaram da audiência pública realizada na 28ª reunião extraordinária da Comissão de Administração em 16 de agosto de 2022 que teve por objetivo debater as alienações, promovidas pela Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais – Codemge –, de direitos minerários das águas minerais naturais do Estado.
Diante de todo o exposto, solicito o apoio dos nobres pares para a aprovação desse projeto de lei que tem por objetivo declarar como patrimônio histórico, cultural e imaterial do Estado de Minas Gerais o uso e a coleta das águas nas Estâncias Hidrominerais de Cambuquira, Caxambu, Lambari, Conceição do Rio Verde, São Lourenço, Caldas e Poços de Caldas, visando a sua conservação.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Cultura para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.