MSG MENSAGEM 215/2022
MENSAGEM Nº 215/2022
Belo Horizonte, 19 de julho de 2022.
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa,
Vossas Excelências – Senhoras e Senhores Deputados,
Povo de Minas Gerais
Com meus cordiais cumprimentos, comunico a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados – e ao Povo Mineiro que, nos termos do inciso II do art. 70 da Constituição do Estado, decidi opor veto parcial, por inconstitucionalidade, à Proposição de Lei Complementar nº 175, de 2022, que altera a Lei nº 5.301, de 16 de outubro de 1969, que contém o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais, e dá outras providências.
Ouvidas a Secretaria de Estado de Governo – Segov, a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão – Seplag, a Advocacia-Geral do Estado – AGE, a Consultoria Técnico-Legislativa – CTL e as demais secretarias e órgãos afetos à matéria objeto desta mensagem, sintetizo, a seguir, os motivos do veto.
O § 5º do art. 15 da Lei nº 5.301, de 16 de outubro de 1969, acrescido pelo art. 4º da Proposição
“Art.15 – (…)
§ 5º – O cômputo do cumprimento da carga horária semanal de trabalho será apurado ao final de noventa dias, e o somatório da carga horária não poderá exceder cento e sessenta horas por mês.”.
Motivos do Veto
Observo, de início, que o § 5º acrescentado ao art. 15 da Lei nº 5.301, de 1969, inserido na proposição a partir de emenda parlamentar, versa sobre regime jurídico dos servidores militares. Nesse contexto, em sintonia com a Constituição da República e a Constituição do Estado, a matéria constante do dispositivo vetado é de iniciativa privativa – ou, mais tecnicamente dizendo, exclusiva – do Chefe do Poder Executivo.
Nesses termos, o regime jurídico dos servidores estaduais, inclusive o dos servidores militares, é matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal – STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 766 MC), no voto do Ministro Celso de Mello, reconheceu a inconstitucionalidade da iniciativa parlamentar para apresentar lei que dispunha sobre o regime jurídico e a remuneração de servidores do Poder Executivo:
“EMENTA: ADIN – LEI COMPLEMENTAR 9.643/92, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PUBLICOS – ABRANGENCIA CONCEITUAL – JORNADA EXTRAORDINÁRIA DE TRABALHO E ADICIONAL DO TRABALHO NOTURNO – USURPAÇÃO DO PODER DE INICIATIVA RESERVADA CONFERIDO AO CHEFE DO EXECUTIVO – MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. – A locução constitucional “regime jurídico dos servidores públicos” corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes. – A cláusula de reserva pertinente ao poder de instauração do processo legislativo traduz postulado constitucional de observância compulsória pelos Estados-membros. Incide em vício de inconstitucionalidade formal a norma legal estadual que, oriunda de iniciativa parlamentar, versa matéria sujeita a iniciativa constitucionalmente reservada ao Chefe do Poder Executivo.” (ADI 766 MC, Relator Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/1992, DJ 27-05-1994, grifo nosso)
Ademais, cumpre salientar que a expressão “carga horária” a que se refere o artigo da proposição insere-se em temática própria e específica do regime jurídico dos servidores públicos civis e militares, conforme reconhecido na decisão acima referenciada:
“Parece-me evidente que a Lei Complementar ora questionada veicula normas que se submetem, em função de seu próprio conteúdo material, ao exclusivo poder de iniciativa do Chefe do Executivo estadual.
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto – e especialmente no que concerne ao sentido da locução constitucional regime jurídico dos servidores públicos –, que esta expressão exterioriza o conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes.
Trata-se, em essência, de noção que, em virtude da extensão de sua abrangência conceitual, compreende todas as regras pertinentes (a) às formas de provimento; (b) às formas de nomeação; (c) à realização do concurso; (d) à posse; (e) ao exercício, inclusive as hipóteses de afastamento, de dispensa de ponto e de contagem de tempo de serviço; (f) às hipóteses de vacância; (g) à promoção e respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação final (cursos, títulos, interstícios mínimos); (h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; (i) às reposições salariais e aos vencimentos; (j) ao horário de trabalho e ao ponto, inclusive os regimes especiais de trabalho; (k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo e acumulações remuneradas; (l) às férias, licença em geral, estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; (m) aos deveres e proibições; (n) às penalidades e sua aplicação; (o) ao processo administrativo.” (ADI 766 MC, Relator Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/1992, DJ 27-05-1994, grifo do autor)
Portanto, o veto ao § 5º do art. 15 da Lei nº 5.301, de 1969, acrescido pelo art. 4º da proposição tem fundamento em sua inconstitucionalidade.
O § 4º do art. 207 e o caput do art. 214 da Lei nº 5.301, de 1969, com as redações dadas, respectivamente, pelos arts. 20 e 21 da Proposição
Art. 20 – O § 4º do art. 207 da Lei nº 5.301, de 1969, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 207 – (…)
§ 4º – A promoção por tempo de serviço à graduação de Cabo poderá ser concedida em qualquer data e seus efeitos retroagem, para todos os fins de direito, à data em que o militar completou sete anos de efetivo exercício.”.
Art. 21 ‒ O caput do art. 214 da Lei nº 5.301, de 1969, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 214 ‒ A promoção por tempo de serviço é devida ao Soldado de 1ª Classe que tenha, no mínimo, sete anos de efetivo exercício e ao Cabo que tenha, no mínimo, sete anos de efetivo exercício na mesma graduação, observado o disposto nos incisos I, II, IV e VI do caput do art. 186 e nos arts. 187, 194, 198 e 203.”.
Motivos do Veto
Informo, de início, que apesar dos dispositivos vetados terem sido originalmente propostos pelo Chefe do Poder Executivo, os prazos referentes à promoção de cabo ou soldado foram materialmente alterados via emenda parlamentar, reduzindo-se de oito anos – redação original proposta – para sete anos.
Nesse contexto, destaco que o art. 68 da Constituição do Estado dispõe sobre as limitações quanto ao acréscimo de despesas a projetos de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Por sua vez, o Regimento Interno da Assembleia Legislativa, em seu art. 187, está em sintonia com a Constituição do Estado, estabelecendo que não será admitido aumento da despesa prevista em projeto de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, ressalvada a comprovação da existência de receita e o disposto no inciso III do art. 160 da Constituição do Estado. Logo, por meio de emenda parlamentar da qual resultou o dispositivo ora vetado, a Assembleia contrariou norma expressa da Constituição e de seu próprio regimento.
Além disso, a Constituição da República, em seu art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, estabelece que a proposição legislativa que cria ou altera despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, o que não se fez.
Por seu turno, o art. 16 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, determina que a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de: a) estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes; b) declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias. Portanto, fica uma vez mais destacada a antijuridicidade da emenda parlamentar, já que não foi instruída das referidas estimativas ou declarações exigidas no ADCT da Constituição da República e na LRF, caracterizando-se como medida de irresponsabilidade fiscal.
Ressalto que, em relação ao referido art. 113 do ADCT, o STF reconheceu sua normatividade em âmbito nacional, estabelecendo obrigações a todos os entes federativos e, por óbvio, a todos os Poderes e órgãos estatais, no exercício de suas respectivas competências. Nesse sentido o seguinte precedente em relação à Lei nº 1.237, de 22 de janeiro de 2018, do Estado de Roraima:
“EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO FINANCEIRO. LEI Nº 1.237, DE 22 DE JANEIRO DE 2018, DO ESTADO DE RORAIMA. PLANO DE CARGOS, CARREIRAS E REMUNERAÇÕES DOS SERVIDORES PÚBLICOS EFETIVOS DA ÁREA ADMINISTRATIVA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA – UERR. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 169, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E 113 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS – ADCT. A AUSÊNCIA DE PRÉVIA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA NÃO IMPLICA INCONSTITUCIONALIDADE. IMPEDIMENTO DE APLICAÇÃO DA LEI CONCESSIVA DE VANTAGEM OU AUMENTO DE REMUNERAÇÃO A SERVIDORES PÚBLICOS NO RESPECTIVO EXERCÍCIO FINANCEIRO. NÃO CONHECIMENTO DA AÇÃO DIRETA QUANTO À SUPOSTA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 169, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O ARTIGO 113 DO ADCT DIRIGE-SE A TODOS OS ENTES FEDERATIVOS. AUSÊNCIA DE ESTIMATIVA DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO E FINANCEIRO DA LEI IMPUGNADA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. CONHECIMENTO PARCIAL DA AÇÃO E, NA PARTE CONHECIDA, JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. 1. A jurisprudência desta Casa firmou-se no sentido de que a ausência de dotação orçamentária prévia apenas impede a aplicação da legislação que implique aumento de despesa no respectivo exercício financeiro, sem que disso decorra a declaração de sua inconstitucionalidade. Precedentes. Ação direta não conhecida quanto à suposta violação do artigo 169, § 1º, da Constituição Federal. 2. O artigo 113 do ADCT tem caráter nacional e irradia obrigações a todos os entes federativos. Precedentes. 3. A Lei nº 1.237/2018 do Estado de Roraima cria e altera despesas obrigatórias de forma a gerar impacto orçamentário. A ausência de prévia instrução da proposta legislativa com a estimativa do impacto financeiro e orçamentário, nos termos do art. 113 do ADCT, aplicável a todos os entes federativos, implica inconstitucionalidade formal. 4. O ato normativo, não obstante viciado na sua origem, acarretou o pagamento a servidores. O caráter alimentício das verbas auferidas demonstra a inviabilidade de ressarcimento dos valores. Modulação dos efeitos da decisão para proteger a confiança legítima que resultou na aplicação da lei e preservar a boa-fé objetiva. 5. Conhecimento parcial da ação direta e, na parte conhecida, julgado procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei nº 1.237, de 22 de janeiro de 2018, do Estado de Roraima, com efeitos ex nunc a contar da data da publicação da ata do julgamento.” (ADI 6102, Relatora Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 21/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-025 DIVULG 09-02-2021 PUBLIC 10-02-2021)
Em suma, as alterações realizadas nos arts. 20 e 21 resultam de emenda parlamentar e geram impactos financeiros sem previsão de fonte orçamentária. Portanto, o veto aos arts. 20 e 21 da proposição tem fundamento em sua inconstitucionalidade.
Em conclusão, Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados, esses são os motivos de inconstitucionalidade que me levam a vetar parcialmente a proposição acima.
Nesses termos, submeto os motivos de veto à apreciação e à deliberação da Assembleia Legislativa, conforme dispõe o § 5º do art. 70 da Constituição do Estado.
Na oportunidade, reitero meu apreço e consideração a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados – e ao Povo Mineiro.
Romeu Zema Neto, Governador do Estado.