MSG MENSAGEM 203/2022
MENSAGEM Nº 203/2022
Belo Horizonte, 20 de junho de 2022.
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa,
Vossas Excelências – Senhoras e Senhores Deputados,
Povo de Minas Gerais,
Com meus cordiais cumprimentos, comunico a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados – e ao Povo Mineiro que, nos termos do inciso II do art. 70 da Constituição do Estado, decidi opor veto total, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, à Proposição de Lei nº 25.133, de 2022, que altera a Lei nº 14.184, de 31 de janeiro de 2002, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da administração pública estadual.
Ouvidas a Secretaria de Estado de Governo – Segov, a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão – Seplag, a Secretaria de Estado de Fazenda – SEF, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Semad, a Advocacia-Geral do Estado – AGE, a Consultoria Técnico-Legislativa – CTL e as demais secretarias e órgãos afetos à matéria objeto desta mensagem, sintetizo, a seguir, os motivos do veto.
Motivos do Veto
A proposição de lei tem por objetivo ajustar as regras do processo administrativo estadual ao Código de Processo Civil – CPC, Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015. Para tanto, promove alterações pontuais na Lei nº 14.184, de 2002, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual.
De início, destaco que, ainda que a Assembleia possua competência legislativa para iniciar projetos de lei em matéria de processo administrativo fora das competências exclusivas e privativas do Poder Executivo, a presente proposição é, em parte, inconstitucional em relação à não previsão do custo financeiro-orçamentário da intimação pessoal.
A exigência de intimação pessoal da pessoa natural ou pessoa jurídica para fins de processo administrativo junto à Administração Pública gera ônus financeiro-orçamentário para o Estado. Logo, a Assembleia haveria que se pautar pela observância da norma constitucional que exige, no processo legislativo, a estimativa de impacto financeiro-orçamentário nas hipóteses de proposição de lei que cria ou altera despesa obrigatória, nos termos do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT – da Constituição da República. Entretanto, não houve, pelo histórico legislativo, a apresentação da referida estimativa.
Quanto ao conteúdo, a proposição desvela contrariedade ao interesse público sob três perspectivas.
A primeira contrariedade ao interesse público se revela na determinação de intimação pessoal do interessado. Conforme já dito, além do impacto financeiro-orçamentário, a alteração é absolutamente anacrônica, disfuncional e gera insegurança jurídica. Caminha-se, no médio prazo, para a consolidação de processos, procedimentos e atos eletrônicos ou informatizados até mesmo em foro judicial, como se pode verificar pela literalidade do art. 246 do CPC, dispositivo alterado recentemente pela Lei Federal nº 14.195, de 26 de agosto de 2021: “a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça.”
Sabe-se, contudo, que os meios eletrônicos de intimação não substituirão, de per si, e em tempo razoável, os instrumentos convencionais realizados por correios, publicação em Diário Oficial ou até por oficial de justiça.
Por essa razão, e diferentemente do que consta da proposição, a atual redação do § 3º do art. 37 da Lei nº 14.184, de 2002, em conceito juridicamente aberto, mostra-se bem mais adequada à complexidade e à dinamicidade do cotidiano ao autorizar a utilização de qualquer meio idôneo de comunicação no âmbito do processo administrativo estadual, nesse conceito juridicamente aberto inclui-se a comunicação eletrônica dos atos processuais. Ressalta-se que a intimação eletrônica ou por outro meio idôneo – como a publicação em diário oficial – resguarda direitos, garantias e deveres constitucionais e legais de todos os interessados.
Somados a esses aspectos, o conceito juridicamente aberto de “meio idôneo” para a comunicação dos atos processuais, utilizado pela norma em vigor (§ 3º do art. 37 da Lei nº 14.184, de 2002), é menos oneroso para os cidadãos, é mais eficaz, atual e célere em relação ao processo administrativo. O conceito de “meio idôneo” amplia as alternativas razoáveis de intimação pela Administração Pública, sem se descurar da proteção das garantias constitucionais e legais dos interessados e evita simulações com a finalidade de dificultar a efetivação da comunicação dos atos processuais. Em acréscimo, eventuais vícios de comunicação dos atos processuais que possam causar prejuízos aos interessados são aferíveis, corrigíveis ou até invalidáveis pela própria Administração ou pelos órgãos de controle externo, preservando-se o devido processo legal.
A segunda contrariedade ao interesse público diz respeito à contagem dos prazos processuais em dias úteis. A aparente adequação da norma administrativa às diretrizes do CPC causa impacto substancial na dinâmica dos órgãos administrativos. A alteração da metodologia de contagem dos prazos afeta, sobremaneira, a celeridade do processo administrativo em matérias e pautas completamente distintas e transversais a diversos órgãos e entidades, com possibilidade de repercussão para além dos interesses das partes e das necessidades e particularidades da gestão pública e do interesse público. Ademais, o processo administrativo tem natureza jurídica própria, não lhe sendo necessariamente aplicáveis as diretrizes do CPC, cuja incidência é apenas supletiva e subsidiária para situações específicas (art. 15 do CPC).
A terceira contrariedade ao interesse público se constata na alteração do art. 60 da Lei nº 14.184, de 2002.
Prevê-se a interrupção e a suspensão dos prazos processuais entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive. Porém, a proposição não ressalvou do seu alcance eventuais medidas urgentes, o que pode gerar efeito processual diverso do pretendido. Trata-se de período de transição de ano civil muito sensível a eventos oficiais, feriados festivos e incidentes causados pela natureza e pela ação humana que podem demandar a tramitação regular de processos administrativos, consideradas as especificidades e o interesse público dos diversos órgãos e entidades afetos. Logo, a alteração mereceria assegurar à Administração Pública a prerrogativa para adotar medidas urgentes no âmbito de seu mérito administrativo, o que não se fez.
A proposição ainda retira das hipóteses hoje previstas nos incisos do caput do art. 60 os institutos jurídicos da situação de emergência e do estado de calamidade pública, mantendo apenas a hipótese de força maior, conceito juridicamente aberto. Porém, tal supressão causa confusão hermenêutico-concretizadora entre os três institutos jurídicos, que se distinguem pelos fundamentos, requisitos e efeitos. Aliás, e infelizmente, a diferenciação entre os institutos jurídicos se pôde aferir durante a vigência do estado de calamidade pública em decorrência da COVID-19 e a ainda vigente situação de emergência em saúde pública também pela COVID-19. E nenhuma das duas hipóteses mencionadas se consubstanciam na situação de força maior, como conceito juridicamente aberto. Parece, aqui, haver uma confusão conceitual dos institutos extraordinários do direito. Assim, a supressão dos dois institutos é contrária ao interesse público.
Por fim, não fosse ainda o aparente equívoco conceitual, a atecnia advinda da alteração dos incisos do caput do art. 60 causa outra confusão hermenêutica. Conforme já dito, a proposição agrega, de modo equivocado, os institutos jurídicos da situação de emergência e do estado de calamidade pública no mesmo conceito juridicamente aberto de força maior. Porém, no § 3º do art. 60 foram mantidos tais institutos de forma especificada, o que não se dá no § 4º, se mantida a alteração do inciso II do caput nos termos da proposição. Assim, na eventual ocorrência de situação de emergência ou de estado de calamidade pública haverá dúvida fundada quanto à suspensão e à interrupção de prazos prescricionais de processos administrativos.
Em conclusão, Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados, esses são os motivos de inconstitucionalidade e de contrariedade ao interesse público que me levam a vetar totalmente a proposição acima.
Nesses termos, submeto os motivos de veto à apreciação e à deliberação da Assembleia Legislativa, conforme dispõe o § 5º do art. 70 da Constituição do Estado.
Na oportunidade, reitero meu apreço e consideração a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados – e ao Povo Mineiro.
Romeu Zema Neto, Governador do Estado.