PL PROJETO DE LEI 2882/2021
Projeto de Lei nº 2.882/2021
Altera a Lei Estadual nº 15.424/2004 que dispõe sobre a fixação, a contagem, a cobrança e o pagamento de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, o recolhimento da Taxa de Fiscalização Judiciária e a compensação dos atos sujeitos à gratuidade estabelecida em lei federal e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica o artigo 20 da Lei Estadual nº 15.424/2004, de 30 de dezembro de 2004, acrescido do inciso XII, com o seguinte teor: “Art. 20 (...) XII – a retificação de prenome, agnome e/ou sexo no registro civil de nascimento e de casamento de travestis, transexuais, transgêneros e demais dissidentes de gênero, abrangendo a expedição de todas as certidões necessárias a este fim pelo respectivo ofício do RCPN, incluindo as primeiras certidões de inteiro teor a serem emitidas após a conclusão do procedimento.”.
Art. 2º – A gratuidade de que trata este artigo será suprida pelo fundo de compensação por atos gratuitos que consta no art. 31 da Lei Estadual nº 15.424 de 2004.
Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 30 de junho de 2021.
Andréia de Jesus, presidenta da Comissão de Direitos Humanos (PSOL).
Justificação: O Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF – reconheceu, em março de 2018, no contexto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.275 o direito das pessoas transgêneros, independente de cirurgias de redesignação de gênero ou de tratamentos hormonais, de substituírem os seus prenomes e sexo diretamente perante as autoridades do ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN).
Em junho de 2018 foi publicado o Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que dispôs sobre todo o procedimento de averbação da retificação do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e de casamento de pessoa transgênero no ofício de RCPN, respeitando o direito à identidade de gênero autopercebida entre aqueles maiores de 18 (dezoito) anos. Assim, independente de ação judicial, de intervenção cirúrgica e de tratamentos hormonais, foi autorizado, com base na autonomia da pessoa que formula o pedido, a possibilidade de manifestar a sua vontade em proceder à adequação de sua identidade e, para isso, podendo optar pela retificação do prenome, do agnome, do gênero, ou de todos estes.
Em sede de Recurso Extraordinário (RE) nº 670422, que recebeu provimento em agosto de 2018, o STF decidiu no sentido de reforçar a decisão tomada anteriormente na ADI nº 4.275, afirmando que: “i) O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa; ii) Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo 'transgênero'; iii) Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial; iv) Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar de ofício ou a requerimento do interessado a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos”.
A própria Lei Federal nº 9.534 de 1997, ao modificar a Lei Federal nº 6.015 de 1973, vedou aos ofícios RCPN a cobrança de emolumentos relativos ao registro civil de nascimento e de óbito, bem como da primeira certidão emitida em seguida, viabilizando que aqueles indivíduos economicamente vulneráveis obtenham isenção do pagamento dos emolumentos pelas demais certidões extraídas pelo ofício de RCPN. Para o reconhecimento da situação de vulnerabilidade socioeconômica basta a autodeclaração do interessado, acompanhada de assinatura de duas testemunhas, como dispõe o art. 30, parágrafo 2º da Lei nº 6.015/73.
Desta forma, a adoção do nome social como expressão de identidade e de dignidade humana é um direito constitucional, reconhecido pelo STF – Supremo Tribunal Federal em mais de uma oportunidade.
Referido direito decorre de inúmeros documentos internacionais adotados pelo Brasil, e também de legislações como o Decreto nº 8.727, de 2016, sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional; e a portaria da PGR/MPU nº 7, de 2018, sobre uso do nome social pelas pessoas transgênero usuárias dos serviços, pelos membros, servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados, no âmbito do MPU.
No mesmo mês e ano, o plenário do TSE decidiu, por unanimidade, que travestis, transexuais e transgêneros podem solicitar à Justiça Eleitoral emissão de título de eleitor com seu respectivo nome social em vez do nome civil. Na sessão de julgamento, os ministros também determinaram que o cadastro eleitoral deve possuir informações relativas aos dois nomes, tanto o social quanto o civil, sendo a eventual candidatura a cargo público feita a partir do nome social do candidato, para preservação de sua intimidade.
Em maio de 2017, a 4ª turma do STJ também decidiu, ao julgar o REsp nº 1.626.739, pelo direito de transexual de alterar o nome em seu registro civil mesmo sem cirurgia. Na ocasião, o relator, ministro Luís Felipe Salomão pontuou que a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, destacou, a exigência de cirurgia para viabilizar a mudança do sexo registral “vai de encontro à defesa dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos – máxime diante dos custos e da impossibilidade física desta cirurgia para alguns –, por condicionar o exercício do direito à personalidade à realização de mutilação física, extremamente traumática, sujeita a potenciais sequelas (como necrose e incontinência urinária, entre outras) e riscos (inclusive de perda completa da estrutura genital)”. O voto foi seguido por três dos quatro colegas de turma, garantindo ao requerente o direito de mudança do registro civil.
Em que pese esse grande avanço conquistado no Poder Judiciário no sentido de que o transgênero possa alterar seu prenome e sua classificação de gênero no registro civil, infelizmente, na prática, tal situação é obstaculizada em função dos valores que hoje são cobrados pelos ofícios de RCPN no âmbito do Estado de Minas Gerais, sendo o fator econômico um impeditivo ante a garantia conquistada na corte Suprema.
A gratuidade das taxas relativas à emissão de certidões e à retificação de documentos nos ofícios de RCPN das pessoas transgêneras viabilizará o exercício do Direito à Identidade, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal, e do Direito ao Nome, expresso no artigo 16 do Código Civil.
Cabe ressaltar que, em dossiê de 2020 (https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/01/dossie-trans-2021-29jan2021.pdf) elaborado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) resta clara a condição de vulnerabilidade socioeconômica desta parcela da população, uma vez que 87,3% destas pessoas afirmam que dentre as suas necessidades principais estão o emprego e a renda (p.9). Neste sentido, em relação à situação laboral, estimativas constantes deste dossiê dão conta de que apenas 4% da população trans feminina possui empregos formais e 6% possui trabalhos informais e subempregos (p.44/45).
A baixa escolaridade da maioria desta população ocasionada por fatores como a exclusão social e as dificuldades no seio familiar, culminam em dificuldades no acesso a empregos com renda estável, tornando os subempregos e a prestação de serviços uma alternativa para o acesso a uma renda mínima. Neste contexto, a prevalência da vulnerabilidade econômica nesta população impede o seu acesso aos serviços notariais, uma vez que os valores praticados pelos ofícios de RCPN para a emissão de certidões e a realização de procedimentos de retificação estão além das possibilidades da maioria da população transgênera.
Desta forma a presente propositura tem o objetivo de permitir que a averbação da alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil, a ser realizada perante os ofícios de RCPN no âmbito do Estado de Minas Gerais sejam gratuitos, vedando, assim, a cobrança de emolumentos para todas as certidões envolvidas no procedimento de retificação de registro civil, incluídas as primeiras certidões de inteiro teor emitidas após a conclusão do aludido processo.
Para garantir o ato gratuito sem prejuízo aos ofícios RCPN do Estado de Minas Gerais, está prevista a compensação do ato gratuito na forma Arts. 31 e 38, II, da Lei nº 15.424, de 30 de dezembro de 2004 segundo o disposto na Lei Federal nº 10.169/2000.
Pelos fatos expostos e pela relevância do tema, contamos com o apoio dos nobres pares para a aprovação do presente projeto de lei por se tratar de grande interesse público e promoção da dignidade da pessoa humana nos termos da Constituição Federal.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Direitos Humanos e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.