PRE PROJETO DE RESOLUÇÃO 109/2021
Projeto de Resolução nº 109/2021
Susta os efeitos do Decreto 48121, de 13 de Janeiro de 2021, que “Disciplina a autorização para prestação de serviço de transporte de passageiro, não aberto ao público, caracterizado como fretamento contínuo ou eventual”.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais aprova:
Art. 1º – Ficam sustados, em conformidade com o Art. 62, inciso XXX, da Constituição do Estado de Minas Gerais e art. 100, inciso XVII e § 1º, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, os efeitos do Decreto 48121, de 13 de Janeiro de 2021, que “Disciplina a autorização para prestação de serviço de transporte de passageiro, não aberto ao público, caracterizado como fretamento contínuo ou eventual”.
Art. 2º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 29 de janeiro de 2021.
Alencar da Silveira Jr. (PDT)
Justificação: O Governador do Estado de Minas Gerais editou o Decreto, nº 48.121, de 13.1.21, que “Disciplina a autorização para prestação de serviço de transporte de passageiro, não aberto ao público, caracterizado como fretamento contínuo ou eventual”.
Ao que parece, a finalidade da norma editada é a de estabelecer “novos parâmetros para o transporte fretado”. Tal decreto, anunciado e alardeado pelo poder executivo e seus idealizadores como “modernização”, tem cláusula de vigência de 30 (trinta) dias de sua publicação, entrará em vigor em 12 de Fevereiro de 2021.
O Decreto 48. 121 revoga o Decreto nº 44.035, de 01.6.05, contraria legislação estadual editada por esta casa, o que reforça a necessidade de uma medida célere por parte desta Assembleia Legislativa.
O presente Projeto de Resolução tem por fundamento o artigo 62, XXX, da Constituição Mineira, que estabelece como poder-dever desta Casa Legislativa “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.
A autoria individual de parlamentar está prevista no art. 100, XVII, c/c § 1º da Resolução 5176/1997.
E é justamente o caso que se apresenta.
A Constituição do Estado de Minas Gerais dispõe que:
Art. 10 – Compete ao Estado:
(…).
X – explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços de transporte rodoviário estadual de passageiros e de transporte aquaviário que não transponham os limites de seu território, e diretamente, ou mediante concessão, permissão ou autorização, a infraestrutura e os serviços de transporte ferroviário que não transponham os limites de seu território;
(…).
Verifica-se pois, que por imposição constitucional, o serviço de transporte rodoviário estadual de passageiros é público, sujeito à normas de ordem pública, fiscalizado pelo poder público.
Cabe ao Estado editar normas para o exercício da concessão e a exploração do serviço de transporte intermunicipal de passageiros, assim com o fazem a União e os Municípios, no âmbito de suas competências.
E assim o fez, através da edição de diversas normas, em especial, in casu, a Lei 19.445/2011, flagrantemente desrespeitada pelo Decreto 48121.
O Decreto nº 48.121/21 inova a ordem jurídica, criando um modelo de transporte fretado diferente dos limites estabelecidos pela Lei nº 19.445, de 11.1.11, segundo a qual:
"Art. 2º – Para os efeitos desta lei, considera-se clandestino o transporte metropolitano ou intermunicipal remunerado de passageiros, realizado por pessoa física ou jurídica, em veículo particular ou de aluguel, que:
I – não possua a devida concessão, permissão ou autorização do poder concedente;
(...).
Art. 3º – Não será considerado clandestino o transporte metropolitano ou intermunicipal de passageiros realizado eventualmente por automóvel provido de taxímetro e devidamente autorizado pelo poder público municipal, desde que o retorno ao Município de origem da autorização seja realizado com o mesmo passageiro do trajeto de ida ou com o veículo vazio.
Parágrafo único. No caso do transporte previsto no caput deste artigo, é vedado:
I – realizar serviço com característica de transporte coletivo, incluída a fixação de itinerário ou de horário regular para embarque ou desembarque de passageiros, a lotação de pessoas, a venda de passagens e a cobrança de preço por passageiro;
II – embarcar ou desembarcar passageiros ao longo do itinerário;
III – recrutar passageiros, inclusive em terminais rodoviários ou pontos de embarque e desembarque do transporte coletivo;
IV – utilizar, em qualquer ponto do início ao fim do trajeto, terminais rodoviários para embarque ou desembarque de passageiros.
V – realizar viagens habituais, com regularidade de dias, horários ou itinerários;
VI – fazer transporte de encomendas ou mercadorias nos veículos utilizados na respectiva prestação.
Art. 4º – Aplicam-se ao transporte metropolitano ou intermunicipal remunerado de passageiros autorizado pelo poder público estadual para o serviço fretado e ao transporte individual de passageiros por táxi em região metropolitana as vedações estabelecidas no parágrafo único do art. 3º".
A Lei nº 19.445/11 é clara e inequívoca em suas diretrizes legislativas estabelecidas nos arts. 3º e 4º , ao transporte fretado é proibido:
(i) realizar serviços com característica de transporte coletivo, incluída a lotação de pessoas, a venda de passagens e a cobrança de preço por passageiro;
(ii) realizar viagens habituais, com regularidade de dias, horários ou itinerários.
Além disso, o transporte fretado deve retornar ao Município de origem com o mesmo passageiro ou vazio.
Estas disposições estão previstas em LEI.
Não pode o Governador, através de decreto, se sobrepor à LEI.
O Decreto nº 48.121/21, ao alterar as definições e procedimentos do transporte fretado (destaque art. 2º, incisos V a IX; art. 8º e 9º), criou um modelo de transporte fretado totalmente diferente dos parâmetros estabelecidos pelo legislador mineiro por meio da Lei nº 19.445, de 11.1.11 ou seja, propicia a realização de transporte fretado com característica de transporte coletivo (serviço público).
Na prática, também permitirá realizar viagens habituais, com regularidade de dias, horários ou itinerários, além de permitir o retorno ao Município de origem com passageiros distintos, ou mesmo sequer retornar ao Município de origem. Nada mais absurdo e frontalmente contrário às normas emanadas por esta Casa Legislativa.
Para ficar só em um exemplo, é o que se extrai da alteração normativa em relação do fretamento eventual:
a) Decreto 44.035, de 01.06.2005, atualmente em vigor e que foi revogado pelo Decreto 48.121, a partir de 12 de Fevereiro de 2021:
Art. 2º – Para efeito de prestação de serviço fretado de transporte rodoviário intermunicipal de pessoas, considera-se:
(...).
VII – fretamento eventual – serviço autorizado pelo DER/MG, destinado ao deslocamento eventual, não aberto ao público, de grupo fechado de pessoas devidamente identificadas em relação nominal e mediante emissão de documento fiscal apropriado, ambos deporte obrigatório no veículo, com finalidade turística, cultural, recreativa, religiosa ou assemelhada, com pontos de origem e destino preestabelecidos, sendo-lhe vedado praticar quaisquer características do serviço de transporte público, tais como, o embarque ou desembarque de pessoas nos terminais rodoviários de passageiros e suas áreas de entorno, e a cobrança individual de passagens;
b) Decreto 48.121, de 13 de fevereiro de 2021:
Art. 2º – Para efeito deste decreto, considera-se:
(...).
VIII – fretamento eventual: fretamento destinado ao deslocamento eventual de grupo fechado de pessoas;
(...).
IX – grupo fechado: conjunto de determinadas pessoas físicas, identificadas em lista protocolada junto ao DER-MG, que utilizarão serviço de transporte fretado;
O art. 9º do Decreto 48121/21, tambén, excluiu o prazo de antecedência de 12 horas para o envio da relação nominal e o circuito fechado (autorização válida pelo ciclo origem/destino/origem).
O Decreto nº 48.121/21, na verdade, regulamentou a prestação transporte fretado com "característica de transporte coletivo".
A lógica adotada propicia o seguinte: o transporte fretado disponibiliza previamente as viagens, com dia e horário pré-determinado, e qualquer um pode aderir.
Ou seja, as expressões do Decreto, tais como "não aberto ao público" e "grupo fechado", não têm nenhuma eficácia prática, nenhum mecanismo que permita à fiscalização distinguir o transporte fretado do transporte público.
A regulação do transporte fretado, no País inteiro, tanto em nível federal como nos demais Estados da federação, tem lógica inversa: pressupõe a formação de grupo de pessoas com uma motivação comum que, somente depois de constituído, contrata um veículo para determinada viagem. Como a motivação é comum, a viagem naturalmente tem o ciclo origem/destino/origem, chamado circuito fechado.
O excesso regulamentar torna-se evidente quando somado às razões apresentadas no encaminhamento do Governo, e reportagens sobre o assunto:
Notícia site Seinfra – 13.1.21.
2) Quais as principais alterações realizadas pelo novo Decreto?
O Decreto digitaliza todos os procedimentos de emissão do cadastro e autorizações, reforça as penalidades contra os transportadores clandestinos e acaba com o circuito fechado, com a finalidade específica do fretamento e com a necessidade da lista de passageiros ser protocolada com 12 horas de antecedência no DER/MG".
Jornal Folha de São Paulo (12.01.21): "MG vai facilitar operação de fretados e apps conhecidos como "Uber de ônibus.
Jornal "O Tempo" (13.01.21): "Zema assina decreto que facilita operação de fretados e apps de 'Uber de ônibus" – transporte não é regulamentado e volta e meia operação é barrada na Justiça.
Jornal "Hoje em Dia" (14.1.21) – "Mercado destravado: decreto estadual amplia setor de transporte de passageiros em Minas Gerais".
"O titular da pasta garante que a proposta do decreto é combater o transporte clandestino, visando a segurança do passageiro, e dando chance ao empresário de se legalizar. Mas admite que as novas regras também facilitam a atuação de aplicativos como o Buser, que conecta passageiros a empresas de fretamento".
(...).
Principal aplicativo espera obter crescimento de 1600%.
Revista "Veja" (14.1.21): "O pulo do gato da Buser para conquistar os governadores".
A repercussão na Imprensa deixa uma desconfortável impressão de que o Decreto 48.121/21 visou viabilizar do modelo de negócios da Buser, cuja atuação vem sendo questionada judicialmente exatamente por representar a prestação de transporte público sem prévia concessão, o que violaria princípios constitucionais.
Vale lembrar que a Comissão Especial desta Assembleia que apreciou a PEC 43/19 (transformada em Emenda à Constituição nº 105/20), rechaçou a alteração que visava admitir a prestação de transporte rodoviário mediante autorização:
"(...)Ainda sobre a primeira parte da proposição, é importante contextualizar os argumentos da comissão que nos precedeu, que opinou pelo não acolhimento da adoção do instituto da "autorização" nos serviços de transporte de modo geral. A redação original da proposição, de fato, acabaria por inserir esse instituto em modalidades de transporte plenamente consolidadas no Estado, inclusive com contratos de concessão já vigentes e instituídos na forma da lei. Concordamos que isso poderia ensejar desequilíbrios de contrato e, em última instância, prejudicar a própria política estadual de transporte.(...).
É dizer, a própria Assembleia Legislativa, em uma análise jurídica e econômica cuidadosa, já havia decidido de forma contrária ao modelo de autorização para o serviço público de transporte de passageiro, justamente para evitar o risco de dano ao erário, consubstanciado no desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão já assinados e em vigor, além do risco à política pública estadual de transporte e aos direitos dos usuários, que dependem desse modal para o exercício de outros direitos sociais, a exemplo da saúde, educação e trabalho, todos estatuídos no art. 6º, da Constituição Federal, e dos arts. 186, parágrafo único, I e art. 198, XVI, da Constituição do Estado de Minas Gerais.
Na prática, as empresas que agora poderiam operar nessa modalidade de fretamento com base no Decreto Estadual nº 48.121/21, não exerceriam a atividade típica de fretamento. Prestariam, sim, serviço público de transporte regular de forma oblíqua e com base em autorização.
A notícia publicada no site da Seinfra dá conta que as concessões, e o Decreto nº 44.035/05 coexistiam, razão porque não haveria impacto nos atuais contratos, por tratar de atividades independentes e com naturezas jurídicas distintas. Contudo, o Decreto 48.121/21, ao exorbitar clara e frontalmente os limites da Lei 19.445/11, permitirá a realização de transporte coletivo (serviço público), idêntico àquele objeto de contratos celebrado pelo Estado.
O transporte gera valor para o Estado, porque para ter o direito de exploração as empresas privadas investiram milhões de reais pela outorga.
Ora, esta Casa não pode permitir que um Estado, que sequer dá conta de pagar os servidores, abra mão dessa receita para atender interesses privados e, de forma irresponsável, assuma a responsabilidade da indenização das atuais concessionárias.
Além disso, ao alterar materialmente a Lei 19.445/11, o Decreto nº 48.121/21 se revestiu de natureza de verdadeiro decreto autônomo, o que é expressamente vedado pela ordem constitucional vigente. O caminho correto a ser perseguido pelo Governo do Estado, neste caso, deveria ser a apresentação de um Projeto de Lei, a ser ampla e democraticamente discutido no âmbito desta Casa. Houve um atropelo e um açodamento normativo, sem uma justificativa jurídica ou econômica plausível.
O Brasil e o Estado de Minas Gerais passam por uma preocupante crise sanitária decorrente da pandemia da COVID-19, com drástica redução de demanda por serviços de transporte em geral, o que deveria ser suficiente para esvaziar qualquer urgência nesse tipo de alteração normativa, especialmente em uma matéria já sob a reserva de lei.
Minas Gerais precisa de senso de prioridade, de respeito aos contratos e de segurança jurídica. Só assim conseguiremos atrair capital privado para investir em nossa infraestrutura.
Isso em qualquer setor da economia mineira, sem exceções.
Essa medida implementada pelo Decreto nº 48.121, além de ilegal e inconstitucional, por violar a Lei nº 19.445 e por se revestir da natureza de decreto autônomo, coloca em risco a mobilidade dos cidadãos mineiros, afetando a continuidade da prestação do serviço público sem o devido debate público no âmbito desta Assembleia Legislativa.
Esclarece-se, por fim, que, em homenagem à segurança jurídica, optou-se por requerer a sustação, dos efeitos do Decreto nº 48.121/21, e com isto restabelecer a vigência do Decreto nº 44.035/05 (revogado pelo art. 32), até porque, este contém muito mais inovações de ordem conceitual do que a anunciada modernização.
São os motivos ora apresentados que levaram à apresentação do Projeto de Resolução, requerendo a adesão dos demais pares.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Transporte para parecer, nos termos do art. 195, c/c o art. 102, do Regimento Interno.