PL PROJETO DE LEI 2367/2020
Projeto de Lei nº 2.367/2020
Estabelece definições e fixa limites ao poder regulamentar do Poder Executivo relativos à atividade de transporte rodoviário coletivo privado de passageiros.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – A regulação do serviço de transporte rodoviário coletivo privado de passageiros de competência do Estado de Minas Gerais deverá observar o disposto nesta lei.
Art. 2º – Na regulação do serviço de transporte rodoviário coletivo privado intermunicipal de passageiros no âmbito do Estado de Minas Gerais, considera-se:
I – fretamento: serviço de transporte rodoviário coletivo privado de passageiros mediante uso de veículos de aluguel, nos termos do artigo 135 da Lei nº 9.503/97, operado por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, em regime de livre mercado, aberto a qualquer competidor que satisfaça os requisitos legais e que pode ser contratado nas modalidades contínua ou eventual;
II – fretamento contínuo: modalidade de fretamento na qual um grupo determinado de pessoas, que deverá ser previamente comunicado à autoridade competente e que prescinde da existência de qualquer vínculo prévio ou característica comum entre elas, contrata, diretamente ou com auxílio de interposta pessoa, um prestador específico para realização de viagens periódicas que possuam mesma origem e destino;
III – fretamento eventual: modalidade de fretamento na qual um grupo determinado de pessoas, que deverá ser previamente comunicado à autoridade competente e que prescinde da existência de qualquer vínculo prévio ou característica comum entre elas, contrata, diretamente ou com auxílio de interposta pessoa, um prestador específico para realização de uma única viagem, que pode ser de ida e volta ou apenas de ida.
Parágrafo único – O serviço de fretamento, seja ele contratado na modalidade contínua ou eventual, deverá ser realizado mediante o uso de veículos submetidos a inspeção periódica da existência das condições de segurança estabelecidas no artigo 105 da Lei nº 9.503/97, em frequência a ser determinada pelo órgão fiscalizador competente, e com condutores devidamente habilitados e capacitados como motoristas profissionais de transporte coletivo de passageiros, nos termos do artigo 67-A da Lei nº 9.503/97 e regulamentação do Conselho Nacional de Trânsito - Contran.
Art. 3º – No exercício do poder regulamentar sobre a atividade de transporte rodoviário coletivo privado de passageiros, é vedado ao Poder Executivo:
I – criar distinções ou restrições ligadas ao modelo de negócios ou às ferramentas tecnológicas utilizadas pelos agentes econômicos para exercício de suas atividades;
II – estabelecer exigências ou restrições quanto ao trajeto contratado para o serviço de transporte, incluindo a exigência de que as viagens sejam de ida e volta ou de circuito fechado;
III – estabelecer exigências ou restrições quanto ao transporte de mais de um grupo de passageiros no mesmo veículo e à realização de viagem multitrecho.
IV – estabelecer exigências ou restrições quanto à finalidade do serviço de transporte, incluindo a exigência de que todos os passageiros tenham finalidade comum no deslocamento que irão realizar;
V – estabelecer exigências ou restrições quanto aos pontos de embarque e desembarque de passageiros, que podem ser de natureza pública ou privada, observadas as leis de trânsito e as regras específicas de utilização de cada equipamento do mobiliário urbano ou prédios públicos, se for o caso;
VI – estabelecer exigências ou restrições de prazo de comunicação da lista de passageiros, sendo suficiente para fins de registro e controle que ela seja informada ao órgão fiscalizador antes do início da viagem, por meio físico ou eletrônico;
VII – estabelecer exigências ou restrições quanto à capacidade, padrões de construção ou de acabamento dos veículos que serão utilizados para o transporte rodoviário coletivo privado de passageiros que não sejam estritamente relacionadas à segurança dos mesmos;
VIII – estabelecer exigências ou restrições quanto à possibilidade de rateio dos custos do serviço por todos os seus beneficiários e à forma de pagamento, por cada um deles, de sua parte ao prestador ou à interposta pessoa que venha a participar da contratação;
IX – estabelecer medidas restritivas da concorrência, seja internamente no setor de transporte rodoviário coletivo privado de passageiros ou relativas a outros setores que também operem o transporte de passageiros;
X – estabelecer barreiras à entrada no mercado de competidores que atendam às exigências de segurança fixadas para o serviço.
Art. 4º – Fica dispensada a autorização prévia para a atividade de intermediação do serviço de transporte rodoviário coletivo e sua respectiva identificação, bem como para a realização de cada viagem prestada sob o serviço de transporte rodoviário coletivo privado de passageiros, sendo suficiente a comunicação, antes do início da viagem, da origem e do destino, da lista de passageiros, do veículo a ser utilizado e do nome do condutor, para fins de permitir a fiscalização das condições de segurança e a regularidade da contratação.
Art. 5º – O Poder Público deverá adotar medidas regulatórias e rotinas fiscalizadoras que garantam a segurança dos veículos e a existência da devida habilitação dos condutores que operarão o serviço de transporte rodoviário coletivo privado de passageiros.
Art. 6º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 17 de dezembro de 2020.
Guilherme da Cunha (Novo).
Justificação: A atividade de transporte rodoviário privado coletivo de passageiros é hoje alvo de restrições estabelecidas pelo Poder Executivo, via atos infralegais, que limitam de forma injustificável sua atuação. Mais do que regular condições de segurança dos veículos ou de capacitação dos motoristas, o que é fundamental, as regras hoje existentes criam efetivas barreiras para que novos competidores atuem no setor e para que passageiros possam fazer sua escolha de forma livre.
Exemplos de regulação injustificável, que beiram o absurdo e em nada se relacionam com segurança, apenas criando barreiras para a operação ou utilização do serviço, são:
1) as viagens terem que ser de ida e volta, com o mesmo grupo de pessoas;
2) todas as pessoas do grupo que viaja devem estar indo de uma cidade a outra com a mesma finalidade (como fazer turismo ou participar de uma feira), sendo vedado que o interesse delas ao contratar um serviço de transporte seja apenas o transporte;
3) todas as pessoas do grupo, no caso de contratação continuada, devem ser empregadas de uma mesma empresa ou estudantes de uma mesma instituição de ensino, sendo vedado que sejam apenas pessoas que desejam se deslocar de um mesmo ponto de partida para um mesmo ponto de chegada frequentemente.
Essas regras extrapolam a regulação do transporte em si para adentrar nas condições para que pessoas possam realizar contratos civis, matéria de competência privativa da União Federal, nos termos do artigo 22, I, da Constituição da República. Sua existência no ordenamento jurídico mineiro, via ato infralegal do Poder Executivo, é inconstitucional.
Além dessas regras absurdas que apenas criam barreiras de entrada a competidores no setor e barreiras para que as pessoas possam fazer a opção por esse tipo de transporte, há também regras que são simplesmente anacrônicas, que podiam fazer sentido à época em que foram criadas, mas que não são mais condizentes com a tecnologia do mundo atual.
Um exemplo de regra anacrônica é a exigência que a lista de passageiros de cada viagem seja comunicada ao órgão fiscalizador com pelo menos doze horas de antecedência. Antes do advento da internet e dos smartphones, podia fazer sentido exigir isso, de forma que o fiscal, antes de sair para seu turno de trabalho, que é de doze horas, pudesse ter a lista impressa em mãos. Hoje, com comunicação em tempo real pela internet e por smartphones, essa regra simplesmente não faz mais sentido.
O resultado dessas regulações é uma redução do número de pessoas que pode fazer a contratação do serviço de frete de passageiros, resultando em uma redução da concorrência no serviço de transporte, com impactos muito danosos para toda a sociedade.
Há o dano ao passageiro. Com menos concorrência, ele fica muitas vezes preso a serviços mais caros ou menos confortáveis, por pura falta de opção. Exemplo claro de como a concorrência faz bem ao passageiro, e como devemos busca-la sempre, é a comparação entre os preços de passagem de Goiânia a Palmas e de Belo Horizonte a Poços de Caldas. O trecho Goiânia-Palmas é operado por seis empresas em regime de concorrência. Apesar da distância total entre as cidades ser de 820km, o preço da passagem é de R$95,00 (noventa e cinco reais). Já BH-Poços de Caldas é operado por uma única empresa, sem concorrência. A distância é quase a metade, 463km, mas o preço é quase o dobro, R$175,36 (cento e setenta e cinco reais e trinta e seis centavos).
Há o dano a quem deseja trabalhar e empreender. Ao criar dificuldades que não se relacionam com a segurança, a regulação reduz o número de clientes e de viagens, privando novas empresas de surgir, atuais empresas de se expandir e motoristas, mecânicos, pessoal administrativo e comercial, bem como uma infinidade de outras funções, de encontrarem emprego.
Há o dano às economias locais. As barreiras de entrada no mercado de frete impedem que pequenos empreendedores locais se estabeleçam. Essas pessoas contratariam seus funcionários localmente, usariam serviços de mecânica e manutenção locais e, ao auferirem lucros, gastariam em suas comunidades. Em lugar disso, o que vemos é uma concentração forçada dos passageiros no serviço das grandes empresas de ônibus, que possuem escritórios centrais, utilizam garagens e serviços de mecânica centrais e, quando auferem lucros, ele é destinado para os controladores das empresas que muitas vezes estão a centenas de quilômetros das localidades nas quais os serviços são contratados. A regulação tira dinheiro circulante das pequenas cidades para concentrá-lo nos grandes centros, acentuando desigualdades regionais de forma artificial.
Há, por fim, o dano à segurança pública. A demanda por viagens mais baratas, ou por trechos que simplesmente não são atendidos pelas linhas "de rodoviária", existe. E, junto com a demanda, existe um mercado clandestino de empresas de ônibus, dispostas a violar as regras para seguir operando, para atende-la. Essas empresas, justamente por serem clandestinas, não podem submeter seus veículos a avaliação periódica de condições de segurança, sob pena deles serem apreendidos, e não possuem estímulo para investir na qualidade do serviço, haja vista que não possuem segurança jurídica de que continuarão a operar no longo prazo, e muitos desses investimentos só são amortizados e se pagam no longo prazo.
As barreiras artificiais e injustificáveis sobre o mercado de transporte rodoviário coletivo privado de passageiros "empurra" os passageiros mais pobres para um mercado clandestino no qual não há garantia nenhuma de segurança. Ao mesmo tempo, há todo um mercado, de empresas sérias, respeitadoras da lei E QUE SUBMETEM SEUS VEÍCULOS A VISTORIA PERIÓDICA DE SEGURANÇA, que são as empresas de frete, que poderia atendê-los, mas fica impedida pela regulação atual. A má regulação, como é a atual, mata, especialmente os mais pobres.
Neste ponto é fundamental diferenciar o frete e o clandestino. As empresas de frete são todas fiscalizadas, seus veículos são todos vistoriados e elas recolhem o mesmo tributo que as empresas "de rodoviária" em sua atividade: o ICMS, que incide sobre transporte intermunicipal. Quando contratado com auxílio de interposta pessoa, mais notadamente os aplicativos, o pagamento de impostos é até maior, haja vista que ao ICMS do transporte se soma o ISS do serviço de agência.
Já o clandestino opera à margem da lei, sem fiscalização, sem vistoria de segurança e sem recolher impostos. É irracional e perigoso criar barreiras para o frete e empurrar a demanda hoje existente por transporte para o clandestino, mas é isso que o Estado vem fazendo, infelizmente.
Durante muito tempo esse problema não foi visível, ou não quisemos, como sociedade, enxerga-lo. Mas a chegada da tecnologia, e em especial dos aplicativos, que facilitou a formação dos grupos, mesmo com todas as restrições infralegais impostas na regulação atual, fez com que o problema ganhasse destaque. É curioso que o destaque tenha vindo, justamente, quando ficou mais fácil para o passageiro fazer a contratação do serviço seguro e fiscalizado do frete, ao invés de quando esse mesmo passageiro era empurrado para o clandestino, e é lamentável que junto com esse destaque tenham vindo operações abusivas do DER/MG para barrar as viagens contratadas com auxílio de aplicativos, baseadas na péssima regulação atual, ao invés de barrar as viagens clandestinas que continuam saindo todos os dias, à vista de todos, da frente da rodoviária ou do centro de Belo Horizonte, por exemplo.
A abusividade dessas operações quem afirma é o próprio poder judiciário, inclusive.
À toda evidência, esse conjunto de barreiras regulatórias, que em nada acrescenta à segurança do transporte, está hoje sendo aplicado para proteger da concorrência os empresários de ônibus "de rodoviária", garantindo seus lucros ao impedir o desenvolvimento de um mercado que é diferente do de concessões e que não é abrangido pela exclusividade da rota definida nos certames licitatórios ou nos contratos de concessão.
A Assembleia Legislativa, enquanto representante do povo, não pode permitir que o interesse maior da sociedade por alternativas de transporte seguro e mais barato, o interesse dos municípios, especialmente os menores, por mais desenvolvimento local, seja sobrepujado pela proteção aos lucros dos empresários de ônibus.
É por essa razão que se faz necessário e urgente limitar o poder regulamentar do Poder Executivo, tal qual se propõe no presente projeto de lei, de forma que ele não seja utilizado para proteger lucros de uns poucos em detrimento da segurança e dos bolsos do resto do povo.
Em consideração aos interesses dos passageiros, especialmente os mais pobres, trabalhadores, microempreendedores e pequenos municípios, em consideração à liberdade, que não pode ser apenas uma palavra na nossa bandeira, peço aos colegas a aprovação do presente projeto de lei.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pelo deputado Alencar da Silveira Jr. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 1.155/2015, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.