PL PROJETO DE LEI 1544/2020
Projeto de Lei nº 1.544/2020
Altera a Lei nº 19.091, de 30 de julho de 2010, que dispõe sobre o Fundo Estadual de Habitação – FEH –, criado pela Lei 11.830, de 6 de julho de 1995.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Ficam acrescentados ao art. 4º da Lei nº 19.091, de 30 de julho de 2010, os seguintes incisos XIII e XIV:
“Art. 4º – (…)
XIII – concessão de auxílio financeiro emergencial destinado ao atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para a transferência domiciliar de forma a garantir o custeio da despesa com a locação de uma moradia segura;
XIV – concessão de auxílio financeiro emergencial destinado ao atendimento preferencial às famílias chefiadas por mulheres, atingidas por calamidades decorrente de desastres naturais, de forma a garantir o custeio da despesa com a locação de uma moradia segura”.
Art. 2º – Ficam acrescentados ao art. 6º da Lei nº 19.091, de 2010, os seguintes incisos V e VI:
“Art. 6º – (…)
V – mulheres em situação de violência doméstica e familiar, no âmbito público ou privado, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade étnica, considerando-se violência contra a mulher, qualquer ato que resulte em morte, lesão, sofrimento físico, psicológico sexual e inclusive, dano moral e patrimonial;
VI – famílias chefiadas por mulheres que foram atingidas por calamidades decorrentes de desastres naturais”.
Art. 3º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 6 de março de 2020.
Deputada Andréia de Jesus, Presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (PSOL).
Justificação: O Fundo Estadual de Habitação – FEH –, conforme disposto na Lei nº 19.091, de 2010, tem por objetivo dar suporte financeiro para a implantação e a execução de programas vinculados a políticas habitacionais de interesse social, para a população de baixa renda.
O objetivo desta proposição é alterar a redação da referida lei de forma a acrescentar, dentre as modalidades de intervenção do FEH, o atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar que tenha sido atendida e encaminhada pelos órgãos e equipamentos públicos responsáveis pelo enfrentamento à violência, bem como famílias chefiadas por mulheres atingidas por calamidades decorrentes de desastres naturais.
Faz-se necessário pensar o direito humano à moradia do ponto de vista das mulheres, haja vista a desigualdade de gênero que se verifica em todas as dimensões da vida humana. Com relação à moradia não é diferente. Para as mulheres a não efetivação desse direito tem consequências específicas, que são fundamentais de serem observadas na elaboração de políticas públicas ou na execução de projetos.
É importante compreender que a garantia do direito à moradia adequada às mulheres é fundamental para a realização de suas atividades cotidianas e, inclusive, para a promoção da autonomia em todas as áreas de sua vida e para a efetivação de outros direitos.
Nesse contexto, importante registrar que, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o direito à moradia adequada passou a integrar o rol dos direitos humanos reconhecidos internacionalmente como universais, ou seja, que são aceitos e aplicáveis em todas as partes do mundo e valem para todas as pessoas.
Tratados internacionais determinaram que os Estados têm obrigação de respeitar, promover e proteger esse direito. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é especialmente importante, dispondo em seu art. 11 que "toda pessoa tem direito a um padrão de vida adequado para si e sua família, inclusive à moradia adequada, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida".
O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU emitiu dois comentários gerais que são referências sobre o tema. No Comentário Geral nº 4, o Comitê aprofunda a reflexão sobre o conteúdo do direito à moradia e dos elementos que o compõem. Já no Comentário Geral nº 7, é abordado o alcance do direito à moradia em processos de remoções e despejos forçados.
Certo é que toda mulher tem direito de morar sem medo de sofrer remoção, ameaças indevidas ou inesperadas. Via de regra, a propriedade imobiliária registrada em cartório está majoritariamente em posse dos homens, com isso, mulheres sem título de propriedade encontram percalços para efetivar direitos básicos, conseguir subsídios e melhorar a moradia ou até mesmo adquiri-la.
Para as mulheres em situação de violência doméstica e familiar, a insegurança da posse da terra e da habitação pode ser ainda mais prejudicial. Isso porque, inúmeras mulheres no Estado são diariamente submetidas a contextos de grave violência patrimonial, familiar e social, em âmbitos públicos ou privados, e são obrigadas a sair de maneira repentina e forçada de suas próprias casas.
A garantia de moradia digna através da efetivação de políticas públicas é uma das formas de coibir e prevenir o ciclo de violência perpetrado contra as mulheres, reforçando os mecanismos mencionados na Lei Federal n° 11.340, de 2006 - Lei Maria da Penha. A violência doméstica e familiar contra a mulher provoca sérios abalos nas esferas do desenvolvimento físico, cognitivo, social, moral, emocional ou afetivo e perpassa diversas áreas como assistência social, saúde, educação, trabalho e inclusive a habitação que mostram-se imprescindíveis para o enfrentamento à violência contra mulher.
O círculo de violência doméstica e familiar é muito difícil de ser rompido, visto que na maioria das vezes essas mulheres são totalmente dependentes economicamente de seus parceiros, o que inclui necessariamente a garantia de moradia para as mulheres e seus filhos. A garantia de uma política pública de habitação que assegure a essas mulheres prioridade de inclusão, considerando sua situação de medo e desamparo, poderá lhes proporcionar segurança para romper com o círculo de violência.
Segundo relatório apresentado pela ONU Mulheres a discriminação por razões de gênero faz com que um maior número de mulheres estejam em empregos informais, por exemplo, como vendedoras ambulantes, trabalhadoras domésticas ou na agricultura de subsistência. As diversas desvantagens enfrentadas pelas mulheres no âmbito da geração de renda e emprego, mesmo com qualificação profissional, dificulta o acesso à moradia digna.
Nesse mesmo sentido, o estudo realizado pelo Centro pelo Direito à Moradia Contra Despejos - Cohre - analisou a questão da violência contra a mulher no Brasil, Argentina e Colômbia e concluiu que a falta de acesso à moradia adequada, incluindo refúgios para mulheres vítimas de violência doméstica, impedem-nas de se afastarem dos agressores e romper a relação violenta.
A Lei nº 11.340, de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, dispõe sobre mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme se vê abaixo:
“Art. 3º – Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à vida, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
§ 1º – O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 2º – Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
Dito isso, verifica-se que o contexto em que as mulheres estão inseridas e considerando a disposição legal, entende-se que a medida proposta por esta proposição tem por objetivo precípuo promover o enfrentamento à violência contra a mulher.
Outro recorte necessário, consiste na análise da urgência para a concessão de auxílio financeiro emergencial destinado ao atendimento de família chefiada por mulheres atingidas por calamidades decorrente de desastres naturais.
Como consequência das fortes chuvas que assolam o Estado, nos períodos entre dezembro e março do corrente ano, milhares de famílias permanecem desabrigadas e outras centenas de famílias em situação de risco. Nesse sentido, certo é que o número de mulheres que chefiam lares em minas aumentou exponencialmente, conforme Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad –, realizada pelo IBGE, em 32,2% entre 2012 e 2017, passando de 2,217 milhões para 2,931 milhões. Hoje, elas comandam 40,5% dos domicílios.
Assim, considerando a realidade fática em que 40,5% dos domicílios são chefiados por mulheres, faz-se necessário propor e efetivar medidas para promover o direito à moradia adequada, o que significa boas condições de proteção contra frio, calor, chuva, vento, umidade e, também, contra ameaças de incêndio, desmoronamento, inundação e qualquer outro fator que ponha em risco à saúde e a vida das pessoas.
Ante todo o exposto, o direito à moradia como condição para concretização do direito das mulheres a uma vida digna deve ser observado, em especial no que tange às mulheres em situação de violência doméstica e familiar e, também, às famílias chefiadas por mulheres que foram atingidas pelas calamidades decorrentes de desastres naturais. É o que se propõe com este projeto de lei.
Por fim, cumpre registrar que o projeto de lei não altera a estrutura e a composição do Fundo Estadual de Habitação, assim como não amplia as hipóteses de alocação dos seus recursos, mas tão somente explicita uma das ações do fundo já prevista em lei, qual seja, dar suporte financeiro para a implantação e a execução de programas habitacionais de interesse social para as mulheres.
Nesses termos, contamos com o apoio dos nobres pares para a implementação dessa medida.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Direitos da Mulher e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.