PL PROJETO DE LEI 1160/2019
Projeto de Lei nº 1.160/2019
Institui a Semana Estadual das Vítimas de Violência do Estado.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituída a Semana Estadual das Vitimas de Violência do Estado, a ser realizada anualmente, na semana que compreende os dias 12 a 19 de maio.
Art. 2º – A Semana a que se refere o art.1º fica incluída no calendário oficial de eventos do Estado de Minas Gerais.
Art. 3º – A Semana Estadual das Vítimas de Violência do Estado tem como objetivos:
I – Promover ações de combate à violência institucional, com ênfase na erradicação da tortura e na redução da letalidade policial e carcerária.
II – Fomentar ações para à erradicação da tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
III – Promover ações de reconhecimento da memória e da verdade como direito e dever do Estado.
IV – Realizar ações que possam garantir o acesso à justiça as vitimas.
V – Promover ações de reparação material e imaterial para as vítimas.
VI – Promover ações de combate às execuções extrajudiciais realizadas por agentes públicos.
VII – Fomentar a garantia dos direitos das vítimas e de proteção das pessoas ameaçadas.
VIII – Contribuir para a consolidação de uma política de atendimento as vítimas e as testemunhas ameaçadas.
IX – Promover a apuração e o esclarecimento público das violações de Direitos Humanos.
X – Fomentar ações para a garantia de proteção dos defensores de Direitos Humanos e de suas atividades.
XI – Promover ações para a modernização da política de execução penal, priorizando a aplicação de penas e medidas alternativas à privação de liberdade e melhoria do sistema penitenciário.
XII – Promover ações para redução da violência motivada por diferenças de gênero, raça ou etnia, idade, orientação sexual e situação de vulnerabilidade.
XIII – Promover ações para a produção de prova pericial com celeridade e procedimento padronizado.
XIV – Fomentar ações para a consolidação de mecanismos de participação popular na elaboração das políticas públicas de segurança pública.
XV – Fomentar a modernização da gestão do sistema de segurança pública.
XVI – Fomentar as ações de qualificação da investigação criminal.
XVII – Promover o fortalecimento dos mecanismos de controle do sistema de segurança pública.
Art. 4º – Essa lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 30 de setembro de 2019.
Deputada Andréia de Jesus, Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Vice-Líder do Bloco Democracia e Luta (Psol).
Justificativa: Há dez anos o Relator Especial de execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Philip Alston1, apontou a violência de Estado no Brasil como contumaz violadora de Direitos Humanos. Mesmo com os apontamentos realizados pelo relator especial, decorridos todos esses anos, os estudos posteriormente produzidos apontam para o agravamento das violações de direitos humanos decorrentes da Violência do Estado. A Human Rights Watch2, organização internacional de Direitos Humanos, que atua na defesa dos direitos das pessoas através de investigações detalhadas das violações de direitos humanos, produziu em 2017, um relatório para a realidade brasileira apontando entre outras questões que:
a) Em relação a segurança pública: “Os altos níveis de violência, frequentemente praticada por facções criminosas, atinge diversas cidades brasileiras. Abusos cometidos pela polícia, incluindo execuções extrajudiciais, contribuem para um ciclo de violência em áreas de alta criminalidade, debilitando a segurança pública e colocando em risco a vida dos policiais”.
b) Em relação ao sistema penitenciário: “Muitas cadeias e prisões brasileiras enfrentam graves problemas de superlotação e violência. O número de adultos atrás das grades aumentou 85 por cento de 2004 a 2014 e ultrapassa 622.000 pessoas, quantidade 67 por cento acima da capacidade oficial das prisões. Equipes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, cujos membros são nomeados pelo governo, visitaram seis estados entre abril de 2015 e março de 2016, relatando casos de tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante em “grande parte, senão em todas” as 17 unidades visitadas.”
Paulo Sérgio Pinheiro3, professor titular de Ciência Política da Universidade de São Paulo e Pesquisador Associado do Núcleo de Estudos da Violência comenta seu artigo que “apesar do encerramento do regime autoritário, das garantias democráticas existentes hoje e da promulgação da Constituição de 1988, que representou um enorme avanço do ponto de vista dos direitos, continua existindo no país uma violência sistêmica ou estrutural em que “o arbítrio das instituições do Estado se combina com altos índices de criminalidade violenta, crime organizado, grande intensidade de violência física nos conflitos entre cidadão e impunidade generalizada” (Pinheiro, 1999a: 39).
Para Pinheiro, a responsabilidade fundamental da garantia do estado de direito, tanto para o direito internacional quanto para a comunidade de direitos humanos, é dos Estados nacionais. Nessa situação, o Estado brasileiro se vê, em muitos casos, diante do paradoxo de ter a responsabilidade final mas não ter os meios e capacidade de agir devido às competências das autoridades estaduais na gestão das instituições de segurança pública. Nesse mesmo sentido, o Centro de Arqueologia e Antropologia Forense da UNESP apresentou os resultados do projeto4 “Violência de Estado no Brasil: um estudo dos crimes de maio de 2006 na perspectiva da antropologia forense e da justiça de transição”. A extensa pesquisa analisou sessenta casos de pessoas assassinadas na região da Baixada Santista entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, a fim de entender a dinâmica da violência, o perfil das vítimas e analisar indícios de execução sumária. Dentre os apontamentos produzidos, selecionamos:
a) A existência no país de “violações estruturais” de direitos políticos, sociais e econômicos como uma característica estrutural da sociedade brasileira.
b) Os dados obtidos revelam que o perfil das vítimas foram, na sua grande maioria, homens jovens, entre 19 e 33 anos, o que corresponde ao perfil das vítimas de homicídios no estado de São Paulo e no Brasil em geral . As vítimas eram pessoas com perfil socioeconômico de baixa renda e, em grande parte, membros de famílias chefiadas por mães trabalhadoras (trabalho doméstico ou informal) ou de famílias dependentes da ajuda financeira das vítimas (que também ocupavam funções de menor qualificação e baixos salários).
c) Em relação aos crimes de maio, todos os relatos afirmam que o toque de recolher foi explícito em maio de 2006 por parte da Polícia Militar, como aviso para a população civil sob ameaça – apesar das fontes oficiais afirmarem que não houve tal aviso. A maioria dos relatos demonstra uma ação generalizada de extermínio, em que há escolha do local ou da vítima, com ação de grupos de encapuzados ou veículos sem identificação.Em todas as narrativas é evidente a permanente negação de justiça: não houve investigação condizente com a gravidade dos crimes, os processos foram arquivados poucos meses depois, sem identificação dos responsáveis e com ausência de respostas coerentes; portanto, não houve investigação.
É importante frisar que o Estado Brasileiro já foi responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em fevereiro de 2017, em razão da flagrante impunidade em casos de violência policial. No caso Favela Nova Brasília, situada dentro do Complexo do Alemão, quando em 18 de outubro de 1994 e 08 de maio de 1995, agentes da Polícia Civil do Rio de Janeiro, ao participarem de operações, foram responsáveis por 26 execuções extrajudiciais, sendo que algumas das vítimas adolescentes teriam sido submetidas a violência sexual e atos de tortura antes de serem executadas.
Corroborando com a construção de dados para a compreensão da violência institucional no Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA – e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública produzem o Atlas da Violência5 publicado em 2019, o documento registra segundo os dados oficiais do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde (SIM/MS), que em 2017 houve 65.602 homicídios no Brasil, o que equivale a uma taxa de aproximadamente 31,6 mortes para cada cem mil habitantes. Trata-se do maior nível histórico de letalidade violenta intencional no país.
Soma-se a esse conjunto de diagnósticos o mapa da violência6, trata-se de pesquisa com dados secundários realizadas periodicamente com foco na problemática da juventude e a violência. O foco global é sempre violência letal relacionada com a juventude, mas com abordagens temáticas diferenciadas: mulher, América Latina, acidentes de trânsito, infância e adolescência, armas de fogo, novas tendências. O mapa aponta que os jovens negros e moradores de periferia são os mais assassinados no Brasil.
Da mesma forma, a Fundação Getúlio Vargas7 produziu um artigo apontando a relação entre números da letalidade e de vitimização policial relatando que “associado ao confronto direto entre traficantes e policiais, o aumento da criminalidade nas cidades brasileiras tem sido caracterizado por uma relação diretamente proporcional entre mortes de civis e de policiais. Estudo feito a partir de dados da ferramenta DataCrime, que congrega estatísticas sobre violência, efetivo e cárcere nos estados brasileiros, mostra que há uma correlação entre vitimização policial (morte de policiais) e letalidade policial (morte provocada por policiais) nos últimos anos”.
Menciona ainda que os dados da ferramenta, que são disponibilizados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública8, indicam que “quando há um aumento da letalidade policial também é observado um aumento da vitimização policial. Ou seja, é possível dizer que o volume de mortes de civis provocadas por policiais, de certa forma, influencia no número de mortes de policiais ou vice-versa. Essa correlação foi verificada tanto para policiais em serviço como fora dele. Apesar de estar presente nos dois casos, observa-se que essa correlação é mais alta quando consideradas as mortes de policiais em momentos de folga. Também se pode afirmar que, especificamente, durante a atuação policial há um maior número de vítimas, inclusive entre os membros da corporação policial.”
Em 2018, ocorreu o III Encontro Internacional de Mães Vítimas da Violência do Estado: Por Justiça, Reparações e Revolução9 realizado na Universidade Federal da Bahia, em Salvador –, que reuniu vítimas e familiares exigindo justiça em casos de filhos mortos pelas execuções extrajudiciais. No encontro foram realizados diversos apontamentos para a construção de um trabalho em rede para dar visibilidade a luta das vitimas de violência do Estado. É nesse contexto de agravamento da violência institucional, com ausência da execução de políticas públicas de garantia de direitos fundamentais e o uso ostensivo da violência policial, que percebo a urgência de discutirmos a violência de Estado. Provocada principalmente pela rede Mães de Luta, apresento o projeto de lei que institui a Semana Estadual das Vítimas de Violência do Estado. O projeto tem como objetivo geral o reconhecimento dos direitos das vítimas considerando as gravíssimas violações de direitos que foram submetidas, sobretudo o direito à memória e o acesso à justiça. Pretende-se ainda com a instituição da Semana Estadual, que se possam promover um conjunto de ações para o enfrentamento a cultura da impunidade, fomentar uma cultura de direitos e garantir um esclarecimento público dos atos cometidos. Peço aos nobres pares uma atenção ao projeto de lei e um apoio para a aprovação do mesmo.
¹ Acesso em: https://nacoesunidas.org/relator-especial-da-onu-considera-que-as-mortes-causadas-pela-policia-bra sileira-continuam-tendo-taxas-alarmantes-o-governo-tem-falhado-em-tomar-todas-as-medidas-neces sarias/
² Acesso em: https://www.hrw.org/pt/world-report/2017/country-chapters/298766
³ Acesso em: http://www.scielo.br/pdf/sur/v5n9/v5n9a05.pdf
4 Acesso em: https://www.unifesp.br/reitoria/caaf/images/Relat%C3%B3rio_-_Crimes_de_Maio.pdf
5 Acesso em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_violencia_ 2019.pdf
6 Acesso em: http://flacso.org.br/?project=mapa-da-violencia
7 http://dapp.fgv.br/analise-aponta-relacao-entre-numeros-de-letalidade-e-de-vitimizacao-policial-no-pais/
8 http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/13-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/
9 https://negrobelchior.cartacapital.com.br/luta-por-reparacao-move-iii-encontro-internacional-de-maes- de-vitimas-da-violencia-do-estado/
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Segurança Pública e de Direitos humanos para parecer, nos termos do art. 190, c/c o art. 102, do Regimento Interno.