PL PROJETO DE LEI 5305/2018
Projeto de Lei nº 5.305/2018
Institui a Politica de Saúde Integral da População Negra no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS – , no Estado.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituída a Politica de Saúde Integral da População Negra no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS -, no Estado.
Parágrafo único – A Política de Saúde Integral da População Negra, de que trata o caput, será implantada em consonância com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, aprovada pela Portaria do Ministério da Saúde n° 992, de 13 de maio de 2009.
Art. 2º – Para efeito do disposto nesta lei, entende-se por política de saúde integral da população negra o princípio organizativo da transversalidade, caracterizada pela complementaridade, pela confluência e pelo reforço recíproco de diferentes políticas de saúde, abrangendo um conjunto de estratégias que resgatam a visão integral do sujeito, considerando a sua participação no processo de construção das respostas para as suas necessidades e apresentando fundamentos nos quais estejam incluídas as várias fases do ciclo de vida e as demandas de gênero.
Art. 3º – A politica instituída por esta lei compreenderá ações de educação, prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde.
Art. 4º – São objetos da Política de Saúde Integral da População Negra:
I – a implantação e a implementação da Política Nacional de Saúde da População Negra no SUS, no Estado, na perspectiva da prevenção de agravos, da promoção e da recuperação da saúde em todos os níveis de atenção, com ênfase na atenção voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde, de forma multidisciplinar;
II – o aumento da resolutividade do SUS e a garantia à população negra do acesso aos serviços de saúde com igualdade e equidade, assegurando qualidade, eficácia e segurança na prevenção, promoção e recuperação da saúde;
III – a promoção da racionalização das ações de saúde, estimulando alternativas inovadoras e socialmente contributivas para o desenvolvimento sustentável de comunidades;
IV – o estímulo às ações referentes ao controle e à participação social, promovendo o envolvimento responsável e continuado de usuários, gestores e trabalhadores, nas diferentes instâncias de efetivação das políticas de saúde da população negra no Estado;
V – a inclusão dos temas racismo e saúde da população negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores na área da saúde e no exercício do controle social na saúde;
VI – a ampliação e o fortalecimento da participação do Movimento Social Negro nas instâncias de controle social das políticas de saúde, em consonância com os princípios da gestão participativa do SUS;
VII – o incentivo à produção do conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra;
VIII – a promoção do reconhecimento dos saberes e práticas populares na área da saúde, incluindo-se os preservados pelas religiões de matriz africana;
IX – a implementação do processo de monitoramento e avaliação das ações pertinentes ao combate ao racismo e à redução das desigualdades étnico-raciais no campo da saúde nas distintas esferas de governo;
X – o desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma identidade negra positiva e contribuam para a redução das vulnerabilidades;
XI – a garantia de recursos do Estado para implantação da política instituída por esta lei, em todos os níveis de atenção em saúde do SUS;
XII – a promoção da saúde integral da população negra, priorizando-se a redução das desigualdades étnico-raciais e o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS;
XIII – a definição da gestão dos recursos orçamentários e financeiros para implementação da política instituída por esta lei;
XIV – a definição de diretrizes e estratégias para os gestores estadual e municipais para implantação, implementação e coordenação da política instituída por esta lei.
Art. 5º – Constituem-se em objetivos específicos da Politica de Saúde Integral da População Negra:
I – garantir e ampliar o acesso da população negra residente em áreas urbanas, em particular nas regiões periféricas dos grandes centros, às ações e aos serviços de saúde;
II – garantir e ampliar o acesso da população negra do campo e da floresta, em particular às populações quilombolas, às ações e aos serviços de saúde;
III – incluir o tema combate às discriminações de gênero e orientação sexual, com destaque para as interações com a saúde da população negra, nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde e no exercício do controle social;
IV – identificar, combater e prevenir situações de abuso, exploração e violência, incluindo assédio moral, no ambiente de trabalho;
V – aprimorar a qualidade dos sistemas de informação em saúde, por meio da inclusão em saúde, com a inserção do quesito cor em todos os instrumentos de coleta de dados adotados pelos serviços públicos, os conveniados ou contratados com o SUS;
VI – melhorar a qualidade dos sistemas de informação dos sistemas de informação dos SUS no que tange à coleta, ao processamento e à análise dos dados desagregados por raça, cor e etnia;
VII – identificar as necessidades de saúde da população negra do campo e da floresta e das áreas urbanas e utilizá-las como critério de planejamento e definição de prioridades;
VIII – definir e pactuar, de forma integrada, nas três esferas de governo, indicadores e metas para a promoção da equidade étnico-racial na saúde;
IX – monitorar e avaliar os indicadores e as metas pactuados para promoção da saúde da população negra, visando reduzir as iniquidades macrorregionais, regionais, estaduais e municipais;
X – incluir as demandas especificas da população negra nos processos de regulação do sistema de saúde suplementar;
XI – monitorar e avaliar as mudanças na cultura institucional, visando à garantia dos princípios antirracistas e não discriminatórios;
XII – fomentar a realização de estudos e pesquisas sobre racismo e saúde da população negra.
Art. 6º – São diretrizes da Política de Saúde Integral da População Negra:
I – a inclusão dos temas racismo e saúde da população negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde e no exercício do controle social das políticas para a área da saúde;
II – a ampliação e o fortalecimento da participação do Movimento Social Negro nas instâncias de controle das políticas de saúde, em consonância com os princípios da gestão participativa do SUS adotados no Pacto pela Saúde;
III – o incentivo à produção do conhecimento cientifico e tecnológico em saúde da população negra;
IV – a promoção do reconhecimento dos saberes e práticas populares sobre saúde, incluindo os preservados pelas religiões de matriz africana;
V – a implementação do processo de monitoramento e avaliação das ações pertinentes ao combate ao racismo e à redução das desigualdades étnico-raciais no campo da saúde, nas distintas esferas de governo;
VI – o desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma identidade negra positiva e contribuam para redução das vulnerabilidades.
Art. 7º – São estratégias de gestão da Política de Saúde Integral da População Negra, entre outras:
I – a implementação das ações de combate ao racismo institucional e a redução das iniquidades raciais, com a definição de metas específicas no Plano Nacional de Saúde e nos termos de compromisso de gestão;
II – o desenvolvimento de ações específicas para redução das disparidades étnico-raciais nas condições e nos agravos de saúde, considerando as necessidades locais e regionais, sobretudo na morbimortalidade materna e infantil e naquela provocada por causas violentas, doença falciforme, doenças sexualmente transmissíveis, tuberculose, hanseníase, câncer de colo uterino e de mama e transtornos mentais;
III – o fortalecimento da atenção à saúde integral da população negra em todas as fases do ciclo da vida, considerando as necessidades específicas de jovens, adolescentes e adultos em conflito com a lei;
IV – o estabelecimento de metas específicas para a melhoria dos indicadores de saúde da população negra, com especial atenção para as populações quilombolas;
V – o fortalecimento da atenção à saúde mental das crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos negros, com vistas à qualificação da atenção para o acompanhamento do crescimento, do desenvolvimento e do envelhecimento e a prevenção dos agravos decorrentes dos efeitos da discriminação racial e da exclusão social;
VI – o fortalecimento da atenção à saúde mental de mulheres e homens negros, em especial aqueles com transtornos decorrentes do uso de álcool e de drogas;
VII – a qualificação e a humanização da atenção à saúde da mulher negra, incluindo assistência ginecológica e obstétrica, no puerpério e no climatério, no Estado e nos municípios;
VIII – a articulação e o fortalecimento das ações de atenção às pessoas com doença falciforme, incluindo a reorganização, a qualificação e a humanização do processo de acolhimento e do serviço de dispensação na assistência farmacêutica, abrangendo a atenção diferenciada na internação;
IX – a inclusão do quesito cor nos instrumentos de coleta de dados nos sistemas de informação do SUS;
X – o incentivo técnico e financeiro à organização de redes integradas de atenção às mulheres negras em situação de violência sexual, doméstica e intrafamiliar;
XI – a implantação e a implementação dos núcleos de prevenção à violência e promoção da saúde nos municípios, conforme a Portaria do Ministério da Saúde MS/GM n° 936, de 19 de maio de 2004, como meio de reduzir a vulnerabilidade de jovens negros à morte, a traumas ou à incapacitação por causas externas;
XII – a elaboração de materiais de informação, comunicação e educação sobre o tema saúde da população negra, respeitando os diversos saberes e valores, inclusive os preservados pelas religiões de matriz africana;
XIII – o fomento de estudos e pesquisas sobre o acesso da população negra aos serviços e ações de saúde;
XIV – a garantia da implementação da Portaria Interministerial MS/SEPM nº 1.426, de 14 de Julho de 2004, que aprovou as diretrizes para a implantação da atenção à saúde dos adolescentes em conflito com a lei, em regime de internação e internação provisória, no que diz respeito à promoção da equidade;
XV – a articulação da política instituída por esta lei com o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, instituído pela Portaria Interministerial dos Ministérios da Saúde e da Justiça MS/MJ n° 1.777, de 9 de setembro de 2003;
XVI – a articulação da política instituída por esta lei com as demais políticas de saúde, nas questões pertinentes às condições, às características e às especificidades da população negra;
XVII – o apoio técnico e financeiro para a implementação da Política de Saúde Integral da População Negra, incluindo as condições para realização de seminários, oficinas, fóruns de sensibilização dos gestores de saúde, implantação e implementação de comitês técnicos de saúde da população negra ou instâncias similares nos municípios e formação de lideranças negras para o exercício do controle social;
XVIII – o estabelecimento de acordos e processos de cooperação nacional e internacional visando à promoção da saúde integral da população negra no campos da atenção, educação permanente e pesquisa.
Parágrafo único – Em virtude de seu caráter transversal, todas as estratégias de gestão assumidas pela Política de Saúde Integral da População Negra deverão estar em permanente interação com as demais políticas da Secretaria de Estado de Saúde relacionadas à promoção da saúde, ao controle de agravos e à atenção e ao cuidado em saúde.
Art. 8º – Caberá ao Conselho Estadual de Saúde fiscalizar o cumprimento do disposto nesta lei, podendo para tanto designar um de seus membros, sem vencimentos, com direito a ressarcimento de despesas.
Art. 9º – Está lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 5 de julho de 2018.
Deputado Doutor Jean Freire, Vice-Líder do Bloco Minas Melhor e Presidente da Comissão de Participação Popular (PT).
Justificação: A Constituição de 1988, também chamada de Constituição Cidadã, em virtude de seu compromisso com a criação de uma nova ordem social, define, em seu art. 94, a seguridade social como "um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social".
A política que propomos instituir está embasada nos princípios constitucionais de cidadania e dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III) e da igualdade (art. 5°, caput). É igualmente coerente com o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3°, inciso IV).
Além disso, reafirma os princípios do SUS, constantes na Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a saber:
a) a universalidade do acesso, compreendida como o "acesso garantido aos serviços de saúde para toda a população, em todos os níveis de assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie";
b) a integralidade da atenção, "entendida como um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigindo para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema";
c) a igualdade da atenção à saúde;
d) a descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo (art. 7°, incisos I, II, IV e IX).
Vêm juntar-se a esses princípios os da participação popular e do controle social, instrumentos fundamentais para formulação, execução, avaliação e eventuais redirecionamentos das políticas públicas de saúde, que constituem desdobramentos do princípio da "participação da comunidade" (art. 7°, inciso VIII) e principal objeto da Lei Federal n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que instituiu as conferências e conselhos de saúde como órgãos colegiados de gestão do SUS, com garantia de participação da comunidade.
Este projeto igualmente confere importância ao princípio da equidade, uma vez que a iniquidade racial, como fenômeno social amplo, vem sendo combatida pelas políticas de promoção da igualdade racial regidas pela Lei Federal n° 10.678, de 23 de maio de 2003, que criou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República - Seppir.
Em saúde, a atenção deve ser entendida como ações e serviços priorizados em razão de situações de risco e condições de vida e saúde de determinados grupos da população. O SUS, como sistema em constante processo de aperfeiçoamento, na implantação e implementação do Pacto pela Saúde, instituído por meio da Portaria n° 399, de 22 de fevereiro de 2006, compromete-se como o combate às iniquidades de ordem socioeconômica e cultural que atingem a população negra brasileira.
A Política de Saúde Integral da População Negra apresenta como princípio organizativo a transversalidade, caracterizada pela complementaridade, pela confluência e pelo reforço recíproco de diferentes políticas de saúde. Assim, abrange um conjunto de estratégias que resgatam a visão integral do sujeito, considerando sua participação no processo de construção das respostas para a suas necessidades, bem como apresenta fundamentos nos quais estão incluídas as várias fases do ciclo de vida e as demandas de gênero. Além disso, assinala o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Direitos Humanos e de Saúde para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.