PL PROJETO DE LEI 4267/2017
Projeto de Lei nº 4.267/2017
Dispõe sobre a definição das associações de socorro mútuo e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – O socorro mútuo poderá ser um dos objetivos de uma associação civil e consiste na divisão das despesas pretéritas e ocorridas, exclusivamente entre os seus associados em um sistema de autogestão.
Parágrafo único – A autogestão de que trata o caput deste artigo deve ser exercida de forma democrática, coletiva e coordenada, mediante Assembleia Geral, o qual definirá as regras de funcionamento do socorro mútuo e demais benefícios do grupo.
Art. 2º – A associação que tiver como objetivo o socorro mútuo, deve registrar no órgão competente, além dos requisitos impostos pela Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a indicação do objetivo específico do socorro mútuo, a participação de no mínimo 500 (quinhentos) associados, a indicação das regras do socorro mútuo em um regulamento próprio.
Parágrafo único – O regulamento próprio do socorro mútuo deve ser criado por meio de uma Assembleia Geral de fundação da associação, caso já fundada, deverá ser convocada especificamente para a criação do regulamento.
Art. 3º – Para realização do objetivo de socorro mútuo, os associados contribuem com as quotas necessárias para ocorrer às despesas da administração e as despesas pretéritas e ocorridas.
§ 1º – A contribuição deverá ser mensal e consiste em uma parte fixa referente às despesas administrativas e outra parte variável por se tratar do rateio de despesas ocorridas no mês anterior.
§ 2º – A associação deverá indicar expressamente no regulamento o valor máximo dos bens indicados pelos associados, bem como o total que poderá ser rateado.
Art. 4º – O socorro mútuo praticado pelas associações não poderá ser considerada seguro empresarial, visto que é apenas uma das hipóteses da liberdade de associação o qual os associados por um sistema de autogestão dividem as despesas já ocorridas entre si, conforme caput do art. 1º e 3º, portanto não seguem o regime jurídico aplicado as sociedades seguradoras.
Art. 5º – Fica estabelecido o prazo de 12 (doze) meses para que a associação reformule o seu estatuto, no que for cabível, adaptando-os ao disposto na presente Lei, quando tiver com objetivo o socorro mútuo.
Art. 6º – A representação das associações cabe à Força Associativa Nacional - FAN, sociedade civil, com sede na Capital Federal e no Estado de Minas Gerais, órgão técnico-consultivo do Governo de Minas Gerais, sem finalidade lucrativa, competindo-lhe, manter registro das associações de socorro mútuo de Minas Gerais.
Art. 7º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 11 de maio de 2017.
Deputado Cabo Júlio – PMDB
Justificação: Mais especificamente no ano de 2005, retornou a Sociedade Mineira as associações de socorro mútuo, associações civis que realiza, por meio de uma autogestão de seus filiados a divisão das despesas ocorridas exclusivamente entre eles. Em razão desse modelo democrático e sustentável, ocorreu um crescimento considerável de tais entidades, hoje podemos dizer que são amplamente conhecidas na sociedade.
Quando não há lei federal de normas gerais sobre o tema, cabe aos Estados exercer competência legislativa plena para atender a suas peculariedades. Tal previsão é prevista na Constituição Federal em seu art. 24, §3º:
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
As associações de socorro mútuo já fazem parte do cotidiano da Sociedade Mineira e, portanto, trata-se de uma peculariedade do Estado de Minas Gerais, devendo, na falta de lei federal, legislar sobre o assunto, com objetivo principal de gerar maior segurança jurídica as associações e associados.
Trata-se de uma atividade globalmente reconhecida, que gera o sentimento de cooperação, confiança, igualdade, amparo mútuo, civilidade, representação, luta por grupos de excluídos e mais importante, ferramenta para efetivação de objetivos comuns, pois a união de pessoas com mesmo objetivo possui maior força e, consequentemente, mais chances de efetivar aquilo que os fizeram unir.
O surgimento das associações se dá por uma necessidade da sociedade civil e se deve aos espaços públicos de participação em que entidades sem fins lucrativos iniciam suas atividades, voltadas a suprir a falta de atuação do Estado, realizando assim seu papel democrático. Acerca do tema, o Superior Tribunal de Federal por meio do Recurso Extraordinário nº. 201819-RJ consignou o entendimento de que:
“(...) as associações privadas que exerçam função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não estatal”.
Esses atos de colaboração e solidariedade, base do associativismo funcionam como base do regime democrático, nesse sentido pode citar a lição de Tocqueville (1998, p. 394):
“Nos países democráticos, a ciência da associação é a ciência mãe; o progresso de todas as outras depende dos progressos daquela. Entre as leis que regem as sociedades humanas, existe uma que parece mais precisa e mais clara que todas as outras. Para que os homens permaneçam civilizados ou assim se tornem, é preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfeiçoe na mesma medida em que cresce a igualdade de condições”.
O doutrinador Rodrigo Xavier Leonardo (2014, p. 17) diz que:
“O ambiente democrático que procura solidez em nossa história fez com que as experiências associativas ganhassem espaço e assumissem um relevante papel de organização das pessoas em torno de objetivos comuns, que dão significado, fundam e solidificam relações de pertencimento, para além do indivíduo e da sua convivência exclusivamente familiar”.
Seguindo essa linha, Putnam (2002, p.103 e 104) diz que “as associações civis contribuem para a eficácia e a estabilidade do governo democrático”. Portanto, não restam dúvidas da importância do associativismo, que revelam aos associados um ideal de democracia, reciprocidade e amparo mútuo. A demonstrar essa importância do associativismo, Frantz (2012, p. 09) expõe:
“O estudo sobre associativismo, cooperativismo e economia solidária tem a preocupação com a formação de capacidade crítica. Isto é, uma capacidade criativa e inovadora de pensamentos e conceitos que permitem desenvolver melhor as habilidades e funções profissionais, as interações e ações coletivas de atores sociais de um mundo necessitado de mudanças e transformações sociais”.
Lígia Helena Hahn Lüchmann (2014, p. 160) diz que:
“(...) entre outras contribuições, as associações permitiram ampliar os domínios das práticas democráticas para diversas esferas da vida social, constituindo meios alternativos para dar voz as desfavorecidos em função das condições desiguais e de distribuição de dinheiro e poder”. Nessa senda, a associações tem revelado com um importante instrumento da sociedade, tornando efetivo o direito da igualdade e democracia.
Não diferente, as associações de divisão de despesas fazem com que os associados fiquem em posição de igualdade e que todos pensem na cooperação recíproca/práticas coletivas, além de combater vícios da sociedade moderna como o individualismo.
Além das virtudes indicadas acima, o associativismo faz surgir o sustento econômico e caminha para desenvolvimento das pessoas. A título de exemplo no “ano de 1999, segundo informações publicadas no Le Monde économie, na França, as associações sem fins lucrativos foram responsáveis por 1.230.000 salários com um orçamento de 234 milhões de francos” (Xavier, 2014, p. 70).
Para se ter uma ideia, no ano de 2010 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA divulgara um estudo sobre fundações e associações sem fins lucrativos, sendo revelado o número de 556.846 (quinhentos e cinquenta e seis oitocentos e quarenta e seis mil) entidades sem fins lucrativos.
Tal modalidade era disposta de forma expressa no Código Civil de 1916, em seus artigos 1466 a 1470. Portanto, o antigo Código Civil prescrevia que os associados contribuíam com as quotas necessárias para ocorrer às despesas, sendo obrigado o grupo estar adstrito a um valor máximo a ser rateado.
O novo Código Civil não trouxe de forma expressa sobre as associações de socorro mútuo, dispondo apenas de forma geral sobre as associações. Na realidade, o momento em que esse diploma legal foi criado já estava em vigência a nossa Constituição cidadã, a qual dá importante papel da liberdade de associação, deixando de forma geral e permitindo a criação de qualquer grupo que tenha interesses comuns, havendo apenas a exceção de criação visando objetivo paramilitar ou ilícito.
As associações de socorro mútuo não possuem fins lucrativos, assim, seus associados contribuem apenas com um valor referente à manutenção da sede e funcionários (administração) e outro referente às divisões das despesas. Tal aspecto pode ser exemplificado da seguinte forma:
Despesa (passada e certa) no valor de R$ 50,00 (cinquenta reais).
Dividido / Reteado.
Por 50 Associados – todos associados.
Com a ajuda mútua resta a cada associado o pagamento de R$ 1,00 (um real).
O valor arrecadado é destinado a integralidade ao pagamento das despesas ocorridas no mês anterior, assim, o valor das quotas recebido mediante rateio já tem as despesas certas, não há uma arrecadação alheia, injustificada ou futura, até porque em toda a divisão deve ser exposta aos membros do grupo os eventos ocorridos e seus valores, bem como a realização da prestações de contas.
Com efeito, por meio de um sistema solidário e auto-organizativo, as partes integrantes do grupo (associados) se comprometem por meio de um estatuto fazer a divisão das despesas entre os membros.
É importante frisar que associação atua apenas como gestora da coisa comum, ou seja, tem a finalidade apenas de administrar os custos e benefícios, inexiste a figura do “fornecedor de serviços” não há comercialização na atividade da entidade, a associação é apenas a formalização jurídica de seus associados, que foi criada para organizar e fazer a autogestão dos interesses do grupo.
No presente caso é formado um contrato plurilateral, ou seja, formam vínculos recíprocos de cooperação/ comunhão de fim, para melhor entendimento cabe trazer a lição Ascarelli1 que utiliza-se das figuras geométricas para exemplificar a diferença; “Num contrato bilateral as partes estariam em lados opostos de uma reta; no contrato plurilateral, as partes estariam dispostas em um círculo”.
Para não restar dúvidas, Sérgio Mourão Corrêa Lima2expõe:
"A associação decorre do acordo de vontades congruentes dos associados fundadores, manifesta em assembleia, no sentido de contribuírem com bens ou serviços para suas atividades; portanto, na formação, a associação tem natureza jurídica de contrato bilateral ou plurilateral. Nessa linha, Renan Lotufo sustenta que a associação é contrato "plurissubjetivo unidirecional, porque são vários os que declaram suas vontades, mas todas no mesmo sentido"."
Outro ponto a destacar é que associação de socorro mútuo obedece todas as normas para seu funcionamento, como o registro no cartório competente, CNPJ, dentre outras medidas, razão que prova ser uma entidade legalmente autorizada. Acerca do tema o Conselho da Justiça Federal, a partir da III Jornada de Direito Civil:
"O contrato de ajuda mútua será plurilateral e auto-organizativo, repartindo custos e benefícios exclusivamente entre os participantes, mediante rateio. Sua diferenciação do seguro capitalista e da previdência privada é a autogestão, tal Como permitido pela Lei n. 9656/1998, para os planos de saúde."
Como resultado dos estudos advindos III Jornada de Direito Civil, temos a aprovação por unanimidade do enunciado 185, que admite de forma expressa a atividade da associação. Vejamos:
“Enunciado 185 –Art.757: A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.”.
Percebe-se também que o tema já esta sendo superado também no Poder Judiciário em decisão recentíssima (julgamento em março de 2017). Vejamos:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSEP. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. PROTEÇÃO AUTOMOTIVA DISPONIBILIZADA AOS ASSOCIADOS. SEGURO MUTUO. TÍPICO CONTRATO DE SEGURO MERCANTIL. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. PROVIMENTO.1. Dentre as atribuições legais previstas no Decreto-lei n° 73/66, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP - tem competência para a fiscalização das operações de seguro e afins (Decreto-lei n.º 73/66). Legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública com o mesmo fim.2. Na hipótese em exame, foi verificado que a disponibilização do serviço de proteção automotiva pela associação, então fiscalizada pela referida entidade, sem que haja intenção lucrativa, não caracteriza o contrato firmado entre as partes em típico contrato de seguro.3. Apesar da semelhança com o seguro mercantil comercializado pelas operadoras usuais do mercado, o seguro mutuo com ele não se confunde. Essa modalidade é caracterizada pelo rateio de despesas entre os associados, apuradas no mês anterior, e proporcional às quotas existentes, com limite máximo de valor a ser indenizado. É hipótese de contrato pluralista, orientado pela autogestão, em que todos os associados assumem o risco, sendo feito, entre eles, a divisão dos prejuízos efetivamente caracterizados. 4. “A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”. Aplicação do Enunciado n° 185, aprovado na III Jornada de Direito Civil.5. Apelação conhecida e provida. APELAÇÃO CÍVEL N. 0018423-62.2013.4.01.3500/GO.
No mesmo sentido decisões proferidas pelo judiciário mineiro:
‘(...) Em que pesem os argumentos expendidos pela SUSEP e pelo Parquet federal, a proteção oferecida pelas associações a seus membros não constitui seguro, porque evidencia-se essencialmente diversa do contrato em virtude do qual um dos contratantes assume a obrigação de pagar ao outro, ou a quem este designar, uma indenização no caso da consumação do evento incerto e temido, em contrapartida ao pagamento do prêmio previamente estabelecido e pago por parte do segurado, na dicção do art. 757 do Código Civil. Ou seja, "toda operação de seguro representa, em última análise, a garantia de um interesse contra a realização de um risco, mediante o pagamento antecipado de um prêmio. Os essentialia negotii são, portanto, quatro: o interesse, o risco, a garantia e o prêmio" (Comparado apud NERY Júnior, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 6.ed.rev.ampl.atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 669). Os veículos dos associados não são segurados quanto a eventos danosos futuros, mas no caso da superveniência deles, até certo limite, é feita a distribuição do prejuízo mediante rateio variável, ou seja, não há pagamento de premio prévio, mas cotização de uma parte do dano suportado pelo associado, que minimiza os custos pela inexistência de cálculos atuariais e mesmo perfil de risco, itens necessariamente computados no valor do prêmio do seguro. De outra banda, oportuno trazer à colação os fundamentos pelos quais foi consolidado o Enunciado 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal a propósito da interpretação ao art. 757 do Código Civil: “185 –Art. 757: A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”. E, pela pertinência, transcrevo a justificativa para o entendimento externado no referido enunciado: “Há duas concepções de seguro, conforme suas origens. O seguro do tipo alpino surgiu nos Alpes suíços e é fundado no princípio da solidariedade. Os segurados compartilham entre si os riscos comuns, organizando-se em sociedades mútuas e prevenindo-se contra os infortúnios. Estipulam geralmente pecúlios para o caso de morte, sendo frequentes também os seguros de saúde e de acidentes. O segundo tipo é o seguro capitalista, denominado anglo-saxão. É originário da cobertura dos riscos da navegação de longo curso e animado pelo lucro do segurador. O Código Civil de 1916 acolheu as duas modalidades, dedicando uma seção ao seguro mútuo. Os segurados em tudo suportavam o prejuízo advindo a cada um, exercendo eles mesmos a função de segurador (art. 1.466). Em lugar do prêmio, contribuíam para o enfrentamento das despesas administrativas e dos prejuízos verificados em cotas proporcionais aos benefícios individuais (arts. 1467 e 1469). Pontes de Miranda acentuou não haver diferença conceitual entre seguro mutualista e capitalista, variando, todavia a natureza da relação jurídica. No primeiro há relação jurídico plurilateral, envolvendo os segurados entre si, que se organizavam geralmente em forma de sociedade, nos moldes do Código Civil de 1916. No seguro capitalista, o contrato é bilateral, entre segurado e segurador. As sociedades de seguros, independentemente da modalidade que praticavam - seguro mutualista ou capitalista – não podiam ser constituídas sem prévia autorização, conforme o art. 20, § 1º, do Código Civil de 1916. O Decreto-lei nº 2.063, de 7 de março de 1940, mudou essa situação. De um lado dispôs que as operações de seguros só poderiam ser realizadas por sociedades anônimas, cooperativas e sociedades mútuas, mas de outra parte, excluiu de sua incidência as associações de classe, de beneficência e de socorros mútuos, instituidoras de pensões e pecúlios em favor de seus associados e respectivas famílias. Assim criou um seguro mútuo societário e outro associativo, de certo modo distinguindo os conceitos de sociedade e associação, o que veio a ser feito decisivamente no Código de 2002. Posteriormente, o Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, reservou as operações de seguros às sociedades anônimas e às cooperativas, alijando as antigas sociedades mútuas, que seriam o embrião das entidades de previdência privada, reguladas pela Lei 6.435, em 1977. Quanto às associações de classe, beneficência, de socorros mútuos e montepios então em funcionamento, foram mantidas fora do regime legal também no Decreto-Lei 73, tal como dispusera o Decreto-lei 2.063, ficando facultado ao Conselho Nacional de Seguros Privados mandar fiscalizá-las quando julgasse conveniente. Com a edição da Lei 6.435, de 15 de julho de 1977, a mutualidade passou a ser regida por normas de previdência privada, com exceção dos planos de pecúlio de pequeno valor (até 300 ORTNs, na época) vigorantes no âmbito limitado de uma empresa, fundação ou outra entidade de natureza autônoma, e administrados exclusivamente sob a forma de rateio entre os participantes. A Lei 6.435/1977 foi revogada pela Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001, que passou a regular com exclusividade a previdência fechada privada e aberta, nada dispondo relativamente às entidades ressalvadas na lei anterior. O regime de previdência privada tem caráter complementar e autônomo em relação ao regime geral de previdência social. As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e são acessíveis a quaisquer pessoas físicas. As sociedades seguradoras autorizadas a operar exclusivamente no ramo “vida” podem operar planos de benefícios previdenciários. Às entidades abertas é aplicável, no que couber, também a legislação própria das sociedades seguradoras. As entidades fechadas, só podem ser organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos e são acessíveis exclusivamente aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, entes denominados “patrocinadores”; e aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas “instituidores”. As entidades fechadas constituídas por instituidores devem terceirizar a gestão dos recursos que irão garantir as reservas técnicas e provisões mediante a contratação de instituição especializada e autorizada para tanto, cujo patrimônio deverá ser mantido segregado e totalmente isolado dos patrimônios do instituidor e da entidade fechada. Como se percebe, nos planos previdenciários das entidades fechadas constituídas por instituidores intervêm: o instituidor, que será uma pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial; a entidade previdenciária, criada sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos (conhecida como fundo de pensão); e o gestor. Operacionalmente, as relações jurídicas se estabelecem entre a entidade fechada e o gestor, sendo beneficiários os membros ou associados do instituidor. O gestor presta serviços à entidade previdenciária, pondo-se esta e os beneficiários como consumidores frente àquele. O mesmo esquema de relações prevalece nas entidades patrocinadas, que são constituídas por empregadores privados ou públicos em favor de seus empregados e servidores com serviços de gestão terceirizados. Nos modelos previstos na legislação previdenciária não há lugar para o mutualismo puro. O Código Civil de 2002 também o ignorou como espécie de seguro, não reproduzindo qualquer dispositivo análogo ao art. 1.466 do CC/1916. Como bem observou Ronaldo Porto Macedo Júnior, registrou-se um importante movimento do sistema de sociedade de amigos e organizações de auxílio mútuo para a moderna empresa de seguro e para a previdência social. Nada disso, porém, significa o expurgo do mutualismo. A autonomia privada e a liberdade contratual, inclusive levando se em consideração a função social do contrato, garantem a sua permanência, desde que praticado em círculo restrito e mantido como princípio genuíno. Os mutualistas deverão auto-organizar-se exclusivamente sob a forma associativa, uma vez que a societária é utilizável somente pelo seguro capitalista e pela previdência social. Legalmente, ainda prevalece a ressalva do Decreto-lei nº 2.063, de 1940, que não foi expressamente revogado pelo Decreto-lei nº 73, de 1966, permanecendo em vigor: as associações de classe, de beneficência e de socorro mútuos podem instituir pensões e pecúlios em favor de seus associados e respectivas famílias, de valor limitado, atendendo-se à restrição sobrevinda com a Lei 6.435, de 1977. O contrato de ajuda mútua será plurilateral e auto-organizativo, repartindo custos e benefícios exclusivamente entre participantes, mediante rateio. Sua diferenciação do seguro capitalista e da previdência privada é a autogestão, tal como permitido pela Lei 9.656/1988 para os planos de saúde.” (grifos da transcrição). Deveras, nada há de ilícito na associação sem fins lucrativos de pessoas voltada para a mútua ajuda entre os associados, com repartição de custos e benefícios mediante rateio e autogestão, que não se equipara ao seguro capitalista oferecido pelas seguradoras sujeitas à legislação específica de regência. Daí porque a conduta narrada na denúncia não se subsume ao quanto previsto no art. 16 c/c art. 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei 7.492/86. Sob outro enfoque, impor restrição a tal modalidade de reunião de pessoas onde a lei não impôs caracteriza manifesto cerceamento à liberdade do indivíduo, a quem é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe, inclusive associar-se para fins lícitos, como vimos de ver, (incisos II e XVIII do art. 5º da Constituição da República) mormente para a finalidade de buscar minimizar o risco individual no risco coletivo, pela vertente do mutualismo.” (JFMG, 4ª Vara Federal, Processo nº. 0032812.2014.4.01.3800, Juíza Federal Rogéria Maria Castro Debelli).
Não restam dúvidas sobre as associação de socorro mútuo e sua importância no cenário brasileiro, entidades que por meio de autogestão democrática amparam seus associados em momentos difíceis, além de criar progresso social e desenvolvimento econômico regional.
Nesse diapasão, sabendo dessa peculariedade e necessidade do Estado de Minas Gerais, da inexistência de lei federal de normas gerais sobre a atividade das associações de socorro mútuo e a possibilidade dos Estados em legislar de forma plena, nos termo do art. 24, §3º da Constituição Federal, prova imprescindível a aprovação do presento projeto para salvaguardar o interesse público e em especial gerar maior segurança jurídica das associações e associados.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e do Trabalho para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.