VET VETO 16872/2006

“MENSAGEM Nº 496/2006*

Belo Horizonte, 29 de dezembro de 2005.

Senhor Presidente da Assembléia Legislativa,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do inciso II do art. 70 da Constituição Estadual, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, a Proposição de Lei nº 16.872, que altera as Leis n°s 6.763, de 26 de dezembro de 1975, que consolida a legislação tributária do Estado de Minas Gerais, 14.066, de 22 de novembro de 2001, que dispõe sobre a proteção dos consumidores de combustíveis, 4.747, de 9 de maio de 1968, que dispõe sobre a cobrança de taxas estaduais, 11.403, de 21 de janeiro de 1994, que reorganiza o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais, e 10.992, de 29 de dezembro de 1992, que estabelece tratamento tributário diferenciado e simplificado para o microprodutor rural e para o produtor rural de pequeno porte, e dá outras providências.

Ouvida a Secretaria de Estado Fazenda assim se manifestou quanto ao dispositivo a seguir vetado:

Art. 19:

“Art. 19 - O crédito tributário de ICMS, constituído ou não, inclusive o inscrito em dívida ativa, oriundo da apropriação de crédito do imposto decorrente de operações interestaduais a que se refere a Resolução n° 3.166, de 11 de julho de 2001, do Secretário de Estado de Fazenda, poderá ter sua exigibilidade suspensa temporariamente, na forma de moratória, desde que requerido pelo contribuinte e atendidos os seguintes requisitos:

I – apresentação de requerimento, por escrito, no prazo de noventa dias contados da data de publicação desta lei;

II – assinatura de termo comprometendo-se a não se apropriar de crédito de ICMS relativo às operações interestaduais, com inobservância da legislação tributária, a partir da data de publicação desta lei;

III – reconhecimento e pagamento do crédito relativo ao ICMS devido nas operações de que trata o “caput”, realizadas a partir de 1° de janeiro de 2005, corrigido pela taxa Selic, autuado, denunciado ou não, com a desistência formal de sua discussão administrativa ou judicial.

§ 1° - O recolhimento do imposto a que se refere o inciso III do “caput” deverá ser efetuado no prazo de trinta dias contados do protocolo do requerimento da moratória.

§ 2° - A moratória a que se refere o “caput” será concedida pelo prazo de três anos.

§ 3° - Na assinatura do termo de que trata o inciso II do “caput”, o contribuinte reconhecerá expressamente que o descumprimento das exigências estabelecidas neste artigo, para fins de concessão da moratória, implicará sua revogação, bem como de todos os demais benefícios.

§ 4° - Decorridos três anos de cumprimento integral da moratória e cumpridas pelo contribuinte todas as exigências dela decorrentes, a Administração Fazendária ou a Procuradoria da Fazenda concederá a remissão total do crédito de que trata o “caput” deste artigo.”

Razões do veto

“A Proposição de Lei nº 16.872 origina-se do Projeto de Lei nº 1.991/2004, de autoria do Poder Executivo, encaminhado à Assembléia Legislativa por meio da Mensagem nº 313, de 2004, complementada pelas Mensagens nºs 442, de 2005, e 451, de 2005, com o objetivo de alterar a Lei nº 6.763, de 26 de dezembro de 1975, que consolida a legislação tributária administrativa do Estado de Minas Gerais.

Em sua tramitação na Casa Legislativa, o referido projeto de lei sofreu diversas modificações, decorrentes de emendas apresentadas pelos nobres parlamentares, dentre as quais a que restou aprovada sob a forma do art. 19, que pretende conceder moratória por três anos, culminando com a remissão (e anistia) total do crédito tributário relativo à apropriação indevida de créditos do ICMS em operações interestaduais, nas situações identificadas pela Resolução da Secretaria de Estado de Fazenda nº 3.166, de 11 de julho de 2001, e suas alterações posteriores.

Como se trata de um imposto plurifásico e de âmbito nacional, o ICMS gera reflexos na economia das demais unidades da Federação, existindo então o risco permanente de que, na disciplina normativa de benefícios fiscais, uma unidade possa prejudicar outra unidade da Federação, pois o imposto cobrado pelo vendedor gera crédito para o adquirente, influindo, portanto, na determinação do valor devido por este último.

As situações identificadas na Resolução SEF nº 3.166, de 2001, referem-se a operações interestaduais destinadas a contribuintes no Estado de Minas Gerais, em que os estabelecimentos remetentes, localizados em outros Estados, gozam de incentivos fiscais “ilegais” que reduzem o verdadeiro montante do imposto a pagar em favor do Estado de origem, apesar de destacarem o imposto nas notas fiscais interestaduais com as alíquotas “cheias”, vale dizer, sem qualquer redução, fazendo com que o Estado destinatário - no caso, Minas Gerais – venha a suportar créditos do imposto que não correspondem ao valor efetivamente pago na operação anterior, em manifesta violação à regra constitucional da não-cumulatividade do ICMS.

Esses benefícios fiscais “ilegais”, concedidos no âmbito da chamada “guerra fiscal”, funcionam dentro de uma lógica econômica perversa em que o Estado destinatário é quem necessariamente suporta o ônus financeiro da benesse concedida pelo Estado de origem, causando vultosos prejuízos não apenas à sua arrecadação tributária, como também para a atividade produtiva e a geração de empregos em seu território.

Visando coibir os efeitos dessas práticas danosas à economia mineira, a Secretaria de Estado de Fazenda fez publicar a Resolução nº 3.166, de 2001, e suas alterações, identificando (ainda que não exaustivamente) os benefícios fiscais “ilegais” concedidos pelas demais unidades da Federação, com o objetivo de orientar os contribuintes e os agentes fiscais a respeito dos percentuais de crédito do imposto vinculados às referidas operações interestaduais que o Estado de Minas Gerais reconhece como legítimos, com supedâneo no art. 8º da Lei Complementar Federal nº 24, de 7 de janeiro de 1975, recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Consoante já observou o eminente Min. Celso de Mello, em voto proferido na ADI nº 1247, de que foi relator, “os princípios fundamentais consagrados pela Constituição da República, em tema de ICMS, (a) realçam o perfil nacional de que se reveste esse tributo; ((b) legitimam a instituição, pelo poder central, de regramento normativo unitário destinado a disciplinar, de modo uniforme, essa espécie tributária, notadamente em face de seu caráter não-cumulativo e (c) justificam a edição de lei complementar nacional vocacionada a regular o modo e a forma como os Estados-membros e o Distrito Federal, sempre após deliberação conjunta, poderão, por ato próprio, conceder e/ou revogar isenções, incentivos e benefícios fiscais.”

No voto proferido na ADI-MC nº 2352, afirma o eminente Min. Sepúlveda Pertence que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido particularmente severa na repressão à guerra fiscal entre as unidades federadas, instaurada mediante concessão de benefícios fiscais com afronta da norma constitucional do art. 155, § 2º, XII, “g”, que submete sua outorga à decisão consensual dos Estados, na forma de lei complementar, ao lembrar o que decidido na ADIn 84-MG, 15.2.96, Galvão, DJ 19.4.96; ADInMC 128- AL, 23.11.89, Pertence, RTJ 145/707; ADInMC 902 3.3.94, Marco Aurélio, RTJ 15 1/444; ADInMC 1.296-PI, 14.6.95, Celso; ADInMC 1.247-PA, 17.8.95, Celso, RTJ 168/754; ADInMC 1.179-RJ, 29.2.96, Marco Aurélio, RTJ 164/881; ADInMC 2.021-SP, 25.8.99, Corrêa ADIn 1.587, 19.10.00, Gallotti, DJ 15.8.97; ADInMC 1.999, 30.6.99, Gallotti, DJ 31.3.00.

Disse mais o eminente Magistrado, naquela ocasião, que, em todas as oportunidades em que foi chamado a se pronunciar sobre o tema, concluiu a Corte que as normas constitucionais que impõem a disciplina nacional do ICMS, por constituírem explícitas limitações da competência, a elas não se pode opor, validamente, o princípio da autonomia dos Estados.

O art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal, entre outras funções que exerce, corresponde assim a um expediente técnico-constitucional para evitar a retaliação fiscal entre os Estados, pois a rigor são incompatíveis com o ICMS não só a concessão unilateral de isenções desse tributo, como também a outorga de crédito presumido e de reduções da base de cálculo ou fixação de alíquotas internas inferiores às previstas para as operações interestaduais.

Nesse sentido, o legislador constituinte republicano, com o evidente propósito de impedir a “guerra tributária” entre os Estados membros, enunciou postulados e prescreveu diretrizes gerais de caráter subordinantes destinados a compor o estatuto constitucional do ICMS (Celso de Melo).

Não obstante a diversidade de conceituação das isenções, não- incidência, concessão de crédito presumido, de reduções da base de cálculo ou da alíquota do ICMS, a Constituição Federal, ao reconhecer o efeito comum por elas gerado, agasalha expressamente uma exigência da submissão de todas essas categorias jurídicas afins a idêntico regime normativo.

Com efeito, prescreve em seu art. 150, § 6º, que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido em tema de ICMS, só poderá ser concedido mediante lei específica, dependendo de deliberação dos Estados e do Distrito Federal, mediante convênio, conceder isenções, incentivos e benefícios fiscais (art. 155, § 2º, XII, “g”).

A lei complementar a que se refere o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CR/88 é a Lei Complementar Federal nº 24, de 1975, que exige a deliberação unânime dos Estados para a concessão de qualquer modalidade de incentivo fiscal que possa repercutir na sistemática de apuração do imposto em outro Estado, impondo severas sanções à transgressão de suas disposições, a ponto de, na ausência de convênio autorizativo, considerar legítima a declaração de nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria, entre outras sanções previstas em seu art. 8º.

Com fundamento em tal preceito, o Estado de destino das mercadorias e serviços é legitimado a efetuar o estorno dos créditos indevidamente apropriados pelos contribuintes, em razão de operações interestaduais beneficiadas com incentivos fiscais “ilegalmente” concedidos pelos Estados de origem.

No Estado de Minas Gerais, a Resolução SEF nº 3.166, de 2001, cumpre a função de informar (ainda que não exaustivamente) os funcionários fiscais incumbidos da fiscalização e advertir os contribuintes adquirentes sobre a existência de restrições legais ao aproveitamento integral dos créditos fiscais unilateralmente concedidos pelas unidades da Federação que identifica e os percentuais do valor do imposto passíveis de serem apropriados validamente na escrituração fiscal dos adquirentes estabelecidos no Estado.

Outros Estados destinatários desses incentivos “ilegais”, como o Estado de São Paulo, adotam procedimento semelhante ao de Minas Gerais, já havendo, inclusive, manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito, conforme se verifica no Recurso Extraordinário nº 109.486/SP.

No caso, o STF não vislumbrou plausibilidade na tese em que se argüia ofensa ao princípio da não-cumulatividade, sustentada pelo adquirente, pois, para o relator do recurso, trata-se de “questão insuscetível de ser solucionada sob a invocação do princípio em causa, que, diferentemente do que entende a Recorrente, visa tão-somente a assegurar a compensação, em cada operação relativa à circulação de mercadoria, do montante do tributo que foi exigido nas operações anteriores, seja pelo próprio Estado, seja por outro, de molde a permitir que o imposto incidente sobre a mercadoria, ao final do ciclo produção- distribuição-consumo, não ultrapasse, em sua soma, percentual superior ao correspondente à alíquota máxima prevista em lei, relativamente ao custo final do bem tributado. Havendo, no caso, sido convertido em incentivo o tributo que deveria ser recolhido pelo vendedor da matéria-prima, é fora de dúvida que a inadmissão do crédito, no Estado de destino, não afeta a equação acima evidenciada”.

Com base nesse precedente, o eminente Min. Carlos Velloso negou seguimento ao RE 423.658/MG, interposto por contribuinte contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que, sob o mesmo fundamento, negara provimento à sua apelação, ao entendimento de que o não-aproveitamento do crédito de ICMS no Estado de destino, não afronta o princípio constitucional da não- cumulatividade.

Inconformado, o contribuinte aviou Agravo Regimental contra a decisão do STF, que novamente decidiu favoravelmente ao Estado de Minas Gerais, por unanimidade de votos, conforme se depreende do acórdão transcrito a seguir, publicado no Diário da Justiça de 16/12/2005:

Supremo Tribunal Federal

Diário da Justiça de 16/12/2005

22/11/2005 SEGUNDA TURMA

AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 423.658-3 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. CARLOS VELLOSO

AGRAVANTE(S) : -------------------------

AGRAVADO(A/S) : ESTADO DE MINAS GERAIS

ADVOGADO(A/S) : ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. NÃOCUMULATIVIDADE.

ART. 155, § 2º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

I. – Acórdão recorrido que se ajusta à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que tendo sido convertido em incentivo o tributo que deveria ser recolhido pelo vendedor de matéria-prima, a inadmissão do crédito, no estado de destino, não afronta o princípio da não-cumulatividade do ICMS. RE 109.486/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, “DJ” de 24.4.92.

II. – Agravo não provido.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Brasília, 22 de novembro de 2005.

CARLOS VELLOSO – RELATOR”

Portanto, o procedimento do Estado de Minas Gerais em exigir o estorno dos créditos de ICMS indevidamente apropriados em operações interestaduais, nas situações identificadas pela Resolução SEF nº 3.166, de 2001 e suas alterações, quais sejam, aquelas alcançadas por incentivos fiscais concedidos irregularmente pelos Estados de origem e que causam prejuízo à arrecadação e à atividade econômica mineiras, encontra respaldo junto ao Supremo Tribunal Federal, guardião máximo da Constituição Federal.

É importante ressaltar que, considerando apenas os 159 (cento e cinqüenta e nove) Processos Tributários Administrativos que versam exclusivamente sobre créditos tributários formalizados com base nesse tipo de anomalia e que se encontram em aberto, o prejuízo direto do Estado de Minas Gerais seria da ordem de R$179.876.001,24 (cento e setenta e nove milhões, oitocentos e setenta e seis mil e um reais e vinte e quatro centavos).

Na verdade, o prejuízo do Estado de Minas Gerais poderá ser muitas vezes maior, atingindo - segundo estimativas - cifras próximas de um bilhão de reais, se considerarmos os créditos tributários que não são exclusivos desse tipo de infração e ainda os não apurados ou não formalizados, haja vista a repercussão do prazo decadencial para lançá-los.

Ademais, não se vislumbram medidas de compensação financeira, o que caracteriza ofensa à Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, além de comprometer o “déficit zero”.

Diante do exposto, recomendamos veto ao art. 19 da Proposição de lei em referência, por sua manifesta contrariedade ao interesse público do Estado de Minas Gerais.”

São essas, por conseguinte, as razões que me levam a vetar parcialmente a proposição em tela, devolvendo-a ao necessário reexame dos membros dessa egrégia Assembléia Legislativa.

Aécio Neves, Governador do Estado.

- À Comissão Especial.

* - Publicado de acordo com o texto original.