PL PROJETO DE LEI 1337/2023

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 1.337/2023

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria da deputada Nayara Rocha, o Projeto de Lei nº 1.337/2023 “autoriza o Poder Executivo a conceder o benefício Aluguel Maria da Penha às mulheres vítimas de violência doméstica no Estado”.

Publicada no Diário do Legislativo de 14/9/2023, a proposição foi encaminhada às Comissões de Constituição e Justiça, de Defesa dos Direitos da Mulher e de Fiscalização Financeira e Orçamentária, para parecer.

Compete a esta comissão, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, III, “a”, do Regimento Interno, emitir parecer sobre a juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria.

Fundamentação

O projeto de lei em análise visa autorizar o governo de Minas Gerais a promover o pagamento do aluguel social às mulheres vítimas de violência doméstica, que se encontrem impedidas de retornar ao lar. A proposição estabelece condições para o recebimento do referido aluguel, fixando que terão prioridade no recebimento do benefício as mulheres em situação de vulnerabilidade que possuem filhos menores.

Estabelece, também, que o benefício será no valor de R$600,00 (seiscentos reais), pago pelo período de 12 (doze) meses, independentemente da concessão de outros benefícios sociais, e determina que o retorno da mulher ao convívio junto ao agressor e a cessação dos efeitos da medida protetiva de urgência serão motivos de suspensão do benefício do aluguel social, devendo ser imediatamente comunicados, sob pena de devolução dos valores.

Por fim, a proposição dispõe que as despesas com o aluguel social correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, bem como que o Estado deverá promover convênios com os municípios, através do Sistema único de Assistência Social – SUAS.

Primeiramente, é importante esclarecer que a matéria se insere no âmbito da segurança pública, pela vertente de medidas preventivas e mitigadoras da violência contra a mulher, bem como nas regras constitucionais de proteção e amparo à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

A Constituição Federal estabelece que a segurança pública é dever do Estado brasileiro, cuja realização demanda atuação dos diferentes entes federados, e outorga competência legislativa ao estado membro para edição de lei estadual que discipline os temas que não foram expressamente outorgados à competência federal ou municipal, conforme o disposto no art. 144, caput, combinado com o art. 25, § 1º. Soma-se a isso caber ao Estado – aqui entendido em todas as suas esferas federativas (União, estados membros, municípios e Distrito Federal) – promover a proteção dos direitos humanos. Sendo o desrespeito à intimidade e à dignidade sexual das mulheres uma das formas de violação desses direitos, conclui-se que, sob o prisma da segurança pública, cabe ao Estado regular a matéria. Ademais, tem-se que essa temática tem fundamento de validade e visa dar concretude ao disposto no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, que dispõe que o “Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Assim, a Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, dispôs, acertadamente, em seu art. 35, IV, que a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências, programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar.

Nesse contexto normativo, verifica-se que compete ao Estado legislar sobre a temática e inexiste vedação constitucional a que ele amplie o tratamento dado ao assunto em sede de lei estadual, devendo a proposta ser apreciada por esta Casa Legislativa, nos termos do que dispõe o art. 61, XIX, da Constituição Mineira. Não se vislumbra, também, vício no que tange à inauguração do processo legislativo, pois a matéria de que cogita o projeto não se encontra arrolada entre as de iniciativa privativa, previstas no art. 66 da Constituição do Estado.

Entretanto, entendemos que a proposta em exame busca dar um status legal a uma ação que, por sua natureza, tem caráter eminentemente administrativo, situado no campo de atuação do Poder Executivo. A instituição de uma ação ou programa abrange as atividades e as ações desenvolvidas pela administração pública e pelos seus órgãos, sendo uma tarefa que não cabe a uma lei de iniciativa parlamentar.

Com esse entendimento, tem-se pronunciado exaustivamente o Supremo Tribunal Federal – STF – em inúmeros julgados, em especial:

“(…) O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de Poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. (Medida Cautelar na ADI 2364).”

“(…) Separação e independência dos Poderes: pesos e contrapesos: imperatividade, no ponto, do modelo federal. 1. Sem embargo de diversidade de modelos concretos, o princípio da divisão dos Poderes, no Estado de Direito, tem sido sempre concebido como instrumento da recíproca limitação deles em favor das liberdades clássicas: daí constituir em traço marcante de todas as suas formulações positivas os “pesos e contrapesos” adotados. 2. A fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência que só a Constituição da República pode legitimar. 3. Do relevo primacial dos “pesos e contrapesos” no paradigma de divisão dos Poderes, segue-se que à norma infraconstitucional - aí incluída, em relação à Federal, a constituição dos estados-membros -, não é dado criar novas interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República. 4. O poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é outorgado aos órgãos coletivos de cada câmara do Congresso Nacional, no plano federal, e da Assembleia Legislativa, no dos estados; nunca, aos seus membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação) de sua Casa ou comissão. III. Interpretação conforme a Constituição: técnica de controle de constitucionalidade que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição. (ADI 3046/SP).”

Por essa razão, ressalta-se que esta Comissão de Constituição e Justiça já se manifestou diversas vezes pela inconstitucionalidade, antijuridicidade e ilegalidade de projetos de lei que visam instituir ações ou programas de natureza administrativa.

Além disso, é importante destacar que a determinação de instituição de um auxílio financeiro às mulheres vítimas de violência implica investimentos ou despesas para o Estado que precisam estar previamente inseridos no respectivo orçamento. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 2000), no seu art. 15, é taxativa ao considerar não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou a assunção de obrigação que não atendam às exigências estabelecidas no art. 16 da mesma lei, que prevê que a criação, a expansão ou o aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa deverão ser acompanhados de estimativa do impacto financeiro-orçamentário tanto no exercício em que deverão entrar em vigor quanto nos dois exercícios subsequentes.

Contudo, não obstante estes vícios formais do projeto em instituir uma ação administrativa que gera receita, há em seu conteúdo uma declaração de direito que é fundamental para a proteção e mitigação da violência contra a mulher no Estado. Por isso, apresentamos ao final deste parecer o Substitutivo nº 1, a fim de declarar o direito dessa mulher a fazer jus ao apoio financeiro do Estado, quando necessário, e nos termos de regulamento. Ressalta-se que tal apoio financeiro foi instituído e regulamentado pela legislação federal vigente, a qual já criou obrigações ao Estado de Minas Gerais.

Conclusão

Pelo exposto, concluímos pela juridicidade, legalidade e constitucionalidade do Projeto de Lei nº 1.337/2023 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Acrescenta o art. 7º-A à Lei nº 22.256, de 26 de julho de 2016, que institui a política de atendimento à mulher vítima de violência no Estado.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica acrescentado à Lei nº 22.256, de 26 de julho de 2016, o seguinte art. 7º-A:

“Art. 7º-A – O Estado, nos termos de regulamento, concederá à mulher vítima de violência doméstica o auxílio-aluguel, determinado pela legislação federal vigente, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica.”.

Art. 2º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 4 de junho de 2024.

Arnaldo Silva, presidente – Charles Santos, relator – Zé Laviola – Thiago Cota – Doutor Jean Freire.