PL PROJETO DE LEI 788/2023

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 788/2023

Comissão de Cultura

Relatório

De autoria do deputado Leleco Pimentel, a proposição em epígrafe declara como patrimônio histórico, cultural e social, de natureza material e imaterial de Minas Gerais, o garimpo artesanal no Distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto.

A proposição foi distribuída à Comissão de Constituição e Justiça e à Comissão de Cultura. A primeira delas concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou.

Vem agora o projeto a esta comissão, a quem cabe apreciar o seu mérito, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, XVII, do Regimento Interno.

Fundamentação

O projeto em análise, na forma apresentada, propõe declarar como patrimônio cultural de Minas Gerais o garimpo artesanal no Distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto.

Ao analisar a proposição, a Comissão de Constituição e Justiça pontuou que o título de relevante interesse cultural, instituído pela Lei Estadual nº 24.219, de 15/7/2022, é concedido pelo Poder Legislativo mediante lei específica e tem por objetivo valorizar, promover e difundir bens, manifestações e expressões da cultura mineira e não se confunde com o procedimento administrativo referente à declaração de bens como patrimônio cultural, que é matéria de competência do Poder Executivo. Constatou, assim, a necessidade de efetuar as adequações necessárias ao texto da proposição, razão pela qual apresentou o Substitutivo nº 1.

Quanto aos aspectos jurídicos mencionados, concordamos com o posicionamento da comissão precedente. No entanto, na perspectiva do mérito, há algumas considerações a tecer quanto ao objeto do reconhecimento de relevante interesse cultural em apreço, que motivam a adoção de outra vertente para análise da proposição.

Nos termos do art. 10 da Lei nº 7.805, de 1989, que altera o Decreto-Lei nº 227, de 1967, cria o regime de permissão de lavra garimpeira, extingue o regime de matrícula e dá outras providências, considera-se garimpagem a atividade de aproveitamento de substâncias minerais garimpáveis, executadas no interior de áreas estabelecidas para este fim, exercida por brasileiro, cooperativa de garimpeiros, autorizada a funcionar como empresa de mineração, sob o regime de permissão de lavra garimpeira. Essa modalidade de permissão depende de prévio licenciamento do órgão ambiental competente e consentimento da autoridade administrativa local e da Agência Nacional de Mineração – ANM. Uma vez autorizado, o permissionário deve cumprir diversas regras estabelecidas pela legislação, tais como: executar os trabalhos de mineração com observância das normas técnicas e regulamentares; evitar o extravio das águas servidas, drenar e tratar as que possam ocasionar danos a terceiros; e compatibilizar os trabalhos de lavra com a proteção do meio ambiente.

Artigo de Carolina Machado Saraiva e Girressi Lúcio da Silva, da Universidade Federal de Ouro Preto – Ufop –, publicado na Revista Reuna1, em 2021, analisou os impactos da queda da Barragem de Fundão, em Mariana, e o trabalho dos garimpeiros em Antônio Pereira. Foram entrevistados, durante a realização da pesquisa, nove núcleos familiares de garimpeiros no distrito. No estudo afirma-se que, em sua grande maioria, os garimpeiros são ex-funcionários de mineradoras ou pessoas que, diante da dificuldade de inserção no mercado de trabalho, buscam a alternativa de obtenção de renda proveniente da extração artesanal de ouro, reproduzindo um modo de vida tradicional das comunidades locais. Entretanto, a prática garimpeira artesanal sobrevive sem o respaldo e a proteção do Estado.

A despeito de constituírem uma comunidade tradicional, que exerce uma atividade de origem secular, os garimpeiros do distrito de Antônio Pereira não são detentores de Permissão de Lavra Garimpeira. A condição de informalidade deixa os trabalhadores e suas famílias vulneráveis ao empobrecimento e à desproteção social, num contexto em que a desigualdade social resultante da situação de dependência econômica em relação às empresas mineradoras e a carência de alternativas de trabalho em outros setores já relega esses grupos a uma condição de desvantagem e consequente submissão ao poder instituído pelo monopólio de exploração minerária.

Tal realidade já segregava econômica e socialmente os garimpeiros tradicionais da região, que não dispõem dos recursos e das técnicas exigidos para a exploração legal da atividade, tampouco têm o apoio do poder público necessário à formalização da atividade. A situação se agravou em razão do rompimento da Barragem de Fundão em 2015 e da Barragem B1 da Mina do Córrego do Feijão em 2019, pois os protocolos de segurança das barragens foram alterados pela ANM, e a Barragem Doutor, localizada no distrito, por não atender aos novos critérios de segurança, teve sua atividade suspensa em 2019. Assim, as obras de descaracterização/descomissionamento da barragem, determinada em acordo da Empresa Vale S.A e o Ministério Público de Minas Gerais, foram iniciadas em 2020. Em consequência desse processo, aproximadamente 600 pessoas que residiam nas zonas de autossalvamento foram obrigadas a deixarem suas residências. Da mesma forma, o local de trabalho dos garimpeiros foi inviabilizado, comprometendo o sustento das famílias que dependem dessa atividade. Segundo relatos dos garimpeiros, com o descomissionamento da Barragem Doutor, a Companhia Vale S.A. proibiu o garimpo em aproximadamente 80% da área por eles utilizadas.

Diante de tantas dificuldades e na busca de caminhos possíveis para reparação das violações de direitos sofridas, perda de territórios e impedimento de exercício da atividade do garimpo artesanal, os garimpeiros de Antônio Pereira se autodeclararam, em assembleias realizadas em março de 2022, uma comunidade tradicional, e constituíram na mesma ocasião a Associação dos Garimpeiros Tradicionais de Antônio Pereira.

O Decreto nº 6.040, de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, define que esses grupos são culturalmente diferenciados e podem se reconhecer como tais. Eles têm formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Salvo melhor juízo, o conjunto das normas pertinentes ao tema, que abrangem a Constituição de 1988, o citado Decreto nº 6.040, a Convenção OIT nº 169, de 1989, a Lei Estadual nº 21.147, de 2014, entre outras, parece demonstrar ser suficiente a autodeterminação como declaração de reconhecimento de uma comunidade tradicional, o que levaria, por conseguinte, ao reconhecimento de seus direitos e garantias. Assim, independentemente da formalização ou não da atividade garimpeira da comunidade de Antônio Pereira, é legítimo reconhecer os direitos inerentes à sua condição de comunidade tradicional.

Nesse diapasão, a associação de garimpeiros de Antônio Pereira permanece lutando para que seus direitos de atingidos pelo colapso da Barragem de Fundão sejam reconhecidos, de maneira a minimizar os efeitos desastrosos para a comunidade em todos os aspectos, por meio de ações de reparação mediadas pelo Ministério Público de Minas Gerais.

Estritamente quanto à finalidade da proposição em análise, no entendimento desta comissão poderia configurar decisão controversa do Poder Legislativo o endosso de reconhecimento do garimpo artesanal no Distrito de Antônio Pereira como de relevante interesse cultural do Estado, tendo em vista se tratar de atividade não chancelada pelas normas que regulam a outorga da permissão de lavra garimpeira. Por outro lado, tal fato não impõe obstáculos a que seja atribuído à Comunidade Tradicional de Garimpeiros de Antônio Pereira esse reconhecimento, pois, como demonstrado neste parecer, as normas vigentes asseguram a legitimidade da constituição da referida comunidade.

Consideramos, por fim, que o reconhecimento da Comunidade Tradicional de Garimpeiros de Antônio Pereira como de relevante interesse cultural do Estado está em consonância com os preceitos da Lei nº 24.219, de 2022, na medida em que contribui para reforçar o reconhecimento e a valorização de um grupo social que constitui parte da identidade cultural local e traduz o sentimento de pertença à comunidade daquele distrito. Assim, para promover essa adequação, apresentamos o Substitutivo nº 2 ao final deste parecer.

Conclusão

Diante do exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 788/2023, no 1º turno, na forma do Substitutivo nº 2, que apresentamos a seguir.

SUBSTITUTIVO Nº 2

Reconhece como de relevante interesse cultural do Estado a Comunidade Tradicional de Garimpeiros de Antônio Pereira, Distrito de Ouro Preto.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica reconhecida como de relevante interesse cultural do Estado, nos termos da Lei nº 24.219, de 15 de julho de 2022, a Comunidade Tradicional de Garimpeiros de Antônio Pereira, Distrito de Ouro Preto.

Art. 2º – O reconhecimento de que trata esta lei, conforme dispõe o art. 2º da Lei nº 24.219, de 2022, tem por objetivo valorizar bens, expressões e manifestações culturais dos diferentes grupos formadores da sociedade mineira.

Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 6 de dezembro de 2023.

Professor Cleiton, presidente – Macaé Evaristo, relatora – Leleco Pimentel.



1 Disponível em: < https://revistas.una.br/reuna/article/view/1284>