PL PROJETO DE LEI 195/2023

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 195/2023

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

A proposição em análise, de autoria do deputado Leleco Pimentel, “Institui a Política Estadual de Produção Social de Moradia por Autogestão e dá outras providências”.

Publicado no Diário do Legislativo de 16/3/2023, foi o projeto distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, de Assuntos Municipais e Regionalização e de Fiscalização Financeira e Orçamentária nos termos do art. 188 do Regimento Interno.

Cumpre-nos, preliminarmente, examinar a matéria em seus aspectos de juridicidade, constitucionalidade e legalidade, nos termos do art. 102, III, “a”, do mencionado Regimento.

Fundamentação

A proposição em exame tem por escopo instituir os princípios, diretrizes e finalidades da Política Estadual de Produção Social de Moradia por Autogestão.

Conforme justificativa apresentada pelo autor do projeto, busca-se implementar a autogestão como novo marco legal nas relações de produção da habitação de interesse social. Esclarece que esse modelo de produção de moradia permite que a própria comunidade, por meio de movimentos populares, associações e cooperativas, conduza o processo de solução para sua habitação, participando ativamente desde a escolha do terreno até a elaboração do projeto, da contratação da equipe técnica ou das formas de construção. Por meio da autogestão pretende-se alcançar a efetividade da função social da propriedade, o acesso a moradia adequada pela população de baixa renda e a concretização do princípio da participação democrática com a ajuda de entidades ou associações. Por fim, o autor da matéria informa que o governo federal institucionalizou, em 2009, a autogestão em seus projetos habitacionais por intermédio do Programa Crédito Solidário e do Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades.

No que se refere à análise da iniciativa parlamentar, não existe vedação para que se instaure o processo legislativo no caso ora discutido. A matéria não está arrolada entre aquelas em que a Constituição deferiu competência ao chefe do Poder Executivo, ao presidente do Tribunal de Justiça, ao presidente do Tribunal de Contas ou à Mesa da Assembleia para, privativamente, iniciar o processo legislativo.

Quanto à pertinência jurídica da proposição, verifica-se que, nos termos do art. 23, incisos IX e X, da Constituição Federal de 1988, constitui competência comum da União, estados e Municípios a promoção de programas de construção de moradias, a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, bem como o combate às causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.

Conforme o exposto, não há obstáculo para que esses entes ajam com o intuito de incentivar e patrocinar políticas públicas nesse campo, revelando-se constitucional a proposta que estabelece princípios e diretrizes para as ações governamentais voltadas para a produção social de moradia por meio da autogestão, respeitadas as competências legislativas da União.

Contudo, conforme precedentes desta comissão, permite-se a apresentação de projeto de lei de iniciativa parlamentar dispondo sobre a criação de políticas públicas desde que, em respeito ao princípio da separação entre os Poderes, não haja interferência na estrutura organizacional da Administração Pública do Poder Executivo e nem se atribuam competências a órgãos e entidades estatais. Assim, a instituição de política pública estadual, mediante proposição de iniciativa parlamentar, torna-se juridicamente viável, contanto que a política se restrinja à definição de diretrizes, parâmetros e objetivos.

Diante disso, a fim de preservar a proposta, apresentamos o Substitutivo nº 1, a fim de adequar o projeto de lei às balizas constitucionais definidas em matéria de iniciativa legislativa. O Substitutivo também contempla sugestão de emenda apresentada pelos deputados Charles Santos e Leleco Pimentel que faculta aos municípios e regiões metropolitanas do Vale do Aço e de Belo Horizonte adotarem medidas semelhantes às contidas na proposição.

Os aspectos meritórios serão oportunamente analisados pelas respectivas comissões temáticas.

Conclusão

Por todo o exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 195/2023 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Institui as diretrizes para a Política Estadual de Produção Social de Moradia por Autogestão e dá outras providências.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Ficam instituídas as diretrizes para a Política Estadual de Produção Social de Moradia por Autogestão direcionada à habitação de interesse social.

Parágrafo único – A produção social de moradias por autogestão pressupõe:

I – processo solidário de construção, reforma, melhoria, urbanização, requalificação habitacional ou regularização fundiária de Interesse Social – Reurb-S;

II – associados, organizados em associações sem finalidades lucrativas ou cooperativas de produção, com comprovada atuação no âmbito da política habitacional;

III – auxílio de assessoria técnica especializada, que colabore para o controle das etapas de concepção, planejamento, desenvolvimento e execução dos projetos habitacionais, incluído o trabalho social que acompanhará todas as atividades de administração da obra e de definição da forma de organização da pós-ocupação, no meio urbano e rural.

Art. 2º – Para os fins desta lei, consideram-se:

I – entidades promotoras aquelas reguladas na forma dos arts. 53 a 61 da Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, bem como as sociedades cooperativas reguladas pela Lei Federal nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, e pela Lei Federal nº 12.690, de 19 de julho de 2012, com comprovada atuação na área de produção social habitacional;

II – habilitação é o credenciamento de entidades promotoras para atuarem como tomadoras dos recursos, no âmbito da Política Estadual de Produção Social de Moradia por Autogestão;

III – assessoria técnica é a equipe especializada no sistema de autogestão, multidisciplinar, organizada sob a forma de pessoa jurídica ou profissionais autônomos, como prestadores de serviços na modalidade pessoa física, integrada por profissionais com formação nas áreas de arquitetura, urbanismo, engenharia, direito e afins;

IV – contribuição associativa são os recursos financeiros oriundos de responsabilidade do associado, aprovados na forma dos regulamentos internos das associações e sociedades cooperativas para o custeio do funcionamento dessas entidades;

V – contrapartida financeira são os recursos financeiros, aprovados na forma dos regulamentos internos das associações e sociedades cooperativas, de responsabilidade do associado, necessários à realização de estudos, projetos e demais serviços ou obras não cobertos pelo financiamento público;

VI – equipamentos comunitários são as edificações ou obras complementares à habitação e destinadas à saúde, educação, segurança, desporto, lazer, convivência comunitária, geração de trabalho e renda, assistência à infância, ao idoso, à pessoa com deficiência ou necessidades especiais ou à mulher, assistência técnica e extensão rural, cuja posse ou propriedade ficará em favor da entidade promotora do empreendimento ou da futura associação de moradores dos integrantes do empreendimento;

VII – equipamentos comerciais são as edificações vinculadas aos empreendimentos habitacionais cuja propriedade ficará em favor da entidade promotora do empreendimento ou da futura associação de moradores dos integrantes do empreendimento, destinadas à cessão a terceiros para a execução de atividades econômicas autônomas;

VIII – associados integrantes do empreendimento são as pessoas físicas organizadas em associações sem finalidades lucrativas ou cooperativas de produção, com comprovada atuação no âmbito da política habitacional e com auxílio de assessoria técnica, que controlam as etapas de concepção, planejamento, desenvolvimento e execução dos projetos habitacionais e do trabalho social, exercendo todas as atividades de administração da obra e de definição da forma de organização da pós-ocupação;

IX – processo participativo é o estímulo ao desenvolvimento, no processo de aquisição da moradia por parte dos associados e das entidades promotoras, de processos educacionais, pedagógicos, democráticos, de caráter emancipatório, que visem à promoção do direito à cidade e a territórios ambientalmente sustentáveis, bem como à distribuição equitativa da terra e ao combate à lógica da especulação imobiliária capitalista.

Art. 3º – A Política Estadual de Produção Social de Moradia por Autogestão se rege pelos seguintes princípios:

I – dignidade da pessoa humana;

II – direito social à moradia digna;

III – participação social e exercício da cidadania;

IV – inclusão socioeconômica;

V – função social da propriedade e da cidade;

VI – sustentabilidade ambiental.

Art. 4º – Esta política tem as seguintes finalidades:

I – promover o associativismo e o cooperativismo habitacionais, por meio da autogestão na produção social de moradias e da ajuda mútua entre associados, assegurando o protagonismo da população na solução de seus problemas habitacionais, em consonância com as necessidades e os usos e costumes locais;

II – estimular o financiamento, no sistema de autogestão da produção social de moradias, da elaboração de estudos preliminares, projetos e obras destinados à aquisição individual ou coletiva de unidades habitacionais novas, reformas, melhorias, urbanização e regularização fundiária ou requalificação de imóveis urbanos para famílias com renda mensal definida conforme regulamento.

Art. 5º – Na implementação da Política Estadual de Produção Social de Moradia por Autogestão deverão ser observadas as seguintes diretrizes:

I – localização do terreno na malha urbana ou em área de expansão que atenda aos requisitos estabelecidos pelo Poder Executivo Estadual e observada a legislação municipal existente;

II – adequação ambiental do projeto;

III – compatibilidade entre a proposta de empreendimento habitacional e as normas urbanísticas locais;

IV – seleção de propostas de associações e cooperativas habitacionais por meio de chamamentos públicos, garantindo a distribuição compatível com o déficit habitacional regionalizado.

Art. 6º – Na implementação da política de que trata esta lei em imóveis urbanos, serão observadas as seguintes diretrizes:

I – exigência de contribuição financeira dos participantes, sob a forma de prestações mensais, quando couber;

II – quitação da operação, em casos de morte ou invalidez permanente do beneficiário, sem cobrança de contribuição referente a prêmios e taxas;

III – cobertura de danos físicos ao imóvel, sem cobrança de contribuição do beneficiário;

IV – exigência do reembolso financeiro dos participantes, sob a forma de prestações anuais, a partir de 01 (um) ano após a conclusão do empreendimento.

Art. 7º – Os empreendimentos financiados na forma desta lei poderão ser implementados por meio de:

I – parcelamento do solo urbano, na forma da Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979;

II – instituição de condomínio edilício, nos termos da Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

III – regularização fundiária de interesse social, nos termos da Lei Federal nº 13.465, de 11 de julho de 2017;

IV – unidades, isoladas ou agrupadas, conforme a Lei Federal nº 11.326 de 24 de julho de 2006.

Art. 8º – A execução da Política Estadual de Produção Social de Moradia por Autogestão e a consecução dos interesses públicos de que tratam essa lei poderá ser regulamentada pelo Poder Executivo, podendo os municípios e regiões metropolitanas do Vale do Aço e de Belo Horizonte adotarem medidas semelhantes, mediante definição de:

I – critérios de financiamento e de concessão de subsídios para as diferentes ações e faixas de renda;

II – faixas de distribuição de recursos por municípios, de acordo com o perfil do déficit habitacional local.

III – critérios para habilitação das entidades promotoras, entre os quais:

a) constituição da entidade promotora há, no mínimo, 3 (três) anos antes da data de habilitação;

b) inserção da provisão habitacional ou da regularização fundiária nos estatutos sociais da entidade promotora;

c) comprovação de atuação da entidade promotora na área habitacional..

Art. 9º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 21 de junho de 2023.

Arnaldo Silva, presidente – Lohanna, relatora – Lucas Lasmar – Bruno Engler – Thiago Cota.