PL PROJETO DE LEI 95/2023

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 95/2023

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

A proposição em análise, de autoria do deputado Grego da Fundação, acrescenta o art. 2º-A à Lei nº 21.735, de 3 de agosto de 2015.

Publicado no Diário do Legislativo de 4/3/2023, foi o projeto distribuído às Comissões de Constituição e Justiça e de Administração Pública, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, do Regimento Interno.

Cumpre-nos, preliminarmente, examinar a proposição nos seus aspectos de juridicidade, constitucionalidade e legalidade, nos termos do art. 102, III, “a”, do mencionado Regimento.

Nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno, foram anexadas ao projeto as seguintes proposições: o Projeto de Lei nº 157, de 2023, de autoria do deputado Doutor Jean Freire, que “altera a nº Lei 14.184, de 31 de janeiro de 2002, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual”, e o Projeto de Lei nº 1.248, de 2019, de autoria do deputado Inácio Franco e posteriormente desarquivado pelo deputado Tito Torres, que “acrescenta o art. 2º-A à Lei nº 21.735, de 3 de agosto de 2015, que dispõe sobre a constituição de crédito estadual não tributário, fixa critérios para sua atualização, regula seu parcelamento, institui remissão e anistia e dá outras providências”.

Fundamentação

A proposição em análise tem como finalidade alterar a Lei nº 21.735, de 3 de agosto de 2015, que “dispõe sobre a constituição de crédito estadual não tributário, fixa critérios para sua atualização, regula seu parcelamento, institui remissão e anistia e dá outras providências”, acrescentando o art. 2º-A, cujo caput tem a seguinte redação: “iniciado o processo administrativo, após a cientificação válida do interessado, deverá ser reconhecida a prescrição intercorrente, de ofício ou a requerimento, desde que este se mantenha paralisado ou pendente de julgamento por mais de cinco anos seguidos”.

Os §§ 1º e 2º do mencionado art. 2º-A trazido pelo projeto dispõem que o termo inicial do prazo prescricional a que se refere o caput será a data da lavratura do auto de infração e que, reconhecida a prescrição intercorrente de que trata o caput, a administração pública deverá proceder ao arquivamento dos autos.

Ademais, nos termos do art. 2º da proposição, para os processos administrativos pendentes, deverá ser reconhecida a prescrição intercorrente, de ofício ou a requerimento, desde que o processo se mantenha pendente de julgamento por mais de 5 (cinco) anos seguidos.

Segundo justificação do autor, é necessária a alteração da legislação mineira para prever a prescrição intercorrente, a exemplo da legislação federal.

Destacamos que no final de 2018 foi aprovado nesta Casa o Projeto de Lei nº 5.236, de autoria do deputado Inácio Franco, que objetivava também alterar a Lei nº 21.735, de 2015, com conteúdo similar ao da proposição em análise, o qual foi objeto de veto por parte do governador, qual seja Veto nº 8/2019, ao argumento, entre outros, de que a proposta, apesar de meritória, pois visava dar maior eficiência à tramitação dos processos administrativos, implicaria o perecimento de significativo montante de recursos públicos relacionados à constituição do crédito tributário não estadual, considerando-se o cenário de calamidade financeira que atingia o Estado.

Posteriormente, foi apresentado o Projeto de Lei nº 1.248, de 2019, de mesma autoria e mesmo conteúdo, o qual foi aprovado em Plenário em 1º turno, na forma do Substitutivo nº 1 da Comissão de Administração Pública, e arquivado ao final da legislatura. O referido projeto foi objeto de pedido de desarquivamento pelo deputado Tito Torres e encontra-se anexado à presente proposição, ora em análise.

Consoante ressaltado pelo autor, na mesma linha dos projetos anteriormente citados, nos termos do art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação: “Não se pode admitir que a omissão administrativa do Estado o beneficie e torne imprescritível sua ação punitiva, afrontando a segurança jurídica”. O autor cita ainda um julgado do Tribunal de Justiça do Estado, no qual foi aplicado o instituto da prescrição intercorrente com base na legislação federal sobre o tema, a saber o Decreto Federal nº 20.910, de 1932, dada a ausência de regulamentação específica do tema em Minas.

As matérias constantes no projeto se inserem no domínio da competência legislativa estadual, conforme estabelecem os incisos I e XI do art. 24 da Constituição da República, segundo o qual compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito financeiro e sobre procedimentos em matéria processual. Além disso, no que se refere aos temas de direito administrativo, o estado possui competência legislativa residual (§ 1º do art. 25 da Constituição).

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a medida contida na proposição não se insere no rol constante no art. 66, III, da Constituição Estadual, que dispõe sobre as matérias de competência privativa do governador do Estado.

Reconhecemos que a competência legislativa sobre decadência e prescrição é tema controverso. Todavia, não há que se confundir a decadência e a prescrição relativas às relações privadas – matérias de direito civil e processual civil submetidas à competência legislativa privativa da União (art. 22, I, da Carta Maior) – com a decadência e prescrição administrativas, matérias inseridas na autonomia política e legislativa dos estados membros, municípios e Distrito Federal.

A ausência de norma específica para regrar a formação de créditos não tributários e estabelecer, por exemplo, o prazo decadencial do direito de constituí-los e o prazo prescricional para o exercício da pretensão de sua cobrança gerou sucessivos debates em âmbito jurisprudencial e doutrinário, culminando, no Estado, com a edição da Lei nº 21.735, de 2015, objeto de alteração pela proposição ora em exame. Verifica-se que esta intenta incluir previsão de “prescrição intercorrente administrativa”.

Entendemos que a matéria deve prosperar, pela ausência de óbices no que se refere à competência legislativa e à iniciativa.

Ressaltamos novamente que a proposição é muito similar aos projetos de lei que já tramitaram na Casa sobre o tema e objetiva criar regulamentação específica acerca da prescrição intercorrente no Estado, a exemplo da legislação federal. A propósito, citamos a Lei Federal nº 9.873, de 1999, a qual “estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, e dá outras providências” e cujo art. 1º, § 1º, assim dispõe: “Art. 1º (…) § 1º – Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso”.

É necessário observar que as disposições contidas na citada Lei Federal nº 9.873, de 1999, são aplicáveis tão somente no plano federal, por força do disposto em seu art. 1º, caput. No entanto, inexistindo legislação local específica, tem havido celeuma jurídica, ocorrendo julgados em que se aplicam a estados e municípios o prazo prescricional previsto no Decreto Federal nº 20.910, de 1932, art. 1º. Esse contexto justifica a criação de regulamentação específica no Estado.

Ressaltamos ainda que o projeto traz art. 2º cujo conteúdo é: “Para os processos administrativos pendentes até o início da vigência desta Lei, deverá ser reconhecida a prescrição intercorrente, de ofício ou a requerimento, desde que o processo se mantenha pendente de julgamento por mais de 5 (cinco) anos seguidos após a publicação desta lei”. Dessa forma, a prescrição intercorrente trazida pela proposição somente será aplicada a processos em curso se estes permanecerem parados por mais cinco anos após a data de publicação da futura lei.

Registramos que aqui não se aplica o disposto no art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF –, que preconiza a necessidade de que a proposta esteja acompanhada de estudo técnico e de medidas compensatórias. Pela literalidade do mencionado dispositivo, este se aplica somente à “concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita”. Ou seja, para fins de aplicação da LRF, o conceito de “renúncia de receita” refere-se à “renúncia de receita tributária”, compreendendo “anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado” (art. 14, § 1º).

Ademais, ainda que assim não se entendesse e, embora a previsão de prescrição intercorrente possa vir a gerar o cancelamento de créditos não tributários e, consequentemente, perda de receita para o Estado, não seria o caso de incidência das vedações da LRF ou mesmo do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT –, haja vista que essa possível perda seria plenamente evitada por uma atuação minimamente diligente da Administração, não permitindo que um processo fique parado por mais de cinco anos, dando cumprimento ao art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal de 1988.

Cabe-nos opinar, por força da Decisão Normativa da Presidência nº 12, de 2003, sobre as proposições anexadas, quais sejam o Projeto de Lei nº 157, de 2023, que “altera a Lei 14.184, de 31 de janeiro de 2002, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual”, e o Projeto de Lei nº 1.248, de 2019, que “acrescenta o art. 2º-A à Lei 21.735, de 3 de agosto de 2015, que dispõe sobre a constituição de crédito estadual não tributário, fixa critérios para sua atualização, regula seu parcelamento, institui remissão e anistia e dá outras providências”. Por se tratarem de matérias análogas à principal, a elas se aplicam os argumentos anteriormente expostos.

O Projeto de Lei nº 157, de 2023, é idêntico ao Projeto de Lei nº 3.000/2021, o qual estava anexado ao Projeto de Lei nº 1.248/2019 e foi arquivado ao final da legislatura. Portanto, serão aqui reproduzidos os mesmos argumentos. Conforme a Comissão de Administração Pública já havia se pronunciado quando de sua tramitação, este contém previsão acerca de prescrição ou decadência. Porém, a norma que trata da prescrição ou decadência para crédito estadual não tributário não é a Lei nº 14.184, de 2002 – que a proposição anexada pretende alterar –, mas a Lei nº 21.735, de 2015, cujo art. 2º (caput e § 1º) dispõe que: “Art. 2º – O exercício do dever de fiscalização da administração pública estadual, direta, autárquica e fundacional, visando a apurar ação ou omissão que configure infração administrativa ou contratual e a aplicar a respectiva penalidade, decai em cinco anos a contar da data em que a autoridade administrativa competente para fiscalizar tomar conhecimento do ato ou do fato” e “§ 1º – No caso de infração permanente ou continuada, o termo inicial do prazo decadencial a que se refere o caput será a data em que a autoridade administrativa competente para fiscalizar tomar conhecimento do ato ou do fato ou o dia em que cessar a prática da infração, devendo-se considerar o que ocorrer por último”. Também seu art. 3º, caput, estabelece que: “Art. 3º – Constituído definitivamente o crédito não tributário, mediante regular processo administrativo, prescreve em cinco anos a pretensão de exigi-lo”.

Além disso, conforme justificação do PL nº 157/2023, a intenção do autor seria “corrigir uma falha da legislação mineira, que não prevê os prazos de prescrição intercorrente aplicáveis em matéria ambiental”. Ou seja, o objetivo do projeto não seria o de abarcar todo e qualquer processo administrativo que verse sobre qualquer matéria. E a Lei nº 21.735, de 2015, trata de processo administrativo relacionado aos créditos não tributários, os quais, segundo o art. 39, § 2º, da Lei Federal nº 4.320, de 1964, englobam matéria ambiental. Dessa feita, o Substitutivo nº 1, ao final apresentado, engloba a pretensão trazida pelo citado projeto anexado (PL nº 157/2023).

Finalmente, no que se refere ao Projeto de Lei nº 1.248/2019, seja na sua forma original, seja na forma das alterações nele propostas, ele se encontra em grande medida contemplado pelo Substitutivo apresentado ao final deste parecer. Informamos, ainda, que incorporamos proposta de Substitutivo apresentada pelo autor, apenas com a inclusão do termo “por exclusiva inércia da administração pública” nos arts. 1º e 2º.

Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 95/2023, na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Acrescenta o art. 2º-A à Lei nº 21.735, de 3 de agosto de 2015, que dispõe sobre a constituição de crédito estadual não tributário, fixa critérios para sua atualização, regula seu parcelamento, institui remissão e anistia, e dá outras providências.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica acrescentado à Lei nº 21.735, de 3 de agosto de 2015, o seguinte art. 2º-A:

“Art. 2º-A – Após a notificação do interessado acerca da lavratura de auto de fiscalização ou de infração ou de outro documento que importe o valor do crédito não tributário, deverá ser reconhecida a prescrição intercorrente, de ofício ou a requerimento, desde que o processo administrativo se mantenha pendente de julgamento por mais de cinco anos seguidos por exclusiva inércia da administração pública.

Parágrafo único – Reconhecida a prescrição intercorrente de que trata o caput, a administração pública deverá proceder ao arquivamento dos autos.”.

Art. 2º – Para os processos administrativos pendentes de julgamento no início da vigência desta lei, será reconhecida a prescrição intercorrente, de ofício ou a requerimento, desde que o processo se mantenha pendente de julgamento por mais de cinco anos seguidos por exclusiva inércia da administração pública após a publicação desta lei.

Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 9 de maio de 2023.

Bruno Engler, presidente – Zé Laviola, relator – Bella Gonçalves – Thiago Cota – Charles Santos.