PL PROJETO DE LEI 3099/2021

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 3.099/2021

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria do deputado Professor Wendel Mesquita, o Projeto de Lei nº 3.099/2021 “institui a Carteira de Identificação da Pessoa com Doença Rara – CIPDR –, no âmbito do Estado de Minas Gerais”.

Publicado no Diário do Legislativo de 16/9/2021, o projeto foi distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

Em razão da semelhança, a proposição foi anexada ao Projeto de Lei nº 1.586/2015, que “autoriza o Poder Executivo a instituir o documento de identificação da pessoa com deficiência ou doença crônica”. Com o arquivamento deste, ao final da 19a Legislatura, passou a tramitar de forma autônoma. Posteriormente, foi anexado à proposição o Projeto de Lei nº 3.577/2022, do deputado Cristiano Silveira, que “dispõe sobre a inclusão, na Carteira de Identidade, de informações sobre condições específicas de saúde e o tipo de deficiência”.

Vem a matéria, preliminarmente, a esta comissão, para receber parecer sobre a sua juridicidade, constitucionalidade e legalidade, na forma do art. 188, combinado com o art. 102, III, “a”, do Regimento Interno.

Fundamentação

A proposição em exame pretende instituir, no Estado de Minas Gerais, a Carteira de Identificação da Pessoa com Doença Rara – CIPDR –, visando a facilitar o acesso das pessoas com doenças raras aos direitos estabelecidos em lei, notadamente nas áreas de saúde, educação e assistência social. Prevê as informações que devem constar do documento, que teria prazo de validade de cinco anos, bem como que a carteira seria emitida pela Secretaria de Estado de Saúde, mediante requerimento do interessado. Relaciona os direitos do titular da carteira, notadamente o atendimento preferencial em repartições públicas e em estabelecimentos privados de uso público, além de matrícula no estabelecimento público de ensino mais perto da residência, no caso de pessoa em idade escolar.

Na justificação, ressalta-se que a proposta: “se mostra de extrema importância não apenas para a fruição dos direitos de preferência estabelecidos no presente Projeto de Lei, mas, notadamente, para que os serviços de saúde do Estado de Minas Gerais comecem a registrar e identificar seus cidadãos acometidos por doenças raras, de modo que seja possível desenvolver, com base em evidências estatísticas, políticas públicas de saúde para esses indivíduos”.

Pese o mérito da proposição, cumpre esclarecer que, sob a ótica jurídico-constitucional, ela suscita questionamentos. No que concerne à competência para legislar sobre a matéria, seria duvidoso que o estado membro pudesse editar norma legal instituindo documento de identidade que ateste uma dada condição de seu portador, no caso uma doença rara, pois se trata de matéria da alçada legislativa da União, ente político constitucionalmente legitimado a ditar a disciplina jurídica relativa a documentos de identificação de pessoa física, a teor do disposto no art. 22, inciso I, da Constituição da República, combinado com o inciso XXV do mesmo artigo. O primeiro dos incisos citados confere competência privativa para a União legislar sobre direito civil, e o segundo lhe outorga tal competência em matéria de registros públicos.

Ademais, o projeto conteria vício de iniciativa, ao estabelecer novas atribuições para a Secretaria de Estado de Saúde. Com efeito, atribuições normativas expressamente endereçadas a tal órgão devem promanar de projeto de lei de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, sob pena de violação do art. 66, inciso III, alínea ‘f’, da Constituição do Estado, em que se acha abrigada a regra instituidora da reserva de iniciativa.

Confira-se, nesse sentido, o parecer da Comissão de Constituição e Justiça desta Assembleia Legislativa pela inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 2.216/2005, que pretendia autorizar o Poder Executivo a instituir documento de identificação da pessoa portadora de deficiência e de doença crônica.

Todavia, como relatamos, foi anexado à proposição o Projeto de Lei nº 3.577/2022, que “dispõe sobre a inclusão, na Carteira de Identidade, de informações sobre condições específicas de saúde e o tipo de deficiência”.

Nos termos deste projeto, pretende-se instituir a obrigatoriedade de que o Estado de Minas Gerais, por meio de seus órgãos competentes, faculte ao cidadão a inserção na Carteira de Identidade de informações relativas a deficiências ou condições específicas de saúde. Demais, prevê-se que o documento com essas informações poderia substituir outros documentos comprobatórios de deficiência, além de ser utilizado nos casos em que possa contribuir para a garantia de direitos ou para preservar a saúde da pessoa.

Na justificação, destacam-se o disposto na Lei Federal nº 9.049, de 1995, e as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal – STF – nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADIs – nºs 4007 e 4343, além de precedentes da legislação estadual paulista e carioca. Sustenta-se que a inclusão de condições particulares de saúde na carteira de identidade seria medida facultada ao legislador estadual, além de ter “(…) por efeito assegurar a proteção à saúde e aos direitos das pessoas com deficiência, com máxima prioridade, permitindo a rápida identificação de questões de saúde que possam vir a ser essenciais para o exercício de seus direitos”.

De fato, a referida Lei Federal nº 9.049, de 1995, estabelece que: “Art. 2º Poderão, também, ser incluídas na Cédula de Identidade, a pedido do titular, informações sucintas sobre o tipo sanguíneo, a disposição de doar órgãos em caso de morte e condições particulares de saúde cuja divulgação possa contribuir para preservar a saúde ou salvar a vida do titular”.

O Estado de São Paulo editou, então, a Lei nº 12.282, de 2006, que “dispõe sobre a inclusão dos dados sanguíneos na Carteira de Identidade emitida pelo órgão de identificação do Estado e dá outras providências”. Posteriormente, o Estado de Santa Catarina editou a Lei nº 14.851, de 2009, com idêntico conteúdo.

Ambas as normas foram impugnadas perante o STF, respectivamente por meio das ADIs nºs 4007 e 4343. No julgamento destas ações, a chamada Suprema Corte entendeu, contudo, por ampla maioria, pela constitucionalidade das disposições questionadas. Entendeu, com efeito, nos termos do voto da relatora, ministra Rosa Weber, que:

A Lei (…) observa fielmente a conformação legislativa do documento pessoal de identificação – cédula de identidade – tal como delineada pela União no exercício da competência privativa prevista no art. 22, XXV, da Carta Política. Limita-se, o diploma legislativo estadual, repito, a orientar a atuação administrativa do órgão estadual responsável pela emissão da Carteira de Identidade, no tocante ao cumprimento do disposto no art. 2º da Lei Federal nº 9.049/1995, em absoluto incorrendo, a meu juízo, em usurpação de competência privativa da União, porque não está a legislar sobre registros públicos.

Agrego ao voto, nesse passo, os fundamentos esgrimidos no Plenário pelos ilustres pares, no sentido de que, no caso, amparada a atividade legislativa do Estado-membro, ainda, no legítimo exercício da competência concorrente para legislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, da Lei Maior), estabelecendo regras que em absoluto atritam, materialmente, com os padrões definidos na legislação federal. Nada há na lei estadual que possa conduzir à invalidade ou ineficácia do documento de identidade expedido pelo órgão estadual incumbido dessa atribuição. (ADI nº 4007, p. 6).

Acrescentou-se, ademais, que:

Inocorrente, pelo mesmo motivo, vício de iniciativa na origem do diploma impugnado, na medida em que uma vez já facultado, por norma federal, o registro do tipo sanguíneo e do fator Rh na carteira de identidade, a norma estadual concretizadora não implica, ela mesma, aumento de despesa. (…)

Por fim, nada dispondo, a Lei estadual impugnada, sobre direitos ou obrigações dos particulares, limitado o seu escopo a disciplinar a organização e a atuação do órgão da Administração estadual responsável pela emissão da Carteira de Identidade, tampouco há falar em afronta à competência privativa da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I, da Constituição da República). (ADI nº 4007, p. 8).

Diante desses precedentes, da competência legislativa concorrente estadual em matéria de proteção e defesa da saúde, da inocorrência de criação de órgão público, vez que a proposição se limitaria a desenvolver competência já exercida por autoridades estaduais, notadamente a orientar a atuação administrativa do órgão responsável pela emissão de carteira de identidade no tocante ao cumprimento do disposto no art. 2º da Lei Federal nº 9.049, de 1995, enfim, entendemos que os projetos de lei em exame podem ser legitimamente discutidos e eventualmente aprovados no âmbito desta Assembleia Legislativa, na forma do substitutivo que apresentamos ao final deste parecer.

Conclusão

Diante do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 3.099/2021 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Dispõe sobre a inclusão na cédula de identidade ou documento pessoal de identificação de informações sobre condições de saúde.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Serão incluídas na cédula de identidade ou documento pessoal de identificação emitido por órgão estadual competente, mediante requerimento do titular, informações sobre condições de saúde, notadamente sobre doença grave, incapacitante ou limitante, de caráter permanente, na forma de regulamento.

Parágrafo único – A inclusão das informações a que se refere o caput fica condicionada à comprovação das informações perante o órgão estadual competente, na forma de regulamento.

Art. 2º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 23 de maio de 2023.

Arnaldo Silva, presidente e relator – Doutor Jean Freire – Bruno Engler – Zé Laviola – Charles Santos.