PL PROJETO DE LEI 2309/2020

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 2.309/2020

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria das deputadas Andréia de Jesus, Leninha, Beatriz Cerqueira e Ana Paula Siqueira, a proposição em epígrafe “cria o Programa de Enfrentamento ao Assédio e Violência Política Contra a Mulher, no âmbito do Estado”.

Publicado no Diário do Legislativo de 17/12/2020, o projeto foi distribuído às Comissões de Constituição e Justiça e de Defesa dos Direitos da Mulher para receber parecer, nos termos do art. 188 do Regimento Interno.

Cabe a esta comissão, preliminarmente, apreciar os aspectos jurídico, constitucional e legal da matéria, conforme prescreve o art. 102, III, “a”, do mencionado Regimento.

Fundamentação

O projeto de lei em análise visa adotar medidas de prevenção e combate ao assédio e à violência política contra a mulher no âmbito do Estado de Minas Gerais por meio de um programa de enfrentamento a essa forma de violência, definindo conceitos, objetivos, deveres para órgãos, entidades públicas e instituições políticas. Também estabelece formas de denúncia de diversas formas de manifestação da violência política.

As autoras da proposição afirmam que ela é “fundamental para assegurar o exercício dos direitos políticos das mulheres filiadas a partido político, candidatas, eleitas ou nomeadas, independente de sua raça, sexualidade e religiosidade”.

O debate sobre a violência política contra a mulher tem ganhado força no âmbito internacional e nacional, especialmente devido a casos emblemáticos que seguem se multiplicando. Trata-se de uma forma de violência derivada da relação entre a violência política em geral e a singularidade de condutas ou omissões pautadas por padrões sociais discriminatórios contra a mulher. Ela se manifesta de forma direta ou por terceiros e visa anular, impedir, depreciar ou dificultar o exercício dos direitos políticos das mulheres, pelo simples fato de serem mulheres, consideradas em todas as suas facetas, como cor, raça, etnia, religiosidade, classe social e orientação sexual.

Destaca-se que tal categoria de violência não deixa de ser uma espécie de violência contra a mulher e sabe-se que o reconhecimento de sua vulnerabilidade à violência tem mobilizado diversos países e gerado mudanças importantes nas políticas nacionais, regionais e internacionais. Entre os documentos de referência, podemos citar a Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, que inovou ao reconhecer os direitos humanos das mulheres como parte indivisível e inalienável dos direitos humanos universais e ao afirmar que a violência de gênero é incompatível com a dignidade e o valor da pessoa humana. Tem-se, também, no plano internacional, o Comitê para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que atua sobre questões conexas à violência de gênero, e a Declaração sobre Violência e o Abuso Político contra as Mulheres, publicado em 2015, pela Comissão Interamericana de Mulheres da Organização dos Estados Americanos – OEA.

No Brasil, destaca-se a promulgação da Lei Federal nº 11.340, de 2011, ato que representa o reconhecimento do Estado brasileiro de que a violência doméstica e familiar contra a mulher é um fato social relevante, nocivo e merecedor da intervenção estatal para coibir sua ocorrência e prevenir sua proliferação. A referida norma, no dizer da desembargadora Maria Berenice Dias, “busca nada mais do que resgatar a cidadania feminina” ao impor a realização de ações afirmativas a cargo das diferentes esferas federadas do Estado brasileiro em favor das mulheres vítimas de violência intrafamiliar ou doméstica (Dias, Maria Berenice. “A Lei Maria da Penha na Justiça – A efetividade da Lei nº 11.340, de 2011, de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher”. RT, 3ª ed., 2ª tir., 2012, p. 15-16).

E, mais especificamente, tem-se hoje a Lei Federal nº 14.192, de 4 de agosto de 2021, que “estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher; e altera a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), para dispor sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral, para criminalizar a violência política contra a mulher e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatas às eleições proporcionais”.

Essas normas, bem como a matéria do presente projeto, amparam-se, seguramente, no princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres inscrito no inciso I do art. 5º da Constituição Federal, coadunando-se também com um dos objetivos fundamentais da República, enumerados no inciso IV do art. 3º do texto constitucional, ao instituir normas de não discriminação e de proteção aos direitos políticos das mulheres.

Além disso, reforça-se que cabe ao Estado – aqui entendido em todas as suas esferas federativas (União, estados membros, municípios e Distrito Federal) – promover a proteção dos direitos humanos e combater as diversas formas de violência contra a mulher, que constitui uma das formas de violação de tais direitos. Nesse contexto normativo, conclui-se que compete ao estado legislar sobre política de proteção e amparo à mulher vítima de violência política e, portanto, inexiste vedação constitucional a que esse ente trate da matéria mediante lei, devendo a proposta ser apreciada por esta Casa Legislativa, nos termos do que dispõe o art. 61, XIX, da Constituição Mineira.

A proposição de lei em apreço, contudo, dispõe sobre um programa de enfrentamento ao assédio e violência política contra a mulher. Projeto de lei, ainda que de iniciativa de parlamentar, pode fixar diretrizes de políticas públicas estaduais, mas não se admite que a proposição entre em detalhes ou disponha sobre programas decorrentes dessa política. Reconhecer os limites em que a legislação, sobretudo quando decorrente de projetos de iniciativa parlamentar, pode disciplinar uma determinada política pública significa reconhecer, em cada caso, o ponto de equilíbrio entre os Poderes Executivo e Legislativo. Afinal, retirar do Parlamento a possibilidade de fixar balizas que orientam, de forma genérica, as políticas governamentais importa reconhecer que o Poder Executivo as formula e as implementa como bem entende, provocando um desequilíbrio entre os Poderes do Estado, em ofensa ao disposto no art. 2º da Constituição da República. Cabe, portanto, ao Parlamento fixar tais balizas, permanecendo a cargo do Poder Executivo definir a melhor forma de implementá-las.

Assim, se a medida tem natureza administrativa, ela se enquadra no campo de atribuições do Poder Executivo, ao qual compete prestar serviços públicos ou de utilidade pública, observadas as diretrizes constitucionais e as normas aprovadas pelo Legislativo, como diversas vezes esta comissão já demonstrou no exame de proposições de mesma natureza. Nesse passo, a elaboração e a execução de programas são iniciativas que dispensam autorização legislativa e configuram atribuição típica do Poder Executivo, detentor da competência constitucional para realizar tais ações de governo.

Considera-se, entretanto, que, em face do mérito da temática, tal vício jurídico pode e deve ser sanado, adequando-se seu conteúdo às normas de competência e iniciativa do texto constitucional. Para tanto, apresentamos, no final deste parecer, o Substitutivo nº 1, elaborado em consonância com as orientações da Cartilha sobre Violência Política de Gênero do Observatório Nacional da Violência Política contra a Mulher, publicada com apoio do Tribunal Superior Eleitoral.

O Substitutivo nº 1 visa instituir a política de Enfrentamento à Violência Política contra a Mulher no Estado, fortalecendo o combate à violência contra este grupo vulnerável específico: as mulheres. Busca-se, nele, definir violência política contra a mulher, bem como delimitar os elementos e suas formas de manifestação a partir de uma perspectiva ampliada sobre os direitos políticos. O projeto proposto estabelece, ainda, diretrizes e objetivos para a efetividade desses direitos, constituindo-se em um documento importante para a implementação de ações, programas e condutas de combate a essa violência que acontece no âmbito do espaço público.

Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 2.309/2020 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Institui a política de enfrentamento à violência política contra a mulher no Estado.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica instituída no Estado a política de enfrentamento à violência política contra a mulher.

Parágrafo único – Para fins do disposto nesta lei, considera-se violência política contra a mulher qualquer ação, comportamento ou omissão, individual ou coletivo, com a finalidade de impedir ou restringir o exercício de direito político pelas mulheres.

Art. 2º – São diretrizes da política de que trata esta lei:

I – compreensão de direito político de forma ampla e não restrita ao processo eleitoral ou ao exercício de mandato eletivo, abrangendo também a participação em partidos e associações, a participação em manifestações políticas e atividades de militância, entre outros;

II – interseccionalidade na concepção e na implementação das ações voltadas para o enfrentamento à violência política contra a mulher, considerando-se a violência política contra a mulher em sua relação com aspectos relativos a cor, raça, etnia, religiosidade, classe social e orientação sexual.

Art. 3º – Configura violência política contra a mulher, entre outros:

I – assediar, constranger, humilhar ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, com a finalidade de impedir ou dificultar sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo;

II – depreciar candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo por sua condição de mulher;

III – perpetrar agressões físicas, verbais ou psicológicas contra mulher ou contra seus familiares, com o propósito de impedir ou restringir sua atuação política ou o desempenho das funções inerentes a seu cargo ou de forçá-la a realizar, contra sua vontade, determinada ação ou incorrer em omissão no desempenho de suas funções ou no exercício de seus direitos políticos;

IV – praticar difamação, calúnia, injúria ou qualquer manifestação que rebaixe a mulher no desempenho de suas atividades políticas, com base em estereótipos de gênero, com o propósito de minar sua imagem pública ou prejudicar o exercício de seus direitos políticos;

V – promover aproximações de natureza sexual ou contato sexual não consentido, atos ou falas de natureza sexual que causem constrangimento no ambiente em que a mulher desenvolve sua atividade política, com o propósito ou resultado de prejudicar sua atuação ou o exercício de seus direitos políticos;

VI – ameaçar, intimidar ou incitar a violência contra a mulher ou contra seus familiares em razão de sua atuação política;

VII – discriminar a mulher no exercício de seus direitos políticos por estar grávida, no puerpério ou em licença maternidade;

VIII – realizar atos que prejudiquem a campanha eleitoral de candidata, impedindo que a competição eleitoral transcorra em condições de igualdade;

IX – impedir, por qualquer meio, mulheres eleitas de exercerem suas prerrogativas parlamentares em igualdade de condições com os homens ou procurar restringir o uso da palavra em conformidade com os regulamentos estabelecidos, em razão de sua condição de mulher;

X – impor à mulher, por estereótipo de gênero, interseccionado ou não com raça, cor, etnia, classe social, orientação sexual ou religiosidade, a realização de atividades e tarefas não relacionadas com as atribuições de seu cargo.

Art. 4º – São objetivos da política de que trata esta lei:

I – identificar, prevenir e combater ação, comportamento ou omissão que configure violência política contra a mulher;

II – garantir o direito de participação política da mulher e combater a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de gênero no acesso às instâncias de representação e no exercício de suas atividades políticas;

III – combater qualquer forma de discriminação de gênero, considerando-se também aspectos relativos a raça, cor, etnia, classe social, orientação sexual e religiosidade, que tenha por finalidade ou resultado impedir ou prejudicar o exercício dos direitos políticos da mulher;

IV – desenvolver e implementar medidas que ampliem a participação das mulheres na política;

V – promover a divulgação de informações sobre as formas de identificar, denunciar e combater a violência política contra a mulher;

VI – fomentar a participação das mulheres na vida pública, em partidos, associações e organizações comunitárias;

VII – fomentar a formação política das mulheres;

VIII – promover mecanismos de acompanhamento das candidaturas femininas, com levantamento de dados sobre o número de candidatas, a destinação de recursos e o cumprimento da cota de candidaturas femininas, entre outros dados relevantes;

IX – fomentar a criação de canais de denúncia de atos de violência política contra a mulher;

X – promover ações que fomentem a paridade entre homens e mulheres em todos os órgãos e instituições públicos e nas instâncias decisórias de partidos políticos, associações e organizações políticas;

XI – instituir mecanismos de monitoramento e avaliação das ações de prevenção e enfrentamento à violência política contra a mulher, por meio de parcerias entre órgãos e entidades públicos e organizações privadas.

Art. 5º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 7 de março de 2023.

Arnaldo Silva, presidente e relator – Charles Santos – Doutor Jean Freire – Thiago Cota – Zé Laviola.