PL PROJETO DE LEI 2309/2020

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 2.309/2020

Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher

Relatório

De autoria das deputadas Andréia de Jesus, Leninha, Beatriz Cerqueira e Ana Paula Siqueira, o Projeto de Lei nº 2.309/2020 “cria o Programa de Enfrentamento ao Assédio e Violência Política Contra a Mulher, no âmbito do Estado”, tendo sido distribuído às Comissões de Constituição e Justiça e de Defesa dos Direitos da Mulher, para receber parecer.

A Comissão de Constituição e Justiça concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou.

Cabe agora a esta comissão emitir parecer sobre o mérito, nos termos do art. 102, XXII, combinado com o art. 188, do Regimento Interno.

Fundamentação

A proposição em análise objetiva, conforme seu art. 1º, criar, na esfera estadual, um programa para prevenir e enfrentar o assédio e a violência política contra a mulher, visando alcançar atos individuais ou coletivos que possam ser assim identificados ou caracterizados e buscando contemplar as mulheres em sua diversidade, de modo a assegurar o pleno exercício de seus direitos consoante o disposto na Constituição Federal (inciso I do art. 5º) e nos tratados e instrumentos internacionais de direitos humanos das mulheres, entre eles a Comissão sobre o Estatuto das Mulheres da Organização das Nações Unidas – ONU.

Para tal: dispõe sobre os objetivos do referido programa (art. 2º); contém definições centrais para a aplicação e interpretação de seu teor (todas relacionadas a assédio ou violência política – arts. 5º e 6º); estabelece o alcance da obrigatoriedade de sua observância (todas as instâncias da esfera política e dos entes públicos no âmbito estadual – art. 3º); estipula deveres a serem observados e cumpridos (art. 4º); determina a nulidade de ato praticado por mulheres em decorrência de situação de violência e a respectiva instauração de procedimento administrativo para responsabilização do autor (art. 7º); elenca as possibilidades de denúncia (pela vítima e outros – arts. 10 e 12); fixa o dever de comunicação às autoridades competentes, por parte de servidores públicos que tenham conhecimento de atos de assédio ou violência política contra mulheres candidatas, eleitas ou nomeadas em função pública, ficando preservada a identidade do denunciante (art. 11); e prevê ações a serem instituídas pelo Poder Executivo para imprimir eficácia à implementação do Programa de Enfrentamento ao Assédio e Violência Política Contra a Mulher, em questão (arts. 8º e 9º).

A Comissão de Constituição e Justiça ressaltou inicialmente, em seu parecer, que o debate acerca do tema violência política contra a mulher “tem ganhado força no âmbito internacional e nacional, especialmente devido a casos emblemáticos que seguem se multiplicando”, definindo tal forma de violência e pontuando que ela “visa anular, impedir, depreciar ou dificultar o exercício dos direitos políticos das mulheres, pelo simples fato de serem mulheres”. Mencionou iniciativas no plano internacional surgidas em face do reconhecimento da vulnerabilidade da mulher à violência, em suas diversas formas, em razão de gênero. Citou a Lei Federal nº 11.340, de 7/8/2006 – Lei Maria da Penha –, como “ato que representa o reconhecimento do Estado brasileiro de que a violência doméstica e familiar contra a mulher é um fato social relevante, nocivo e merecedor da intervenção estatal para coibir sua ocorrência e prevenir sua proliferação”. Abordou também a Lei Federal nº 14.192, de 4/8/2021, a qual estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher e que, ao modificar outras leis, dentre outras mudanças estabelece que a violência política contra a mulher constitui crime. Considerou que ambas essas leis, assim como a proposição aqui em análise, amparam-se no princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, em consonância com o prescrito pela Constituição Federal.

Acerca dos aspectos específicos que lhe compete analisar, a Comissão de Constituição e Justiça avaliou inexistir vedação constitucional para que “o Estado trate da matéria mediante lei, devendo a proposta ser apreciada por esta Casa Legislativa, nos termos do que dispõe o art. 61, XIX, da Constituição Mineira”. Todavia, verificou existir vício quanto à elaboração e execução de programa – iniciativa que dispensa autorização legislativa e configura atribuição típica do Poder Executivo –, mas passível de ser sanado, inclusive em razão do mérito da temática. Dessa forma – e em consonância com as orientações da Cartilha sobre Violência Política de Gênero, elaborada pelo Observatório Nacional da Violência Política contra a Mulher e publicada com apoio do Tribunal Superior Eleitoral –, apresentou o Substitutivo nº 1, com vistas a instituir uma política de combate à violência política contra a mulher no Estado, fortalecendo o enfrentamento desse problema.

Na perspectiva do mérito sobre o qual cabe a esta Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher se pronunciar, corroboramos as ponderações trazidas pelo parecer da Comissão de Constituição e Justiça e estamos de pleno acordo com os argumentos contidos na justificação apresentada pelas autoras do projeto sob análise. Destes, destacamos a necessidade de se considerar as mulheres em toda a sua diversidade (aí incluídos aspectos de cor, raça, etnia, religiosidade, classe social, orientação sexual, dentre outros), o que reputamos inafastável em se tratando do enfrentamento das diversas formas de violências que as vitimam, e a premência de assegurar-lhes todos os direitos e a plena igualdade em relação aos homens. A realidade fática – cruel em informações reveladoras da cotidiana e reiterada discriminação negativa e da prática de diversos tipos de violência em relação às mulheres, em virtude de gênero – serve como principal reforço a essa avaliação, e os dados apresentados pelas autoras da proposição bem ilustram esse cenário. Há, na literatura especializada e em estudos e anuários, diversos outros, que desvelam o quanto as questões de gênero, associadas a variáveis tais como cor da pele, raça, etnia, sexualidade e religiosidade, dentre outras, não apenas conformam barreiras à presença e à participação das mulheres em diversos espaços da vida pública, inclusive o mercado de trabalho, mas também constituem os atributos subjacentes aos estarrecedores números relativos às muitas formas de violências praticadas contra a mulher.

No tocante à violência política em particular, a sub-representação das mulheres no exercício de mandatos eletivos serve como reflexo de sua existência na prática. Afinal, a presença feminina nesses cargos, ainda que crescente nas últimas quatro décadas e com maior representatividade de sua diversidade nas eleições mais recentes, ainda é bastante reduzida: hoje, apenas 17,7% dos 513 parlamentares do Congresso Nacional são mulheres e, no Senado, elas ocupam só 10 das 81 cadeiras; já entre os 26 estados e o Distrito Federal, apenas dois são governados por mulheres (Rio Grande do Norte e Pernambuco)1. Esse quadro assume sua devida relevância ao considerarmos que as mulheres são mais da metade do eleitorado nacional (52,65%)2 e que ele ocorre a despeito da existência de legislação, desde 1997, prevendo a reserva de 30% de candidaturas femininas nas listas partidárias. Em Minas Gerais, o cenário não é outro: na última legislatura, só 10 das 77 cadeiras da ALMG eram ocupadas por mulheres; na atual, esse número subiu para 15, um acréscimo de 50%, mas ainda insuficiente, quando verificamos que do total de pessoas aptas a votar no Estado, 8.505.582 são mulheres e 7.778.969 são homens3.

A matéria é bastante abrangente, devendo, a nosso ver, amplificar o conceito desse tipo de violência para além do direito da mulher de votar e de ser votada e adotar uma abordagem interseccional, sem desviar a atenção de circunstâncias específicas, a exemplo de sua prática por meio virtual. Tema de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da ALMG em 16/3/2022, evidenciou-se, nessa ocasião, que o enfrentamento desse tipo específico de violência – cada vez mais frequente em razão de gênero e raça – constitui grande desafio, devido inclusive à ainda necessidade de se criar mecanismos eficazes que garantam a aplicação e a adequação dos dispositivos e procedimentos das leis penais e processuais penais aos crimes ditos cibernéticos.

As considerações acima demonstram o quão a proposição em comento é valiosa e merecedora de concluir seu ciclo de tramitação nesta Casa Legislativa, de forma exitosa. Contudo, assim como a comissão que nos precedeu, avaliamos existir a necessidade de ajustes, e consideramos que o Substitutivo nº 1, por ela apresentado, mostra-se apropriado. Afinal, ele contempla as adequações pertinentes inclusive quanto ao aperfeiçoamento relativo ao mérito, mantendo o cerne da proposição original e alargando-o ao adotar uma perspectiva ampliada sobre os direitos políticos.

Conclusão

Em face do exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 2.309/2020, no 1º turno, na forma do Substitutivo nº 1, apresentado pela Comissão de Constituição e Justiça.

Sala das Comissões, 7 de março de 2023.

Ana Paula Siqueira, presidente – Maria Clara Marra, relatora – Alê Portela – Andréia de Jesus – Delegada Sheila.

1Disponível em: <https://bit.ly/3ZqtERE>. Acesso em: 6 mar. 2023.

2Disponível em: <https://bit.ly/3ZoOuAV>. Acesso em: 6 mar. 2023.

3Idem, ibidem.