PL PROJETO DE LEI 1246/2019

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 1.246/2019

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria do deputado Mauro Tramonte, o Projeto de Lei nº 1.246/2019 “institui a campanha permanente de combate ao assédio e à violência contra mulheres nos eventos culturais e esportivos realizados no Estado e dá outras providências”.

Publicado no Diário do Legislativo de 14/11/2019, o projeto foi distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, dos Direitos da Mulher e de Desenvolvimento Econômico.

Compete a esta comissão, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, III, “a”, do Regimento Interno, manifestar-se preliminarmente quanto aos aspectos de juridicidade, constitucionalidade e legalidade da proposição.

Em razão da semelhança do objeto, a Presidência determinou que fossem anexados à proposição os seguintes projetos, com base no art. 173, §§ 2º e 3º do Regimento Interno: o Projeto de Lei 1.549/2020, que “cria a campanha permanente contra o assédio e a violência sexual nos estádios”; o Projeto de Lei nº 3.552/2022, que “altera a Lei nº 15.457, de 12 de janeiro de 2005, que institui a Política Estadual de Desporto”; o Projeto de Lei nº 274/2023, que “cria o programa Tendas Violetas no âmbito do Estado”; o Projeto de Lei nº 485/2023, que “autoriza o Poder Público a criar a Base Móvel da Polícia Militar para atendimento exclusivo às mulheres vítimas de importunação ou delitos nos eventos de rodeio e assemelhados”, e o Projeto de Lei nº 1.426/2023, que “dispõe sobre a interrupção de partidas esportivas, profissionais ou amadoras nos estádios, ginásios e arenas esportivas públicas ou privadas, no âmbito do Estado, e dá outras providências”.

Fundamentação

O Projeto de Lei nº 1.246/2019 pretende estabelecer a campanha permanente de combate ao assédio e à violência contra mulheres nos eventos culturais e esportivos realizados no Estado.

Para tanto, lista as ações que a campanha deverá realizar e os objetivos a serem atingidos. Pretende também condicionar a execução de eventos públicos no Estado à realização das ações nela propostas, além de prever sanção pecuniária pelo descumprimento de seus comandos.

Entendemos que a importunação sexual e a violência praticadas contra as mulheres, a despeito do local onde ocorram, são atentados a direitos fundamentais das vítimas, a saber, à sua integridade física e à sua higidez psicológica. Esses direitos decorrem do direito fundamental à vida, afirmado como inviolável pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal, e geram para os diferentes entes federados brasileiros o dever de organização e de procedimento para que adotem medidas legislativas e materiais que os protejam e tornem efetiva a promessa constitucional da sua inviolabilidade.

Firmadas essas premissas, percebemos que o projeto em análise busca estabelecer o dever de realização de campanhas de combate ao assédio sexual e à violência contra mulheres nos eventos públicos e em estádios no Estado. Essas devem ter por objetivo a conscientização dos frequentadores desses eventos e espaços como meio de combate a tais episódios de violação de direitos da mulher e também o oferecimento de serviços públicos para recebimento de denúncias de assédio ou violência que tenham ocorrido nesses locais.

Então, a proposição encarta-se na competência legislativa outorgada ao estado membro pela Constituição Federal de 1988. Com efeito, segundo o disposto no art. 24, IV, da Carta da República, cabe ao estado federado legislar concorrentemente com a União sobre educação, cultura e desporto. E a proposta em apreço não é outra senão a de instituir campanha educativa como meio de prevenir a violação dos direitos das mulheres.

Logo, conclui-se pela competência material do estado membro para versar sobre o tema tratado na proposição em análise.

Entretanto, a elaboração e a execução de campanha, plano ou programa administrativo são atividades inseridas no rol de atribuições do Poder Executivo, detentor da competência constitucional para realizar tais ações de governo. Não há como confundir os parâmetros ou regras básicas que devem nortear o programa que visa a conscientização de pessoas no Estado sobre determinado tema com as ações ou medidas concretas tomadas pelo Poder Executivo na implementação desse programa. Aqueles devem ser objeto de lei, tradicionalmente definida como ato normativo genérico, abstrato e inovador, ao passo que os atos e procedimentos administrativos, que abrangem programas e campanhas, são da alçada do governo e consistem basicamente na aplicação das normas jurídicas vigentes que balizam os comportamentos da administração pública.

Verifica-se, pois, que a proposição trata também de matéria de cunho essencialmente administrativo, o que torna sua tramitação inviável do ponto de vista constitucional. Incorre, portanto, em vício de inconstitucionalidade em virtude da invasão do Legislativo em seara tipicamente administrativa, reservada ao Executivo, o que viola o princípio constitucional da separação dos Poderes.

Assim, para afastar os vícios de inconstitucionalidade dos quais a proposição padece, apresentamos, ao final do parecer, o Substitutivo nº 1, que busca alterar a Lei nº 22.256, de 14/5/2009, que institui a política de atendimento à mulher vítima de violência no Estado, para nela inserir medida contemplada na proposição como uma das ações da política ali prevista.

Passamos a nos manifestar sobre os projetos anexados, em cumprimento ao disposto no art. 173, § 3º do Regimento Interno da ALMG.

O Projeto de Lei nº 1.549/2020, anexado à proposição, tem por objetivo criar a campanha permanente contra o assédio e a violência sexual nos estádios. O aspecto territorial da hipótese de incidência da norma é menos amplo do que o do projeto ao qual foi anexado, uma vez que pretende que a campanha de conscientização seja divulgada nos estádios do Estado. Ademais, o aspecto material da hipótese de incidência também é mais restrito, pois alcança atos de assédio sexual e violência sexual contra mulheres que tenham sido praticados nos estádios do Estado.

O Projeto de Lei nº 3.552/2022 também objetiva a criação de campanha de enfrentamento do assédio e da violência sexual nos eventos esportivos no Estado, mas pretende estabelecer a obrigatoriedade da realização das campanhas mediante alteração da Lei nº 15.457, de 12/1/2005, que institui a Política Estadual de Desporto. Entendemos que a alteração deve ser feita na lei estadual específica que trata sobre a política de atendimento à mulher vítima de violência no Estado, dada a especificidade da matéria.

O Projeto de Lei nº 274/2023, por sua vez, pretende criar o Programa Tendas Violetas no Estado de Minas Gerais, para criar serviço público de prevenção de abuso, assédio e importunação sexuais que possam ocorrer durante eventos culturais, festivos e de lazer de grande porte no Estado. Pretende fixar a quais órgãos estaduais caberá a execução do programa, as características físicas dos locais de atendimento e dos serviços a serem disponibilizados e os princípios a serem observados por sua execução.

Já o Projeto de Lei nº 485/2023 pretende autorizar o Poder Executivo a criar base móvel da Polícia Militar de Minas Gerais para atendimento à mulher nos eventos de rodeio e assemelhados.

Por fim, o Projeto de Lei nº 1.426/2023 pretende estabelecer o dever de interrupção de partidas esportivas, profissionais ou amadoras, nos estádios, ginásios e arenas esportivas públicas ou privadas no Estado em caso de manifestações de cunho sexual, importunação sexual, prática de atos obscenos ou de misoginia. De acordo com a proposição, qualquer pessoa presente no local poderá denunciar as condutas proibidas por ela ao delegado da partida ou a qualquer funcionário da organização do evento, que deverá ser imediatamente interrompido, e comunicar sua ocorrência às autoridades competentes.

Destacadas essas particularidades, toda a argumentação desenvolvida ao longo deste parecer é aplicável aos Projetos de Lei nº 1.549/2020, nº 3.552/2022, nº 274/2023 e nº 485/2023, em especial no que tange aos vícios de inconstitucionalidade apontados. Quanto ao Projeto de Lei nº 1.426/2023, entendemos que ele pretende regular matéria de direito do trabalho, haja vista que cria deveres e obrigações a empregados de empresas e organizações responsáveis pela realização de eventos esportivos no Estado. Dado que a competência legislativa para regular essa matéria é da União, por força do disposto no art. 22, I, da Constituição Federal, este projeto padece de irremissível vício de inconstitucionalidade formal.

      1. Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela constitucionalidade, legalidade e juridicidade do Projeto de Lei nº 1.246/2019 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Acrescenta inciso ao art. 4º da Lei nº 22.256, de 26 de julho de 2016, que institui a política de atendimento à mulher vítima de violência no Estado.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica acrescentado ao art. 4º da Lei nº 22.256, de 26 de julho de 2016, o seguinte inciso XIII:

“Art. 4º – (...)

XIII – realização de campanhas em eventos culturais e esportivos voltadas para conscientização, prevenção e enfrentamento da importunação sexual e das demais formas de violência contra a mulher.”.

Art. 2º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 20 de março de 2024.

Arnaldo Silva, presidente –Thiago Cota, relator – Doutor Jean Freire – Zé Laviola – Thiago Cota.