PL PROJETO DE LEI 4828/2017

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 4.828/2017

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria do deputado Antônio Jorge, a proposição em análise autoriza o Poder Executivo a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível aos filhos de pessoas atingidas pela hanseníase.

Publicada no Diário do Legislativo de 7/12/2017, a proposição foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça, de Saúde e de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

Preliminarmente, vem a matéria a esta comissão para receber parecer sobre sua juridicidade, constitucionalidade e legalidade, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, III, “a”, do Regimento Interno.

Fundamentação

O projeto de lei em análise visa autorizar o Poder Executivo a conceder um benefício social especial, mensal, vitalício e intransferível aos filhos de pessoas atingidas pela hanseníase e que foram afastados compulsoriamente do convívio com os pais, internados pelo poder público em hospitais-colônias.

A política de combate à hanseníase que perdurou durante muitos anos no Brasil tinha como uma das diretrizes o isolamento das pessoas com hanseníase nos sanatórios e leprosários, mas não se resumia aos doentes. Por determinação legal, desde 1920, também eram afastados compulsoriamente os seus filhos, inclusive recém-nascidos, e todos eles permaneciam sob o controle do Estado.

Em 2007, o Governo Federal reconheceu a violação de direitos humanos decorrente das ações institucionais e legais que resultaram na segregação compulsória dos doentes e instituiu uma medida indenizatória em benefício dos ex-portadores de hanseníase submetidos à política de isolamento compulsório. Nesse sentido, foi publicada a Medida Provisória nº 373, convertida na Lei Federal nº 11.520, de 18 de setembro de 2007, que instituiu a pensão especial mensal a pessoas atingidas pela hanseníase, submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônias. Essa lei foi regulamentada pela Instrução Normativa nº 30, de 2008, do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS –, que definiu os procedimentos para o processamento, a manutenção e o pagamento da pensão a pessoas atingidas pela hanseníase, submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônias até 31 de dezembro de 1986.

Entretanto, a medida indenizatória estabelecida pelo Governo Federal só beneficia as pessoas portadoras de hanseníase internadas compulsoriamente e não abrange os seus filhos que foram na mesma época, pelos mesmos motivos e devida à mesma determinação legal e política, segregados compulsoriamente. Eram, na época, crianças e adolescentes isolados em preventórios especiais e mantidos sob vigilância das autoridades sanitárias competentes.

A Lei nº 610, de 3 de janeiro de 1949, que vigorou até 1968, dispunha sobre as normas de profilaxia da lepra. Ela instituiu o isolamento compulsório dos doentes contagiantes (art. 1º, III) e simultaneamente fixou, entre outras prescrições, que: “todo recém-nascido, filho de doente de lepra, será compulsoriamente e imediatamente afastados da convivência dos pais” (art. 15), e que “os filhos de pais leprosos e todos os menores que conviviam com leprosos serão assistidos em meio familiar adequado ou em preventórios especiais”. Ou seja, os danos decorrentes da segregação compulsória atingiu tanto os portadores da doença, quanto os seus filhos.

O benefício previdenciário, fixado pela Lei Federal nº 11.520, de 2007, e pago pelo INSS caracteriza-se como uma medida indenizatória paga pelo Estado aos ex-portadores de hanseníase devido aos danos morais que lhes foram causados. Nos termos originais, a proposição em análise busca estender aos seus filhos esse benefício, pois eles também sofreram os danos geradores da pensão instituída.

Entretanto, esse benefício previdenciário de caráter indenizatório e decorrentes de pensões pagas pelo INSS é de competência legislativa da União. Nos termos do inciso XXIII do art. 23 da Constituição Federal, compete à União privativamente legislar sobre a seguridade social, não podendo um estado membro da Federação usurpar essa competência.

Em que pese à intenção do autor da proposição, o projeto, nos termos originais, incide em vícios de inconstitucionalidade por tratar de conteúdo de competência privativa do ente federal. Entretanto, resulta claro que a medida legislativa propugnada pelo projeto em exame mostra-se, em linhas gerais, compatível com nosso sistema jurídico-constitucional, que erige como um de seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana. É indubitável, portanto, a necessidade de se realizarem ajustes ao texto original do projeto para fins de adequá-lo ao ordenamento jurídico atual.

Em junho de 2008, a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas reconheceu os abusos cometidos, no âmbito dos direitos humanos, com as pessoas com hanseníase e seus familiares na época do regime de isolamento compulsório e propôs aos países-membros, o que inclui o Estado Brasileiro, políticas afirmativas para as comunidades remanescentes em razão de suas vulnerabilidades (Resolution 8/13 – Human Rights Council/Elimination of discrimination against persons affected by leprosy and their family members/18 June 2008). Seguindo essa determinação da ONU, o Conselho Nacional de Saúde publicou a Recomendação nº 8, de 8 de julho de 2010, exigindo a implementação de uma medida de indenização e reparação dos danos cometidos aos filhos dos pais na época da segregação da hanseníase.

Tem-se, com isso, um reconhecimento nacional da violação da dignidade da pessoa humana sofrida pelos filhos ao serem separados de seus pais por uma imposição da política de profilaxia da hanseníase adotada no País e executada no âmbito dos estados. Por isso, apesar da impossibilidade de se instituir por iniciativa legislativa estadual um benefício social, como uma pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, cabe ao Estado instituir diretrizes para a indenização pecuniária dessas pessoas em decorrência dos danos a elas causados.

É importante ressaltar que vigoram no Estado de Minas Gerais duas leis de iniciativa parlamentar cujo objetivo é a reparação dos danos causados pelo estado à dignidade da pessoa humana. São elas: a Lei Estadual nº 13.187, de 20 de janeiro de 1999, que determina o pagamento de indenização à vítima de tortura praticada por agente do Estado em razão de participação efetiva em atividades políticas, no período que especifica; e a Lei nº 19.488, de 13 de janeiro de 2011, que determina o pagamento de indenização à vítima de tortura praticada por agente público do Estado.

Com a promulgação dessas leis, o Estado pagará, administrativamente, indenização à vítima de tortura praticada por seus agentes condenados em decisão judicial transitada em julgado referente à conduta delituosa prevista nos dispositivos da Lei Federal n° 9.455, de 1997 – norma que tipifica o crime de tortura. Trata-se de uma situação semelhante ao conteúdo desta proposição em que se tem uma ação do Estado que fere os direitos humanos e fundamentais, sendo indispensável uma reparação indenizatória decorrente dessa ofensa aos direitos. Essa normativa vigente no nosso ordenamento jurídico será, portanto, utilizada como referência para a construção do texto do Substitutivo nº 1, apresentado ao final deste parecer.

É importante ressaltar que, no substitutivo, esta comissão reconhece o direito à reparação dos danos cometidos aos dos filhos segregados de pais com hanseníase submetidos à política de isolamento compulsório executada no âmbito do Minas Gerais. Entretanto, cabe às comissões de mérito e de fiscalização financeira e orçamentária realizarem uma análise minuciosa sobre a viabilidade de efetivação desse direito e estabelecerem a fixação de parâmetros mínimos do direito a ser concedido.

Assim, apresentamos o Substitutivo nº 1 ao projeto de lei em análise, considerando que é indispensável o Estado reconhecer os graves erros cometidos aos filhos e filhas segregados de pais ex-portadores de hanseníase submetidos à política de isolamento compulsório.

Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 4.828/2017 na forma do Substitutivo nº1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Dispõe sobre o pagamento de indenização aos filhos segregados de pais com hanseníase submetidos à política de isolamento compulsório em Minas Gerais.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Os filhos segregados de pais com hanseníase submetidos à política de isolamento compulsório em Minas Gerais farão jus a indenização, nos termos desta lei.

Art. 2º – A indenização de que trata esta lei será paga pelo Estado após processo administrativo, observados os procedimentos e condições estabelecidos em regulamento, ou processo judicial transitado em julgado que comprove a segregação compulsória.

Parágrafo único – O pagamento da indenização de que trata esta lei está condicionado à assinatura, pelo beneficiário ou por seu representante com poderes específicos, de termo em que se reconheça a plena reparação material por parte do Estado em razão da segregação compulsória.

Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 5 de julho de 2018.

Hely Tarqüínio, presidente e relator – Isauro Calais – Sargento Rodrigues – Ivair Nogueira.