PL PROJETO DE LEI 4828/2017

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 4.828/2017

Comissão de Saúde

Relatório

De autoria do deputado Antônio Jorge, a proposição em análise autoriza o Poder Executivo a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível aos filhos de pessoas atingidas pela hanseníase.

Publicada no Diário do Legislativo de 7/12/2017, a proposição foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça, de Saúde e de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

Examinado preliminarmente pela Comissão de Constituição e Justiça, que concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou, vem agora a proposição a esta comissão para receber parecer quanto ao mérito, nos termos do art. 188, combinado com art. 102, XI, do Regimento Interno.

Fundamentação

O projeto de lei em análise visa autorizar o Poder Executivo a conceder um benefício social especial, mensal, vitalício e intransferível aos filhos de pessoas atingidas pela hanseníase que foram afastados compulsoriamente do convívio com os pais, internados pelo poder público em hospitais-colônias.

Atualmente, a hanseníase é uma patologia que pode ser curada. Seu tratamento é gratuito pelo Sistema Único de Saúde – SUS – e, quanto mais precocemente for diagnosticada e tratada, melhor é a recuperação do paciente. Se realizado na fase inicial da doença, o tratamento pode prevenir as incapacidades e deformidades causadas pelo seu agravamento e também interromper a cadeia de transmissão, pois faz com que a pessoa deixe de ser transmissora. Entretanto, os ex-pacientes e seus filhos ainda sofrem com o estigma que cerca a doença.

Para entender as violações sofridas pelos filhos das pessoas atingidas pela hanseníase, é preciso recuperar a história da atuação do poder público no tratamento da doença.

Desde o início do século XX, por causa do caráter contagioso da doença, à época ainda denominada lepra, adotou-se como procedimento padrão no País o confinamento dos doentes em leprosários. O Regulamento Sanitário de 1920, uma das primeiras normativas sobre o assunto, estabeleceu, entre outras, as seguintes medidas para o combate à doença: fundação de asilos-colônias; isolamento dos recém-nascidos, filhos de leprosos, em local convenientemente adaptado e livre das fontes de contágio; e proibição de que os doentes exercessem profissão que os colocasse em contato com outras pessoas.

Essas diretrizes foram ratificadas pelo Plano Nacional de Combate à Lepra, de 1934, com a ampliação para um modelo que envolvia também os dispensários, local de internação dos suspeitos e pacientes da forma indeterminada da doença, e os preventórios, para receber os filhos dos pacientes nascidos nos leprosários.

Em 1941, com a criação do Serviço Nacional de Lepra, foram instituídos a coordenação técnica e o controle das atividades públicas e privadas relativas à doença, reforçando o modelo de isolamento compulsório.

Reafirmando a política que vigorou no País desde o início do século, a Lei Federal nº 610, de 3/1/1949, que dispunha sobre as normas de profilaxia da lepra, estabeleceu o isolamento compulsório dos doentes contagiantes. Entre outras prescrições, essa lei fixou que todo recém-nascido filho de doente de lepra seria compulsória e imediatamente afastado da convivência dos pais, e que os filhos de pais leprosos e todos os menores que conviviam com leprosos seriam assistidos em meio familiar adequado ou em preventórios especiais. Essa norma teve vigência até 1968.

A referida lei foi aprovada quando se começava a questionar a eficácia do modelo de isolamento como tratamento da doença e estava em claro descompasso com estudos que apontavam para outras formas de tratamento. No final da década de 1950 já se reconhecia a ineficácia do isolamento compulsório para o controle da proliferação da doença e surgia uma nova perspectiva de tratamento com o uso de antibióticos. Embora prolongado, o tratamento com antibióticos já levava à cura da doença e constatou-se que nem todos os doentes precisavam ser internados. Entretanto, prevalecia no País a lógica da internação, devido à existência de hospitais especializados e de grupos com interesse em sua manutenção.

Embora a Lei Federal nº 610, de 1941, tenha vigorado até 1968, as ações de isolamento compulsório prevaleceram no País até 1986. Somente em 1985 o Ministério da Saúde toma medidas no sentido de adequar o combate à hanseníase às recomendações da Organização Mundial da Saúde e de colocar fim ao isolamento compulsório.

Em Minas Gerais, esta Casa, em consonância com as diretrizes nacionais, aprovou a Lei nº 801, de 1921, que autorizou a criação de leprosários no Estado. A partir de então, foram criadas as colônias para tratamento da hanseníase em Betim, Bambuí, Ubá e Três Corações. O Estado já contava com a Colônia Ernani Agrícola, em Sabará.

Com o fim do isolamento compulsório, outras duas normas foram aprovadas pelo parlamento mineiro, a Lei 15.790, de 2005, que concedeu bolsa mensal para remunerar as pessoas com hanseníase que prestavam serviços nas antigas colônias, e a Lei 15.439, de 2005, que instituiu a Política Estadual de Educação Preventiva Contra a Hanseníase e de Combate ao Preconceito no Estado.

Mais recentemente, a situação das pessoas com hanseníase e das ex-colônias do Estado ganha força na agenda desta Casa com a instalação, em 2013, da Frente Parlamentar de Erradicação da Hanseníase e Prevenção da Memória das Colônias e Preventórios no Estado. Em 2014, a Comissão de Direitos Humanos visitou antigas colônias de hansenianos ainda existentes no Estado, inseridas no Complexo de Reabilitação e Cuidado ao Idoso da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – Fhemig. São elas: Casa de Saúde Padre Damião, em Ubá; Casa de Saúde Santa Fé, em Três Corações; Casa de Saúde Santa Izabel, em Betim; e Casa de Saúde São Francisco de Assis, em Bambuí.

Entre 2015 e 2017 foram realizadas diversas audiências públicas nas Comissões de Saúde, de Direitos Humanos e de Segurança Pública, a fim de discutir a situação dos antigos pacientes que ainda moram nas colônias sob diferentes aspectos. Nessas audiências foram explicitadas as demandas pelo reconhecimento da violação de direitos praticada pelo Estado contra os filhos das pessoas atingidas pela hanseníase, afastados compulsoriamente do convívio com os pais, internados pelo poder público em hospitais-colônias, e pela reparação das violações sofridas.

Em 2017, a Casa discutiu a regularização fundiária das terras dessas colônias, com o objetivo de dar posse de imóveis aos ex-hansenianos e seus parentes que ainda vivem nesses locais, o que levou à aprovação da Lei nº 22.816, de 29/12/2017, que regulariza a situação da ex-colônia Santa Izabel, em Betim.

Em 2007 o governo federal reconheceu a violação de direitos humanos decorrentes das ações institucionais e legais que orientavam o combate à hanseníase no País por meio da segregação dos doentes e instituiu uma medida indenizatória em favor dos portadores de hanseníase submetidos ao isolamento compulsório como compensação pelos danos a eles causados. Naquele ano, a Medida Provisória nº 373 foi convertida na Lei Federal nº 11.520, de 18/9/2007, que instituiu a pensão especial mensal a pessoas atingidas pela hanseníase, submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônias. Essa lei foi regulamentada pela Instrução Normativa nº 30, de 2008, do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS –, que definiu os procedimentos para o processamento, a manutenção e o pagamento da pensão a pessoas atingidas pela hanseníase, submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônias até 31 de dezembro de 1986.

Entretanto, como bem argumentou a comissão que nos precedeu, a medida indenizatória estabelecida pelo governo federal só beneficia as pessoas com hanseníase que foram internadas compulsoriamente e não abrange os filhos que foram, na mesma época, pelos mesmos motivos e devido à mesma determinação legal e política, segregados compulsoriamente. Eram, na época, crianças e adolescentes isolados em preventórios e mantidos sob vigilância das autoridades sanitárias.

Considerando que os filhos segregados de pais com hanseníase submetidos à política de isolamento compulsório também sofreram as mesmas violações de direitos que deram origem ao benefício instituído pela Lei Federal nº 11.520, de 2007, a proposição em análise, nos termos originais, busca conceder a eles benefício semelhante como reparação aos danos que lhes foram causados.

Entendemos que a proposição é meritória e oportuna e possibilita a reparação dos graves erros cometidos pelo Estado contra os filhos e filhas segregados de pais que tinham hanseníase e que foram submetidos à política de isolamento compulsório.

Em sua análise preliminar a Comissão de Constituição e Justiça manifestou-se pela legalidade da proposição, propondo alterações que deram origem ao Substitutivo nº 1, no qual reconhece o direito à reparação dos danos cometidos aos filhos segregados de pais com hanseníase submetidos à política de isolamento compulsório executada no âmbito de Minas Gerais.

Importa mencionar que, durante a tramitação do projeto em análise, foi apresentada sugestão de acréscimo de dispositivo para definir com mais clareza o público a ser alcançado com a medida proposta, incluindo tanto os filhos segregados dos pais e encaminhados a outras instituições, como aqueles que permaneceram nas colônias, porém ainda separados de seus pais e do convívio social. Além disso, foi sugerida a inclusão de dispositivos para detalhar os critérios de concessão do benefício. Como julgamos essas alterações importantes, apresentamos ao final deste parecer a Emendas nºs 1 e 2 ao Substitutivo nº 1, da Comissão de Constituição e Justiça.

Conclusão

Em face do exposto, opinamos pela aprovação, no 1º turno, do Projeto de Lei nº 4.828/2017 na forma do Substitutivo nº 1, da Comissão de Constituição e Justiça, com as Emendas nºs 1 e 2, a seguir apresentadas.

EMENDA Nº 1

Acrescente-se ao art. 1º do Substitutivo nº 1 o seguinte parágrafo único:

“Art. 1º – (...)

Parágrafo único – Farão jus à indenização de que trata o caput os filhos segregados de pais com hanseníase que foram encaminhados a educandários, creches e preventórios, e os que permaneceram nas colônias separados dos pais e do convívio social.”.

EMENDA Nº 2

Acrescente-se ao art. 2º do Substitutivo nº 1 os seguintes §§ 2º e 3º, passando o parágrafo único a vigorar como § 1º :

“Art. 2º – (...)

§ 2º – A indenização será concedida somente aos filhos de pessoas com hanseníase que recebem até 4 (quatro) salários-mínimos.

§ 3º A indenização será concedida somente aos filhos de pessoas com hanseníase que não recebem benefícios concedidos pela Lei Federal nº 11.520, de 2007. ”.

Sala das Comissões, 18 de julho de 2018.

Doutor Wilson Batista, presidente – Carlos Pimenta, relator – Ione Pinheiro – Isauro Calais.