PL PROJETO DE LEI 4092/2017

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 4.092/2017

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria do governador do Estado, o projeto de lei em epígrafe, encaminhado por meio da Mensagem nº 224/2017, “institui sistema de reserva de vagas e o Programa de Assistência Estudantil na Universidade do Estado de Minas Gerais e na Universidade Estadual de Montes Claros e dá outras providências”.

Publicada no Diário do Legislativo de 24/3/2017, a proposição foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça, de Educação, Ciência e Tecnologia e de Fiscalização Financeira e Orçamentária para receber parecer, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, do Regimento Interno.

Preliminarmente, cumpre a esta comissão o exame da matéria quanto aos aspectos jurídicos, constitucionais e legais pertinentes.

Por decisão da Presidência desta Casa, em razão da semelhança de objeto, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno, foram anexados a esta proposição os Projetos de Lei nº 2.109/2015, de autoria do deputado Elismar Prado, que “acrescenta dispositivos à Lei nº 15.259, de 27 de julho de 2004, que institui sistema de reserva de vagas na Universidade do Estado de Minas Gerais - Uemg - e na Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes”, ao qual foi anexado o Projeto de Lei nº 2.527/2015, de autoria do deputado Sargento Rodrigues, que “acrescenta o art 7º-A à Lei nº 15.259, de 27 de julho de 2004, que institui sistema de reserva de vagas na Universidade do Estado de Minas Gerais – Uemg – e na Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes – para o grupo de candidatos que menciona”. Foram também anexados a esta proposição o Projeto de Lei nº 837/2015, de autoria do deputado Wander Borges, que “dispõe sobre o sistema de ingresso nos cursos de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização e aperfeiçoamento nas universidades públicas estaduais e dá outras providências” e o Projeto de Lei nº 2.242/2015, de autoria do deputado Jean Freire, que “dispõe sobre a política de assistência estudantil nas universidades públicas estaduais”.

Fundamentação

O projeto de lei em análise trata da reserva de vagas e do Programa de Assistência Estudantil na Universidade do Estado de Minas Gerais e na Universidade Estadual de Montes Claros. Atualmente, a reserva de vagas nas referidas universidades estaduais está disciplinada na Lei nº 15.259, de 2004. A proposição apresenta conteúdo bastante similar ao previsto na legislação em vigor, trazendo, contudo, inovações importantes, consistentes na institucionalização do programa de assistência estudantil e na inclusão da pós-graduação no sistema de reserva de vagas.

A proposta em exame preserva o percentual de vagas (45%) e os grupos beneficiários do sistema, afrodescendentes e egressos de escolas públicas, desde que carentes, pessoas com deficiência e indígenas. Em relação à legislação em vigor, apresenta inovações em alguns pontos. São eles: estende a reserva de cotas aos cursos de pós-graduação; mantém em 5% o percentual de vagas a ser reservado para pessoas com deficiência e indígenas, mas passa a especificar o percentual que é destinado a cada um dos grupos (3% para pessoas com deficiência e 2% para indígenas); cria a obrigação de a instituição de ensino formar comissão interna composta por profissionais de diversas especialidades para avaliar as candidaturas apresentadas; não reproduz dispositivo que dispõe que o candidato que não comprovar o atendimento dos requisitos previstos pode optar pela desistência do concurso vestibular, com o ressarcimento do valor pago como taxa de inscrição; em relação à pessoa com deficiência, a proposição prevê que o cumprimento dos requisitos de acessibilidade deverá assegurar a permanência desse público e dos demais que ingressaram na instituição de ensino pelo sistema de reserva de vagas; a proposição em tela prevê, ainda, a obrigação de cada universidade implementar projetos e programas para a oferta de serviços de atendimento às demandas acadêmicas, psicossociais e funcionais dos estudantes, de forma a permitir melhor formação acadêmica e a ampliar suas oportunidades de inserção no mundo do trabalho.

Em relação ao Programa de Assistência Estudantil, o projeto estabelece que este será regulamentado em decreto, assim como as modalidades de auxílio e os respectivos valores, de acordo com os princípios e diretrizes estabelecidos pelo Programa Nacional de Assistência Estudantil, autorizando a Uemg e a Unimontes a concedê-los. Também estabelece que os critérios de seleção e de concessão dos auxílios se darão por editais, aprovados pelos Conselhos Universitários. Tanto o programa de reserva de vagas quanto o Programa de Assistência Estudantil deverão ser acompanhados por comissão interna, composta por professores e estudantes, nos termos definidos por decreto, devendo ser elaborado relatório anual de prestação de contas.

A proposição também prevê que o Poder Executivo deverá proceder à revisão do sistema de reserva de vagas e do Programa de Assistência Estudantil no prazo de 10 anos contados da data de publicação da lei. Por fim, revoga a Lei nº 15.259, de 2004.

Na mensagem que acompanha a proposição, o governador destacou que o sistema de reserva de vagas instituído no Estado pela Lei nº 15.259, de 2004, representou, à época, “um significativo avanço nas ações afirmativas, conforme já preconizava a Constituição da República de 1988”. O governador ponderou, porém, que “a lei restringiu-se, num primeiro momento, apenas a garantir o acesso, sem incorporar a assistência aos estudantes por ela contemplados, desconsiderando a sua importância para garantir a permanência e minimizar a evasão decorrente da vulnerabilidade socioeconômica dos beneficiados”. Segundo o entendimento do chefe do Poder Executivo, o sistema de cotas, associado ao Programa de Assistência Estudantil, vai, assim, compor um conjunto de ações afirmativas que visam garantir o acesso e a permanência dos estudantes nas universidades públicas do Estado.

Feitas essas considerações acerca do projeto, passemos à sua análise.

A concessão de um tratamento diferenciado a um determinado grupo é admitida pelo direito brasileiro por concretizar o princípio da igualdade. Segundo o referido princípio, estatuído no art. 5º, caput, da Constituição da República, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Uma leitura desavisada deste princípio constitucional pode levar o leitor a uma interpretação equivocada: a de que a lei não comporta distinções. Na verdade, tratar os iguais de maneira igual, e os desiguais, desigualmente, é medida que se impõe em face do próprio princípio da igualdade. No paradigma do Estado Democrático de Direito, a partir do reconhecimento de situações históricas de vulnerabilidade, a lei cria distinções que visem a superação das desigualdades, de forma a atingir um objetivo constitucionalmente definido.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF 186/DF, já se manifestou pela constitucionalidade das políticas de ação afirmativa, da utilização dessas políticas na seleção para o ingresso no ensino superior, especialmente nas escolas públicas, do uso do critério étnico-racial por essas políticas, da autoidentificação como método de seleção e da modalidade de reserva de vagas ou de estabelecimento de cotas. Destacamos da ADPF trecho da ementa a seguir:

“Ementa: (…) I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminado de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II – (…) III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV – (...) V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - (..) VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente”. (ADPF 186/DF. Relator Min. Ricardo Lewandowsky, julgamento em 26/04/2012, Tribunal Pleno).

Na mesma linha, ao julgar o RE 597285/RS, com repercussão geral, o Supremo manifestou-se pela constitucionalidade do sistema de cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, invocando os argumentos já reproduzidos na ADPF mencionada anteriormente.

Logo, qualquer distinção feita por lei é válida, desde que o fator distintivo esteja a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito. O que queremos dizer, com isso, é que qualquer tratamento especial a um determinado grupo deve ser uma medida que reduza os elementos que tornam esse grupo desigual na sociedade, de acordo com os objetivos constitucionalmente previstos. Assim, o benefício deve estar amparado em uma justificativa plausível, amparada em argumentos fáticos e de direito.

Uma vez reconhecida a constitucionalidade das políticas de ação afirmativas, é necessário lembrar que a Lei nº 15.259/2004, que instituiu o sistema mineiro de reserva de vagas, previu, em seu art. 11, o prazo de dez anos para revisão desse sistema. Nesta perspectiva, o projeto de lei em estudo pode constituir uma oportunidade de se repensar o modelo que, embora já esteja incorporado na prática das universidades e conte com mecanismos consolidados de organização e oferta e seleção dos candidatos, precisa acompanhar a evolução das discussões sobre a temática das ações afirmativas durante mais de uma década e, deste modo, promover uma revisão da lei considerando as experiências já amadurecidas de reflexão, implementação e impacto das ações afirmativas.

Com o fito de alcançar tal objetivo, apresentamos, ao final deste parecer, no Substitutivo nº 1, o qual foi construído com a colaboração e orientação do Poder Executivo, por meio do Subsecretário de Ensino Superior, com a deputada Marília Campos e com o deputado Jean Freire, uma proposta de alteração da sistemática de reserva de vagas que busca incorporar elementos do sistema de reserva de vagas adotado nas universidades federais a partir do ano de 2012, com algumas alterações.

Dessa forma, a proposta aqui apresentada amplia o percentual geral de vagas reservadas conforme o previsto na lei federal – Lei nº 12.711/2012, trazendo, ainda, para o sistema, como recorte principal, o grupo de egressos de escolas públicas e equiparados, distribuindo essas vagas, de um lado, entre os segmentos de autodeclarados pretos, pardo, indígenas e pessoas com deficiência, de acordo com a representatividade desses segmentos no censo do IBGE e, de outro, entre candidatos cuja renda familiar per capita não seja superior a um salário-mínimo e meio, seguindo valores definidos pela instituição de ensino, conforme critérios baseados em indicadores socioeconômicos oficiais.

Quanto à ampliação da reserva de vagas aos estudantes de pós-graduação, é necessário esclarecer, de início, que esse nível de ensino é composto por programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino.

Em vista das particularidades dos cursos de pós-graduação, consideramos que os critérios da reserva de vagas para cursos de graduação não se aplicariam de maneira uniforme a eles. A pesquisa de conteúdo das normas sobre o tema demonstra que a maioria dos programas de ações afirmativas na pós-graduação em universidades são aplicados por iniciativa das próprias instituições, com os mais diversos formatos, em razão das peculiaridades dos programas de pós-graduação, número de vagas, processos seletivos e finalidades desses programas. Não encontramos, também, nenhum programa que estabelecesse percentual tão alto para os cursos de pós-graduação. Entendemos que, de maneira semelhante à norma federal, as universidades devem ter autonomia para planejar e definir qual é o melhor formato para o desenvolvimento de ações afirmativas nesses cursos. Propusemos, portanto, no substitutivo, que as instituições de ensino instituirão políticas específicas de ação afirmativa para o acesso aos cursos de pós-graduação, as quais deverão ser apresentadas ao órgão competente para supervisionar e avaliar o ensino superior no sistema estadual de educação, no prazo de noventa dias contados da data de publicação da lei, em respeito à autonomia universitária e às peculiaridades já apontadas.

A seguir, o projeto trata do Programa de Assistência Estudantil, destinado aos cotistas e aos estudantes considerados carentes, mesmo que não sejam atendidos pelo sistema de reserva de vagas. De acordo com o projeto, o programa, incluindo as modalidades de auxílio e os respectivos valores, deverá ser regulamentado em decreto, em consonância com os princípios e diretrizes estabelecidos pelo Programa Nacional de Assistência Estudantil.

Consideramos que a edição de imposições legais às universidades do Estado relacionadas ao programa de assistência estudantil não viola, necessariamente, a autonomia de tais instituições. A autonomia universitária, prevista no art. 207 da Constituição da República, e detalhada nos arts. 53 e seguintes da Lei de Diretrizes e Bases, assegura às instituições de ensino superior uma esfera de autogoverno, do ponto de vista didático-científico, administrativo e de gestão financeira e patrimonial. Na visão da jurisprudência, essa autonomia abrange, por exemplo, a liberdade para a fixação de cotas para indivíduos (REsp 1.132.476/PR, rel. min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 13.10.2009), e de critérios de seleção e admissão de estudantes (REsp 546.232/RS, rel. ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 09/08/2005), bem como a liberdade para dispor acerca da revalidação de diplomas expedidos por universidades estrangeiras (REsp 1349445/SP, rel. ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção).

Todavia, a jurisprudência considera que “esses poderes inerentes à autonomia universitária podem sofrer limitações advindas da própria Constituição ou da legislação federal, desde que a lei restritiva observe também o requisito da proporcionalidade”, nos termos consignados no acórdão de julgamento da ADI 3330 pelo STF. No mesmo julgamento, o ministro Joaquim Barbosa salientou que: “há que se considerar que a autonomia universitária não é um objetivo que se esgota em si própria. Ela existe para que se atinjam outros objetivos de natureza educacional, cultural, social”. Assim, considerando-se que a política de reserva de vagas, bem como o programa de assistência estudantil possuem uma clara estratégia de inclusão social que busca cumprir os objetivos previstos no art. 3º e em especial no art. 207, § 2º, I, da Constituição da República, não há que se falar, a princípio, em violação à autonomia universitária. Consideramos que não é suficiente promover o acesso de minorias ao ensino superior sem oferecer a esses estudantes condições para sua permanência no curso, combatendo as causas, sobretudo de ordem econômica, que geram problemas de evasão no ensino superior. Pensando nisso, demos nova redação ao artigo inicial do projeto, com vistas a criar maior organicidade entre a democratização do acesso e a necessária democratização da permanência dos estudantes no ensino superior, estendendo essa diretriz a todas as instituições desse nível mantidas pelo Estado.

É necessário, porém, que esse programa não trate de minúcias que engessem ou de alguma forma restrinjam em demasia a possibilidade da universidade geri-lo de acordo com o contexto onde está inserida, com vistas a atender da melhor forma ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Com o objetivo de preservar a intenção do projeto sem, contudo, violar a autonomia das instituições, adequamos os comandos previstos no art. 9º, parágrafos 2º e 3º, do projeto original, agregando-os no § 3º do art. 4º do substitutivo apresentado.

Por outro lado, é necessário que o texto do projeto apresente comandos mais claros no que diz respeito ao Programa de Assistência Estudantil. Com o fito de preencher essa lacuna, foram apresentados os objetivos do programa, além da previsão, no § 2º do art. 4º, da concessão de auxílios pecuniários aos estudantes e da oferta de serviços voltados à formação integral e ao aprimoramento de seu desempenho acadêmico, observada a disponibilidade orçamentária. Entretanto, o detalhamento das ações do programa pode ser feito no decreto de regulamentação. Afinal, o desenvolvimento das ações e seus limites serão definidos pelas condições reais de cada universidade e conforme o perfil dos alunos, o que implica considerar infraestrutura, quadro de funcionários, recursos financeiros disponíveis, e outros elementos fáticos.

De outro lado, consideramos que o comando previsto no art. 8º, que obriga as instituições de ensino a ofertar serviços de atendimento às demandas acadêmicas, psicossociais e funcionais dos estudantes, é estranho ao objeto da lei, pois seu escopo ultrapassa os beneficiários do sistema de reserva de vagas, além de ultrapassar também os beneficiários do programa de assistência estudantil, indicando ser direcionado a todos os estudantes. Além disso, suas finalidades se confundem com as do programa de assistência estudantil.

Suprimimos, ainda, o art. 7º da proposição, porque as normas de acessibilidade, que incluem os diversos serviços adaptativos para o aluno que seja pessoa com deficiência, são exigidas por diversas normas em vigor, em especial pela Lei nº 13.146, de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Também há normas específicas válidas para todos os sistemas de ensino superior como a Portaria nº 3.284, de 7 de novembro de 2003, que dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas com deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições. Ademais, a inclusão da expressão “demais estudantes” neste artigo é imprópria, pois o conteúdo do dispositivo é especificamente voltado ao estudante que seja pessoa com deficiência. A permanência dos estudantes de outras categorias será assegurada pelo programa de assistência estudantil na forma da versão ora proposta.

O art. 10 do projeto em estudo prevê que a “Uemg e Unimontes instituirão, nos termos definidos em decreto, comissão interna composta por professores e estudantes com a finalidade de acompanhar e avaliar o sistema de reserva de vagas e o Programa de Assistência Estudantil instituídos por esta lei, elaborando relatório anual de prestação de contas”. Entretanto, a ideia do acompanhamento e avaliação da lei por uma comissão com representantes do poder público e da sociedade civil, para viabilizar a revisão do sistema, como está disposto na Lei nº 15.259/2004, considera o caráter plural de discussão sobre o tema e, também, que essa avaliação deve ultrapassar o ambiente interno das universidades, na medida em que representa os interesses não apenas da comunidade universitária mas também de diversos segmentos da população. A constituição de uma comissão composta apenas por professores e estudantes para avaliar o sistema de reserva de vagas não atenderia a esses pressupostos.

Dessa forma, apresentamos, no substitutivo, a previsão de uma avaliação do sistema de reserva de vagas e do programa próxima ao disposto na lei original, com alguns aperfeiçoamentos para que se dê maior efetividade ao comando. O acompanhamento e avaliação do programa de assistência estudantil e do sistema de reserva de vagas, assim como a emissão de relatórios técnicos anuais, aos quais deverão ser dada publicidade, estão previstos no art. 5º, caput e § 2º, do substitutivo.

Por todo exposto, entendemos não haver óbice à tramitação do projeto, mas observamos que algumas questões poderão ser aprimoradas quando do exame de mérito pela comissão competente, sobretudo às referentes à sistemática de reserva de vagas apresentada, mediante o debate público com os destinatários da norma e com a sociedade civil em geral.

Ressaltamos que chegou às mãos desse relator documento, cuja juntada ao processo legislativo ora se solicita, em que o subsecretário do Ensino Superior informa “que o projeto não gera impacto financeiro, uma vez que os recursos necessários para execução financeira do programa estão contemplados nos orçamentos das Universidades”. Sobre a matéria, observamos que eventuais impactos financeiro-orçamentários deverão ser analisados, no momento oportuno, pela Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

Em vista dessas considerações, com a finalidade de adequar o projeto à técnica legislativa e às disposições constitucionais e legais, apresentamos o Substitutivo nº 1, a seguir.

Por fim, registramos que foi anexado à proposição o Projeto de Lei nº 2.109/2015, que acrescenta dispositivo à Lei nº 15.259, de 27/7/2004, sendo a este anexado, por sua vez, o Projeto de Lei n° 2527/2015, de autoria do deputado Sargento Rodrigues, que também objetiva acrescentar dispositivo à Lei nº 15.259, de 27/7/2004. A propósito, reiteramos a conclusão a que chegou a Comissão de Constituição e Justiça quando da análise das referidas proposições. Consideramos, porém, que a edição da Súmula Vinculante nº 12 do Supremo Tribunal Federal atende aos objetivos contidos no Projeto de Lei nº 2.527/2015. Também foram anexados a esta proposição os Projetos de Lei nº 837/2015, de autoria do deputado Wander Borges, e nº 2.242/2015, de autoria do deputado Doutor Jean Freire.

O Projeto de Lei nº 837/2015 dispõe sobre o sistema de reserva de vagas nos cursos de pós-graduação, preocupação que está contemplada no projeto original e mantida no substitutivo ora apresentado. Entretanto, ao pretender estabelecer percentuais para o ingresso nesses cursos, o projeto conflita com as justificativas apresentadas neste parecer.

Outrossim, consideramos que os objetivos centrais do Projeto de Lei nº 2.242/2015, que institui a política estadual de assistência estudantil, foram contemplados pelo substitutivo a seguir.

Por fim, gostaríamos de ressaltar a valiosa contribuição das ideias da deputada Marília Campos, do deputado Jean Freire e do Poder Executivo para o aprimoramento das políticas de ação afirmativa apresentadas no substitutivo a seguir.

Conclusão

Considerando o exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 4.092/2017 na forma do Substitutivo nº 1, que apresentamos.

SUBSTITUTIVO nº 1

Dispõe sobre as políticas de democratização do acesso e de promoção de condições de permanência dos estudantes nas instituições de ensino superior mantidas pelo Estado.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – As instituições de ensino superior mantidas pelo Estado implementarão políticas voltadas para a democratização do acesso e para a promoção das condições de permanência dos estudantes nos cursos técnicos de nível médio, de graduação e pós-graduação por elas mantidos.

§ 1º – As instituições a que se refere o caput instituirão políticas específicas de ação afirmativa para a democratização do acesso aos cursos de pós-graduação por elas mantidos, nos termos de decreto.

§ 2º – A Universidade do Estado de Minas Gerais – Uemg – e a Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes – apresentarão ao órgão competente para supervisionar e avaliar o ensino superior no sistema estadual de educação, no prazo de noventa dias contados da data de publicação desta lei, proposta conjunta de política específica de ação afirmativa para a democratização do acesso aos seus programas de pós-graduação.

§ 3º – Para o acesso a cursos que constituam etapa para aprovação em concurso público de ingresso em carreiras da administração pública ou a cursos de capacitação de recursos humanos da administração pública, serão observados os critérios estabelecidos na legislação própria.

Art. 2º – A Uemg e a Unimontes reservarão, em cada curso técnico de nível médio e de graduação por elas mantido, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) de vagas para candidatos egressos de escolas públicas.

§ 1º – As vagas reservadas na forma do caput deste artigo serão assim distribuídas:

I – 50% (cinquenta por cento) das vagas para negros, indígenas e pessoas com deficiência.

II – 50% (cinquenta por cento) das vagas para candidatos cuja renda familiar per capita seja inferior à definida como mínima, nos termos do inciso I do § 4º deste artigo.

§ 2º – As vagas reservadas nos termos do inciso I do § 1º deste artigo serão destinadas a negros, indígenas e pessoas com deficiência em proporção no mínimo igual à dos autodeclarados pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população residente no Estado segundo o censo mais recente da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE –, observado o disposto no § 3º deste artigo.

§ 3º – As instituições a que se refere o caput deste artigo, conforme o perfil demográfico da região do Estado na qual o curso é ofertado e de acordo com o projeto pedagógico do curso, poderão adotar, para a reserva de vagas de que trata o inciso I do § 1º deste artigo, regras específicas para candidatos que pertençam a comunidades quilombolas ou a outros povos e comunidades tradicionais.

§ 4º – Para fins do disposto neste artigo, considera-se:

I – renda familiar per capita mínima o valor definido pela instituição de ensino, conforme critérios baseados em indicadores socioeconômicos oficiais, adequados ao contexto regional do curso, e que não ultrapasse 1,5 (um vírgula cinco) salário-mínimo;

II – egresso de escola pública o candidato que tenha cursado integralmente em escola pública, em qualquer modalidade:

a) o ensino fundamental, para acesso aos cursos técnicos de nível médio;

b) o ensino médio, para acesso aos cursos de graduação.

§ 5º – Poderá ser equiparado ao egresso de escola pública o candidato que tenha obtido certificado de conclusão do ensino médio com base em seu desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio – Enem – ou em exame estadual ou nacional para certificação de competências de jovens e adultos, desde que sua renda familiar per capita seja inferior à definida como mínima, nos termos do inciso I do § 4º deste artigo.

Art. 3º – O edital dos processos seletivos especificará o número de vagas reservadas para cada categoria de candidato prevista no § 1º do art. 2º e os requisitos exigidos para concorrer a vaga reservada nos termos desta lei, bem como os procedimentos adotados pelas instituições de ensino para apuração do atendimento desses requisitos.

§ 1° – O candidato que não comprovar o atendimento dos requisitos para concorrer a vaga reservada nos termos desta lei concorrerá em igualdade de condições com os demais candidatos.

§ 2° – Caso não exista número suficiente de candidatos aprovados para categoria de candidato prevista no § 1º do art. 2º, as vagas ociosas serão reaproveitadas para a reserva de vagas e, persistindo vagas ociosas, serão essas destinadas à ampla concorrência.

Art. 4º – Fica instituído, no âmbito da Uemg e da Unimontes, o Programa de Assistência Estudantil, voltado para os estudantes cuja renda familiar per capita seja inferior à definida como mínima, nos termos do inciso I do § 4º do art. 2º.

§ 1º – São objetivos do programa a que se refere o caput:

I – contribuir para a permanência dos estudantes nos cursos de graduação, pós-graduação e nos cursos técnicos de nível médio mantidos pelas universidades;

II – viabilizar a igualdade de oportunidades de acesso e participação dos estudantes na vida acadêmica;

III – apoiar o desenvolvimento acadêmico, social, cultural e profissional dos estudantes.

§ 2° – Para a consecução dos objetivos previstos no § 1º deste artigo, o Programa de Assistência Estudantil abrangerá a concessão de auxílios pecuniários aos estudantes e a oferta de serviços voltados à formação integral e ao aprimoramento de seu desempenho acadêmico, observada a disponibilidade orçamentária.

§ 3° – Os auxílios a serem concedidos pela Uemg e pela Unimontes no âmbito do Programa de Assistência Estudantil, os critérios para a sua concessão e as demais normas de funcionamento do programa serão estabelecidos em decreto, observados os princípios da publicidade e da transparência.

Art. 5º – Será constituída, nos termos definidos em decreto, comissão com a finalidade de acompanhar e avaliar, anualmente, as políticas de democratização de acesso e de assistência estudantil de que trata esta lei.

§ 1º – A comissão a que se refere o caput será composta de forma tripartite e paritária por representantes dos grupos beneficiados pelas políticas de democratização de acesso e de assistência estudantil de que trata esta lei, por representantes do Poder Executivo e das instituições de ensino superior mantidas pelo Estado.

§ 2º – Os resultados da avaliação de que trata este artigo serão sistematizados sob a forma de relatório técnico e disponibilizados na internet, com atualização anual, na página das instituições de ensino superior mantidas pelo Estado.

Art. 6º – O Estado procederá à revisão do sistema de reservas de vagas de que trata esta lei, no prazo de dez anos contados da data de sua publicação.

Art. 7º – Fica revogada a Lei nº 15.259, de 27 de julho de 2004.

Art. 8º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 2 de maio de 2017.

Leonídio Bouças, presidente – Durval Ângelo, relator – Hely Tarqüínio –João Magalhães – Sargento Rodrigues (voto contrário).