PL PROJETO DE LEI 2725/2015

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 2.725/2015

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria do deputado Doutor Jean Freire, o projeto de lei em epígrafe “institui a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar – Peater – e o Programa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar – Proater – e dá outras providências.”.

Publicada no Diário do Legislativo de 14/08/2015, foi a proposição distribuída às Comissões de Constituição e Justiça, de Agropecuária e Agroindústria e de Fiscalização Financeira e Orçamentária para receber parecer.

Inicialmente, cabe a esta comissão examinar, em caráter preliminar, os aspectos jurídicos, constitucionais e legais da matéria, nos termos do disposto no art. 188, combinado com o art. 102, III, “a”, do Regimento Interno.

Fundamentação

O projeto de lei em análise dispõe, em síntese, sobre a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar – Peater.

Segundo justificativa do autor do projeto, a agricultura familiar obteve grande reconhecimento no Brasil nos últimos anos em razão de sua contribuição para a produção de alimentos, bem como para o desenvolvimento social do País. Destaca que, atualmente, a maior parte dos alimentos que abastecem a mesa dos brasileiros vem das pequenas propriedades, embora subsistam limitações tecnológicas e fundiárias entre os agricultores familiares. Diante disso, o autor afirma que é preciso reconhecer a necessidade de ampliação da política de assistência técnica e extensão rural, que atenda aos anseios da sociedade e, em especial, daquelas pessoas que vivem e produzem em regime de economia familiar, seja na agricultura, na pesca, no extrativismo, no artesanato seja em outras atividades rurais.

No capítulo I da proposição constam os princípios, objetivos e beneficiários do Peater, bem como a definição de conceitos fundamentais para sua aplicação e interpretação (assistência técnica e extensão rural; produção familiar e agricultor familiar).

Em seu capítulo II o projeto de lei institui o Programa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar – Proater – e, nos capítulos seguintes, estabelece regras para credenciamento e contratação das entidades executoras, mecanismos para acompanhamento, controle, fiscalização e avaliação dos resultados da execução dos serviços, entre outras providências.

Apresentadas estas considerações preliminares e examinando a proposição sob o aspecto da constitucionalidade formal, verifica-se que a matéria se insere no âmbito da competência legislativa do Estado, de modo concorrente com a União e o Distrito Federal, nos termos do art. 24 da Constituição da República. Cabe destacar, também, que nos termos do art. 23, inciso VIII, constitui competência comum da União, estados, municípios e Distrito Federal fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar.

No âmbito de incidência da competência concorrente de que trata o art. 24 da Constituição da República, caberá à União editar normas gerais sobre a matéria e, aos estados membros da Federação, suplementá-las para atender às peculiaridades.

Em relação à matéria objeto da proposição em exame, cabe destacar que se encontra em vigor a Lei Federal nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, que “institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – Pnater – e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – Pronater, altera a Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências.

Contrapondo-se à proposição em epígrafe e a lei federal supracitada, constata-se que foram observadas as diretrizes gerais estabelecidas pela União, em especial no tocante ao procedimento de credenciamento das entidades executoras da política, bem como os mecanismos de acompanhamento, fiscalização e monitoramento da execução da política.

Por sua vez, em relação à iniciativa parlamentar sob exame, respalda-se no caput do art. 65 da Constituição do Estado, não se vislumbrando, portanto, nenhum óbice jurídico à apresentação da matéria.

O projeto de lei em análise, ainda que de iniciativa parlamentar, pode fixar diretrizes de políticas públicas estaduais, não se admitindo, todavia, que a proposição entre em detalhes ou disponha sobre competências de órgãos da administração pública direta e indireta, permanecendo a cargo do Poder Executivo definir a melhor forma de implementá-las.

A Constituição da República de 1988 consagra, em seu art. 2º, o princípio da separação de Poderes e, ao estabelecer as regras de competência de cada Poder, confere ao Legislativo as competências legiferante e fiscalizadora, e, ao Executivo, as atividades administrativas.

A propósito, vale ressaltar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal na Decisão de Questão de Ordem suscitada na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 224 (ADIQO 224/RJ), que decidiu não ser pertinente a edição de lei específica criando programa, ressalvados os casos expressamente previstos na Constituição da República, conforme o disposto nos arts. 48, IV, e 165, §§ 1º e 4º.

Dessa forma, vislumbra-se a possibilidade de que a proposição tramite nesta Casa, mas deve-se ter em mente que a eficácia da lei eventualmente dela originária exigirá o concurso da vontade do Executivo, que detém competência privativa para as providências indispensáveis ao sucesso da medida.

Diante do exposto, julgamos oportuna a apresentação, ao final deste parecer, do Substitutivo nº 1, que, além de promover alguns reparos para o aprimoramento do texto, retira dispositivos que tratam da instituição do Programa Estadual de Assistência Técnica e Extensão rural na Agricultura Familiar – Proater – (Capítulo II da norma), bem como suprime ou modifica outros dispositivos da proposição originária que incorrem em vício de iniciativa por adentrar em matéria típica da função executiva do Estado (definição de competências para órgãos da administração pública direta e indireta e instituição de despesas).

Por fim, alertamos que a análise dos aspectos meritórios do projeto, assim como de suas implicações práticas, será feita em momento oportuno pelas comissões de mérito, inclusive sobre a adequação da presente política às disposições da Lei nº 11.405, de 28 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a política estadual de desenvolvimento agrícola.

Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 2.725/2015 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Institui a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar – Peater – e dá outras providências.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

CAPÍTULO I

DA POLÍTICA ESTADUAL DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL PARA A PRODUÇÃO FAMILIAR – PEATER

Art. 1º – Fica instituída a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar – Peater.

Art. 2º – Para os fins desta lei, entende-se por:

I – Assistência Técnica e Extensão Rural – Ater: serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização de produtos e serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroflorestais, agroextrativistas, florestais e artesanais;

II – produção familiar: atividade produtiva rural realizadas com objetivo de geração de renda, segurança e soberania alimentar e nutricional, com mão de obra predominantemente familiar de pequenos agricultores, agroextrativistas, colonos, ribeirinhos, pescadores artesanais, indígenas, assentados de reforma agrária, meeiros, posseiros, indígenas, quilombolas e outras populações e comunidades tradicionais do campo;

III – agricultor familiar ou empreendedor familiar rural: aquele que exerce atividade rural, nos termos do art. 3º da Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006.

Art. 3º – São princípios da Peater:

I – promoção do desenvolvimento rural sustentável, compatível com a utilização adequada dos recursos naturais e com a preservação do meio ambiente, incluindo a apropriação de inovações tecnológicas e organizativas;

II – gratuidade, qualidade e acessibilidade aos serviços de assistência técnica e extensão rural;

III – adoção de metodologia participativa, com enfoque multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural, buscando a construção da cidadania e a democratização da gestão da política pública;

IV – adoção dos princípios da agricultura de base ecológica, com enfoque no desenvolvimento de sistemas de produção em bases sustentáveis e construídos a partir da articulação do conhecimento científico, empírico e tradicional;

V – equidade nas relações de gênero, geração, raça e etnia;

VI – contribuição para a segurança e soberania alimentar e nutricional.

Art. 4º – São beneficiários da Peater:

I – os agricultores familiares ou empreendimentos familiares rurais;

II – os assentados da reforma agrária e os beneficiários de programas de crédito fundiário;

III – os povos indígenas, os quilombolas, e os demais povos, populações e comunidades tradicionais do campo;

IV – os agroextrativistas, silvicultores, aquicultores e pescadores definidos na forma do § 2º do art. 3º da Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006;

V – os colonos, meeiros e posseiros;

VI – os agricultores de comunidades de fundos e fechos de pasto;

VII – os ribeirinhos e beneficiários de programas de irrigação;

VIII – os agricultores familiares urbanos e periurbanos.

Parágrafo único – Para comprovação da qualidade de beneficiário da Peater, deverá ser apresentada, ao longo do período de execução dos serviços de Ater, a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP.

Art. 5º – Constituem objetivos da Peater:

I – promover o desenvolvimento rural sustentável;

II – apoiar iniciativas econômicas que promovam as potencialidades e vocações territoriais e locais;

III – aumentar a produção, a qualidade e a produtividade das atividades e serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive agroextrativistas, florestais e artesanais;

IV – promover a melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários;

V – assessorar as diversas fases das atividades econômicas, como a gestão de negócios, sua organização, a produção, inserção no mercado e abastecimento, observando as peculiaridades das diferentes cadeias produtivas;

VI – desenvolver ações voltadas ao uso, manejo, proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais, dos agroecossistemas e da biodiversidade;

VII – construir sistemas de produção sustentáveis a partir do conhecimento científico, empírico e tradicional;

VIII – aumentar a renda do público beneficiário e agregar valor a sua produção;

IX – apoiar o associativismo e o cooperativismo, bem como a formação de agentes de assistência técnica e extensão rural;

X – promover o desenvolvimento e a apropriação de inovações tecnológicas e organizativas adequadas ao público beneficiário e a integração deste ao mercado produtivo nacional;

XI – promover a integração da Ater com a pesquisa, aproximando a produção agrícola e o meio rural do conhecimento científico;

XII – contribuir para a expansão do aprendizado, da educação e da qualificação profissional, de forma diversificada, apropriada e contextualizada com a realidade do meio rural brasileiro.

Art. 6º – A organização e a execução dos serviços de Ater ao público beneficiário de que trata o art. 4º serão definidas em regulamento.

CAPÍTULO II

DO CREDENCIAMENTO DAS ENTIDADES EXECUTORAS

Art. 7º – As entidades executoras dos serviços de Ater compreendem as instituições ou organizações públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, previamente credenciadas.

Art. 8º – O credenciamento de entidades executoras será realizado em conformidade com regulamento.

§ 1º – A critério do órgão responsável pelo credenciamento será descredenciada a entidade executora que:

I – deixar de atender a qualquer dos requisitos de credenciamento estabelecidos no art. 9º desta lei;

II – descumprir quaisquer das cláusulas ou condições estabelecidas em contrato.

§ 2º – A entidade executora descredenciada nos termos do inciso II do § 1º deste artigo somente poderá ser novamente credenciada decorridos dois anos, contados da data de publicação do ato que aplicar a sanção.

Art. 9º – Os requisitos e os procedimentos para o credenciamento como entidade executora são os estabelecidos nas normas da Lei Federal nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, que institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – Pnater.

Parágrafo único – Excepcionalmente nos dois primeiros anos de vigência desta lei, será exigida, para o credenciamento como entidade executora, a experiência mínima de dois anos com ações de Ater, e constituição legal há mais de dois anos.

CAPÍTULO III

DA CONTRATAÇÃO DAS ENTIDADES EXECUTORAS

Art. 10 – A contratação das entidades executoras será efetivada na forma de regulamento.

Art. 11 – A contratação de serviços de Ater será realizada por meio de chamada pública, destinada a classificar propostas técnicas apresentadas pelas entidades executoras, que conterá, pelo menos:

I – o objeto a ser contratado, descrito de forma clara, precisa e sucinta;

II – a qualificação e a quantificação do público beneficiário;

III – a área geográfica da prestação dos serviços, descrevendo os territórios, municípios e comunidades onde serão prestados os serviços;

IV – o prazo de execução dos serviços;

V – os valores para contratação dos serviços;

VI – a qualificação técnica exigida dos profissionais, dentro das áreas de especialidade em que serão prestados os serviços;

VII – a exigência de especificação pela entidade que atender à chamada pública do número de profissionais que executarão os serviços, com suas respectivas qualificações técnico-profissionais;

VIII – os critérios objetivos para a seleção da entidade executora.

§ 1º – Será dada publicidade à chamada pública, pelo prazo mínimo de trinta dias, por meio de divulgação na página da secretaria ou órgão contratante na internet e no diário oficial do Estado, bem como, quando julgado necessário, por outros meios de comunicação.

§ 2º – A classificação da proposta técnica não gera obrigação de contratação, cuja efetivação deverá observar a ordem de classificação e o prazo de validade da proposta.

§ 3º – Os custos com a elaboração da proposta correrão às expensas da entidade executora, inexistindo direito à indenização em caso de anulação ou revogação da chamada pública.

Art. 12 – A chamada pública para seleção das entidades executoras deverá observar o disposto no art. 11 desta lei e considerar os seguintes requisitos:

I – a capacidade e experiência da entidade para lidar com o público beneficiário da Peater;

II – a qualidade técnica da proposta, que deverá compreender metodologia, organização, tecnologias e recursos materiais a serem utilizados nos trabalhos;

III – a qualificação das equipes técnicas a serem mobilizadas para a execução dos serviços de Ater;

IV – os processos inovadores nos serviços de Ater que incluam o respeito à sustentabilidade ambiental e aos princípios agroecológicos, bem como a observância da melhoria das condições sociais e econômicas;

V – as metas preestabelecidas de acesso dos agricultores assistidos a outras políticas públicas;

VI – a observância quanto ao planejamento e organização dos serviços de assistência técnica constantes nos planos municipais e territoriais de Ater, onde houver.

CAPÍTULO IV

DO ACOMPANHAMENTO, CONTROLE, FISCALIZAÇÃO E DA AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS DA EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS DE ATER

Art. 13 – A execução dos contratos será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade contratante.

Art. 14 – O acompanhamento e monitoramento de todo o processo de execução das chamadas públicas, compreendendo ações de análise e aprovação de credenciamento de entidades executoras, monitoramento e avaliação da Peater, serão definidos na forma de regulamento.

Art. 15 – Para fins de liquidação de despesa, as entidades executoras entregarão relatório de execução dos serviços contratados e/ou documento a ser definido, contendo:

I – identificação de cada beneficiário assistido, contendo nome e número do CPF;

II – descrição das atividades realizadas;

III – atestado do beneficiário assistido, quando se tratar de atividades individuais, e assinatura em folha de evento, quando se tratar de atividades coletivas;

IV – outros dados e informações exigidos na chamada pública e no contrato, como as horas trabalhadas para a realização das atividades, o período dedicado à realização do serviço contratado e os resultados obtidos com a execução do serviço.

§ 1º – A entidade executora manterá em arquivo, em sua sede, toda a documentação original referente ao contrato firmado, incluindo o relatório a que se refere o caput deste artigo, para fins de fiscalização, pelo prazo de cinco anos, a contar da aprovação das contas anuais do órgão contratante pelo Tribunal de Contas do Estado.

§ 2º – O órgão contratante, bem como os órgãos responsáveis pelo controle externo e interno, poderão, a qualquer tempo, requisitar vista, na sede da entidade executora, da documentação original a que se refere o § 1º deste artigo, ou cópia de seu inteiro teor, a qual deverá ser providenciada e postada pela entidade executora no prazo de quinze dias, contados a partir da data de recebimento da requisição.

Art. 16 – A metodologia e os mecanismos de acompanhamento, controle, fiscalização e avaliação dos resultados obtidos com a execução dos serviços de Ater contratados serão definidos em regulamento.

CAPÍTULO V

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 17 – Sem prejuízo do disposto nesta lei, o Estado manterá serviço oficial de assistência técnica e extensão rural aos beneficiários desta lei, através de órgãos e entidades da estrutura da administração pública direta e indireta que desenvolvam estas atividades.

Art. 18 – O Poder Executivo disporá sobre os procedimentos complementares para execução da Peater.

Art. 19 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 20 de junho de 2018.

Leonídio Bouças, presidente e relator - Bonifácio Mourão - Sargento Rodrigues - Doutor Jean Freire- Durval Ângelo.