PL PROJETO DE LEI 2725/2015

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 2.725/2015

Comissão de Agropecuária e Agroindústria

Relatório

De autoria do deputado Doutor Jean Freire, a proposta em análise “institui a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar – Peater – e o Programa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar – Proater – e dá outras providências”.

Publicado no Diário do Legislativo de 12/8/2015, foi o projeto distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, de Agropecuária e Agroindústria e de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

Em seu exame preliminar, a Comissão de Constituição e Justiça concluiu pela sua juridicidade, constitucionalidade e legalidade da proposição na forma do Substitutivo nº 1, por ela apresentado.

Cabe agora a esta comissão analisar o mérito da proposição, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, IX, do Regimento Interno.

Fundamentação

A proposição em comento pretende instituir uma política estadual de assistência técnica e extensão rural – Ater –, para atendimento dos agricultores familiares. O projeto original prevê, ainda, a criação de um programa estadual de Ater, pretensão desabilitada pelo parecer da Comissão de Constituição e Justiça – CCJ –, que a considerou ilegal. A CCJ ponderou ser prerrogativa do governador do Estado a proposição de programas e ações governamentais, instrumentos típicos da administração, a qual tem por objetivo executar determinada política pública.

A referida comissão, no entanto, em seu Substitutivo nº 1, manteve no texto dispositivos que oferecem ao Estado uma possível nova sistemática para a prestação de serviços de Ater aos agricultores familiares e demais beneficiários desses serviços, necessários ao adequado desenvolvimento das atividades agrícolas. De acordo com os referidos dispositivos propostos pelo autor e confirmados pela comissão anterior, a política de Ater passaria a ser comandada no Estado a partir de um plano aprovado pelo Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – Cedraf –, e sua execução se daria pela contratação de entidades credenciadas para tal, a partir de chamadas públicas. Assim, tal modelo deslocaria a centralidade hoje instituída do planejamento e da execução da política de Ater, que é dependente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais – Emater-MG.

Lembramos que a Ater compõe o rol de instrumentos de desenvolvimento agrícola listados pela Lei nº 11.405, de 1994, que dispõe sobre a política agrícola estadual. São ações e serviços de grande importância para a educação das populações do campo, utilizados para fins de organização e fomento à produção agrícola; de transferência de novas tecnologias de produção aos empreendimentos rurais; e de orientação aos agricultores, aos pecuaristas e suas organizações associativistas na comercialização, no beneficiamento e no processamento de seus produtos básicos. Dessa forma, têm papel decisivo também nas atividades de agroindustrialização. Cabe ainda à Ater educar o empreendedor agrícola para a gestão moderna de seu negócio.

Além de todas essas atribuições, a Ater se faz relevante em diversos outros aspectos da atividade rural como no manejo dos solos e das águas, na conservação ambiental e no desenvolvimento social das populações rurais. Como se pode antever, a oferta de serviços de Ater adequados ultrapassa a atividade agrícola e interfere diretamente no desenvolvimento agrário dos territórios atendidos.

Como registra Marcus Peixoto no texto “Extensão Rural no Brasil – Uma abordagem histórica da legislação”, os serviços de Ater foram institucionalizados no Brasil a partir de fins de 1948, quando foi criada, em Minas Gerais, a primeira Associação de Crédito e Assistência Rural – Acar – do País. Seu modelo foi inspirado no padrão norte-americano de extensão rural e visava aproximar os produtores rurais da tecnologia e dos agentes financeiros de crédito rural. Impulsionadas pelo governo Juscelino Kubitschek, 23 associações desse tipo foram constituídas até 1974. A partir de 1955, passaram a compor um sistema coordenado pela Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural – Abcar –, que sequencialmente, em 1960, foi substituído pelo Sistema Brasileiro de Extensão Rural – Siber.

A progressiva assimilação das estruturas das associações pela União levou à consolidação, em 1975, do Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural – Sibrater –, que passou a ser coordenado pela Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – Embrater –, empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa. A partir de então, cada estado criou, em padrões similares e com financiamento federal, sua própria Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – Emater –, ligada ao Sibrater. Nos 10 anos seguintes, o sistema operou, se desenvolveu e foi de grande utilidade para implantar a chamada Revolução Verde no País, que consistiu na disseminação da modernização tecnológica entre os agricultores brasileiros, por meio de práticas de mecanização de preparos e cultivos, de uso de fertilizantes químicos e de defensivos agrícolas – agrotóxicos –, entre outras.

A partir de 1985, as condições de financiamento sofreram forte degradação, o que refletiu diretamente nos serviços prestados e na continuidade de algumas empresas estaduais. Nessa sequência, a Embrater foi extinta em 1990, restando a sustentação financeira e programática da política de Ater integralmente para os estados federados.

Em 2003, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, a União atribuiu à nova pasta a política de Ater e, já em 2004, foi publicada a Política Nacional de Ater – Pnater. Nesse contexto, passou-se a buscar a redefinição da Ater a partir da ótica dos movimentos sociais, relacionando esse instrumento ao desenvolvimento rural sustentável, aí incluídos o exercício da cidadania e a inclusão social – ou seja, não basta a agricultura de subsistência, mas se almeja a integração formal da produção familiar ao mercado com consequente aumento de renda e melhoria da qualidade de vida no campo.

Em 2010, a política de governo foi transformada em política de Estado por meio da sanção da Lei Federal nº 12.188, Lei de Ater, de 11 de janeiro, que institui a Política Nacional de Assistência Técnica e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – Pnater. O modelo proposto e implantado teve como meta universalizar os serviços de Ater e, por meio deles, franquear o acesso dos que viviam abaixo da linha da miséria no meio rural às políticas públicas. Nesse esforço foram mobilizados recursos do MDA e dos estados, sem deixar de complementar o atendimento por meio de organizações da sociedade civil. Em continuidade ao processo de institucionalização dessa política, em 2013, foi criada a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – Anater –, por meio da Lei Federal nº 12.897. Essas informações, entre outras, podem ser verificadas no site da Anater.

A fusão do MDA com o Mapa, no presente governo federal, e as diversas alterações funcionais e conceituais implementadas nas políticas públicas voltadas para a agricultura familiar têm exigido dos estados a revisão de suas políticas, estruturas institucionais e programáticas no campo da Ater, o que, a rigor, é o que propõe o projeto em análise. Em diversos entes federados, entre os quais se inclui Minas Gerais, a situação financeira tem dificultado a manutenção e a expansão de quadros técnicos da Ater e limitado a alocação de recursos públicos para a execução de suas políticas.

Nesse cenário, conforme já mencionado, o autor da proposição, corroborado pela CCJ, propõe a criação de um sistema de Ater com planejamento centralizado na Secretaria de Estado da Agricultura – Seapa –, por meio do Cedraf, e executado por entidades contratadas a partir de chamadas públicas, similar ao adotado em nível federal.

Baixado em diligência à Emater-MG em 2018, esta comissão recebeu resposta em meados de junho do ano corrente. Em sua análise, a Emater-MG entende que a centralidade da execução da política de Ater no Estado deve ser mantida com base na manutenção e na expansão dos quadros da empresa, que já se faz presente em cerca de 790 municípios mineiros. Defende, ainda, que a eventual formação de parcerias com entidades privadas, do terceiro setor ou não, já é uma prerrogativa da empresa e que vem sendo historicamente utilizada como forma de aprimorar os serviços por ela prestados. Juridicamente, a empresa corrobora a sugestão da CCJ de exclusão do programa proposto no texto original (Proater), diante da reserva constitucional de competência para tal, restrita ao chefe do Poder Executivo. Ao mesmo tempo, entende que os mecanismos de credenciamento de entidades executoras de Ater e sua contratação fazem parte da operacionalização do programa excluído e, portanto, sugere também sua exclusão do texto legal.

Ponderadas as propostas expressas no projeto de lei com as opiniões da CCJ e a resposta recebida da Emater-MG, passamos a entender a necessidade da formalização de uma política estadual de Ater que promova o alinhamento dos programas e ações governamentais com o Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável da Agricultura Familiar, instituído pela Lei nº 21.156, de 2014, e aprovado pelo Cedraf, ao qual compete a formulação das políticas voltadas para a agricultura familiar, público prioritário da Ater.

Por consequência, consideramos adequado que também a prestação de contas sobre a execução da Peater se dê nesse foro. Tal aproximação, entre órgão formulador da política, o Cedraf, e a entidade executora, a Emater-MG, se justifica em especial com a fusão da Seapa, que tem a Emater como vinculada, com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário – Seda –, órgão ao qual estava vinculado o Cedraf.

Portanto, apresentamos um substitutivo, que pretende consolidar toda a discussão realizada até o momento sobre a política estadual de Ater.

Conclusão

Pelo exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 2.725/2015, na forma do Substitutivo nº 2, a seguir redigido.

SUBSTITUTIVO Nº 2

Institui a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar – Peater – e dá outras providências.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica instituída, nos termos desta lei, a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar – Peater.

Parágrafo único – A formulação, os planos e a prestação de contas relativas à Peater serão submetidos à deliberação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – Cedraf.

Art. 2º – Para os fins do disposto nesta lei, entende-se por:

I – assistência técnica e extensão rural – Ater – o serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais, conforme definição constante no inciso I do art. 2º da Lei Federal nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010:

II – agricultor familiar ou empreendedor familiar rural aquele que pratica atividade rural em conformidade com o disposto no art. 3º da Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006;

Art. 3º – São princípios da Peater:

I – desenvolvimento rural sustentável;

II – gratuidade, qualidade e acessibilidade do serviço público de Ater;

III – metodologia participativa, com enfoque multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural, buscando a construção da cidadania e a democratização da gestão de políticas públicas;

IV – agropecuária orientada por sistemas de produção em bases sustentáveis e construídos a partir da articulação dos conhecimentos científico e empírico;

V – equidade nas relações de gênero, geração e etnia;

VI – soberania e segurança alimentar e nutricional.

Art. 4º – Constituem objetivos da Peater:

I – prestar assistência técnica e extensão rural pública, gratuita e de qualidade aos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais;

II – promover o desenvolvimento rural sustentável;

III – promover a dinamização das atividades agropecuárias, agroindustriais e agroextrativistas orientadas pelo uso racional e eficiente dos recursos naturais, pela preservação do meio ambiente e pela apropriação de inovações tecnológicas e organizativas;

IV – articular ações e políticas públicas de estímulo ao empreendedorismo, ao cooperativismo e à profissionalização, com ênfase na sucessão rural e na inclusão de jovens e mulheres rurais;

V – participar dos processos de elaboração e implementação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural sustentável;

VI – contribuir para a implementação da política estadual de desenvolvimento rural sustentável da agricultura familiar, instituída pela Lei nº 21.156, de 17 de janeiro de 2014, consideradas as especificidades regionais;

VII – promover a melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários;

VIII – oferecer subsídios para a definição das diretrizes e estratégias da pesquisa agropecuária no Estado e apoiar a execução de projetos de pesquisa agropecuária de interesse comum;

IX – promover divulgação de resultados de pesquisa agropecuária e informações sobre tecnologias da informação ligadas ao setor agrário, estimulando a modernização dos processos produtivos e de gestão dos empreendimentos, facilitando o acesso e a apropriação pública de conhecimento;

X – promover o desenvolvimento e a apropriação de inovações tecnológicas e organizativas adequadas a seus beneficiários;

XI – promover o aumento da produtividade e da qualidade da produção e dos serviços agropecuários e não agropecuários, agroflorestais, agroextrativistas, florestais e artesanais, além de outros produtos e serviços gerados por beneficiários desta política;

XII – assessorar no aprimoramento da atividade econômica agropecuária, nos aspectos da produção, sua organização e inserção no mercado, da gestão de negócios e do abastecimento, observadas as peculiaridades das diferentes cadeias agropecuárias;

XII – desenvolver ações voltadas ao uso e ao manejo racional, à proteção, à conservação e à recuperação dos recursos naturais, dos agroecossistemas e da biodiversidade;

XIV – construir sistemas de produção sustentáveis a partir dos conhecimentos científico e empírico;

XV – promover o aumento de renda dos seus beneficiários por meio da gestão técnica e financeira dos sistemas de produção, da agregação de valor às atividades agropecuárias, agroextrativistas, agroindustriais de pequeno porte e artesanais e sua inserção no mercado;

XVI – apoiar o associativismo e o cooperativismo.

Art. 5º – São beneficiários da Peater:

I – os agricultores familiares e os empreendedores familiares rurais;

II – os agroextrativistas, silvicultores, aquicultores e pescadores, povos indígenas, quilombolas e demais povos, populações e comunidades tradicionais, definidos na forma do § 2º do art. 3º da Lei Federal nº 11.326, de 2006;

III – os assentados da reforma agrária e os beneficiários de programas de crédito fundiário;

IV – os agricultores familiares urbanos e periurbanos, conforme a Lei nº 15.973, de 12 de janeiro de 2006;

V – as populações rurais contempladas em projetos específicos de reassentamento ou de natureza socioeconômica e ambiental e emergenciais, em conformidade com os princípios e objetivos definidos nesta lei e reiterados na política estadual de desenvolvimento rural sustentável da agricultura familiar, instituída pela Lei nº 21.156, de 17 de janeiro de 2014;

VI – os demais produtores rurais.

Art. 6º – O planejamento das ações da Peater será elaborado no âmbito do Cedraf por equipe representativa da composição do Conselho, sob a coordenação da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais – Emater-MG.

Art. 7º – A Emater-MG poderá estabelecer parcerias institucionais, para a potencializar sua ação extensionista, considerado o tipo de demanda e a disponibilidade de recursos, com vistas à execução do planejamento de ações da Peater.

Art. 8º – O relatório anual consolidado de execução da Peater, abrangendo as ações da Emater-MG, será apresentado ao Cedraf e à Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento para apreciação e aprovação.

Art. 9º – Aplicam-se, na execução das ações da Peater, as resoluções do Conselho Estadual de Política Agrícola – Cepa –, do Cedraf e do Conselho Estadual de Defesa Agropecuária – Cedagro.

Art. 10 – O Poder Executivo disporá sobre os procedimentos complementares para a execução da Peater.

Art. 11 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 23 de outubro de 2019.

Coronel Henrique, presidente – Betinho Pinto Coelho, relator – Gustavo Santana.