PL PROJETO DE LEI 1357/2015

Parecer para o 2º Turno do Projeto de Lei Nº 1.357/2015

Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher

Relatório

De autoria da deputada Ione Pinheiro, o projeto de lei em epígrafe visa criar a Política de Saúde da Mulher Detenta.

Aprovado no 1º turno na forma do Substitutivo nº 1, o projeto foi encaminhado à Comissão de Saúde, que opinou pela aprovação da matéria, no 2º turno, na forma do Substitutivo nº 1, por ela apresentado, ao vencido no 1º turno.

A seguir, em conformidade com o caput do art. 183, combinado com o § 2º do art. 184, do Regimento Interno, a proposição foi distribuída à Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, em decorrência de requerimento, de autoria da Deputada Marília Campos, aprovado na data de 10/7/2019.

Vem, portanto, o projeto a esta comissão para receber parecer para o 2º turno, nos termos do art. 102, XXII, combinado com o art. 189, do instrumento regimental.

A redação do vencido segue anexa a este parecer, conforme determina o § 1º do art. 189 do Regimento Interno.

Fundamentação

O projeto de lei sob análise objetiva criar a Política de Saúde da Mulher Detenta, como forma de promover a atenção integral à saúde da população prisional feminina, tendo por foco, então, as mulheres que cumprem pena ou aguardam julgamento no sistema penitenciário do Estado. Para tanto, a proposta inicial apresenta objetivos a serem alcançados, como o aumento da cobertura e a qualidade da assistência pré-natal; a melhoria da assistência ao parto e ao puerpério; a garantia de acesso a ações de planejamento familiar e a métodos anticoncepcionais; a diminuição dos índices de mortalidade materna; o aumento dos índices de aleitamento materno; a ampliação das ações de detecção e controle do câncer do colo de útero e da mama; e o controle de doenças sexualmente transmissíveis e de outras patologias relevantes no grupo. Na forma original, o projeto ainda prevê a aplicação das medidas nas unidades de saúde do Estado, em entidades conveniadas ou em parceria com os municípios. E define, por fim, a regulamentação da futura lei pelo Poder Executivo no prazo de 90 dias.

Quando da análise da proposição no 1º turno, a Comissão de Constituição e Justiça concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou, o qual contou com o posicionamento favorável também da Comissão de Saúde.

Por meio do substitutivo, buscou-se acrescentar dispositivo à Lei nº 11.335, de 1993 – que dispõe sobre a assistência integral pelo Estado à saúde reprodutiva da mulher e do homem –, para ressaltar a obrigação de se estender, às mulheres que estão sob custódia no sistema penitenciário estadual, as ações médicas e educativas para a assistência integral à saúde reprodutiva. Importante notar que o art. 1º da Lei nº 11.335, de 1993, elenca as ações a serem adotadas para essa assistência: o apoio ao planejamento familiar; o esclarecimento sobre a utilização de métodos contraceptivos; o atendimento médico pré-natal e perinatal; a assistência integral ao recém-nascido; o incentivo ao aleitamento materno; o diagnóstico e a correção de estados de fertilidade; a assistência preventiva do câncer ginecológico e de mama; a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; a realização de programas de orientação sexual; a realização de programas de assistência ao climatério; a oferta de atendimento médico e laboratorial especializado, na rede pública de saúde; e a assistência psicossocial. Percebemos, assim, que o rol das medidas já previstas na mencionada norma coincidem, praticamente em sua totalidade, com os objetivos expressos no projeto original.

Pois bem, levada a proposição à apreciação pelo Plenário, o Substitutivo nº 1 deu forma ao vencido no 1º turno.

No 2º turno, a Comissão de Saúde manteve sua opinião anterior, favorável, portanto, à aprovação da matéria. Ressalvou, no entanto, uma incongruência textual, motivo pelo qual apresentou o Substitutivo nº 1 ao vencido, para afastar tal impropriedade e acrescentar cláusula de vigência à futura norma.

Agora, conforme já anotado no relatório deste parecer, esta comissão deve se manifestar sobre o mérito da proposição, em primeira oportunidade.

De início, ratificamos a relevância do tema e corroboramos o entendimento apresentado pelas comissões que se manifestaram durante o 1º turno de sua tramitação.

É notório o aumento substancial do encarceramento de mulheres no Brasil nas últimas décadas. De acordo com o Relatório temático sobre mulheres privadas de liberdade1, publicado pelo Departamento Penitenciário Nacional – Depen – em 2019, a população prisional feminina atingiu, no primeiro semestre de 2017, a marca de 37.828 mulheres privadas de liberdade, observando-se o constante crescimento desse grupo na série histórica de 2000 a 2017 – a despeito da redução, de 7,66%, registrada entre os anos de 2016 e 2017. Do estudo, constata-se o crescimento exponencial da população prisional feminina em relação ao total registrado no início dos anos 2000, quando o quantitativo não alcançava 6 mil mulheres. Segundo o relatório, Minas Gerais concentra 10,6% da população prisional feminina do País – com 3.365 mulheres custodiadas –, representando a segunda maior taxa, atrás somente do Estado de São Paulo, que detém a taxa de 31,6% do total nacional. No que se refere à taxa de aprisionamento, o levantamento registrou 35,52 mulheres presas para cada grupo de 100 mil mulheres no Brasil, em junho de 2017.

Necessário ainda termos em vista a ocorrência de uma maior penalização imputada às mulheres acauteladas em face do modelo masculino historicamente adotado no sistema penitenciário, seja no que se refere à infraestrutura, seja quanto às condições para o cumprimento da pena, que desconsidera particularidades inerentes ao gênero feminino. As especificidades dessas mulheres – a exemplo das necessidades peculiares de saúde, incluindo aquelas características à gestação e à maternidade e da sensível diferença percebida entre as relações pessoais e familiares, quando comparadas aos homens – precisam ser reconhecidas e demandam do poder público a adoção de parâmetros próprios na detenção das mulheres.

A complexidade dos sistemas prisionais e das condições para o cumprimento de penas – agravada no contexto das mulheres presas – é questão mundialmente preocupante e que exigiu das Nações Unidas posicionamento a respeito. Não por outra razão, foram firmadas as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras2, conhecidas como Regras de Bangkok, que tratam profundamente do assunto, realçando diferenças e demandas da população prisional feminina e apontando caminhos para novas possibilidades no âmbito da execução das penas. No escopo desse documento, no campo da saúde, destacamos, como exemplo, o disposto na Regra 18, que estabelece que “mulheres presas devem ter o mesmo acesso que mulheres não privadas de liberdade da mesma faixa etária a medidas preventivas de atenção à saúde de particular relevância para mulheres, tais como o teste de Papanicolau e exames de câncer de mama e ginecológico”.

No Brasil, conforme bem demonstrado durante o 1º turno de tramitação do projeto, é ampla a legislação federal e estadual produzida em torno da promoção da saúde da mulher. Preexiste, igualmente, a devida regulação, construída e consolidada no decorrer das últimas décadas, no que toca ao acesso das mulheres privadas de liberdade às ações e aos serviços públicos de saúde.

Mais precisamente, destacam-se o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário – PNSSP –, fixado por meio da Portaria Interministerial nº 1.777, de 9/9/2003, e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional – PNAISP –, instituída por meio da Portaria Interministerial nº 1, de 2/1/2014 – ambas as normativas editadas conjuntamente pelos Ministérios da Saúde e da Justiça. O plano nacional já previa a implantação, em todas as unidades penitenciárias, de medidas voltadas para a promoção da saúde da mulher, como as ações para detecção precoce do câncer cérvico-uterino e de mama, assistência ao pré-natal e ao puerpério, diagnóstico e tratamento das DSTs/Aids e assistência à anticoncepção, por exemplo. Por sua vez, a PNAISP enfatizou a garantia de acesso das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional ao cuidado integral no Sistema Único de Saúde – SUS –, dispondo, também, sobre a oferta da atenção básica, por meio das equipes das Unidades Básicas de Saúde ou das Equipes de Saúde no Sistema Prisional, e dos demais serviços a partir de previsão e pactuação na Rede de Atenção à Saúde.

No campo da segurança pública, cumpre lembrar que a Lei Federal nº 7.210, de 1984, que institui a Lei de Execução Penal, assegura, em seu art. 14, § 3º, o acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. Por sua vez, a Lei nº 11.404, de 1994, que contém as normas estaduais de execução penal, acrescenta que as unidades penitenciárias para mulheres serão dotadas de dependência, provida de material de obstetrícia, para atendimento da gestante e da parturiente “cuja urgência do estado não permita a transferência para hospital civil” (art. 87 e caput do art. 128). Também estabelece a obrigação de as unidades prisionais notificarem a respectiva unidade de atenção básica de saúde sobre a existência de presa grávida, lactante ou acompanhada de filho na primeira infância, para a regularização do atendimento à saúde materno-infantil, bem como sobre a transferência para outra unidade prisional, com indicação do novo local de internação, de presa grávida, lactante ou acompanhada de filho na primeira infância, para a regularização e continuidade do atendimento à saúde materno-infantil (parágrafo único do art. 128).

Depreendemos, assim, que não se trata de ausência de marco legal. A legislação e a regulamentação nos níveis nacional e estadual cuidam das questões suscitadas na proposição e delineiam claramente a atuação do poder público no que concerne às mulheres inseridas no sistema prisional. A bem da verdade, salientamos, em que pese o arcabouço normativo em vigor, resta aos gestores públicos o trabalho estratégico e comprometido em propiciar, a essas mulheres, as condições condizentes com o respeito aos seus direitos fundamentais no cumprimento das penas – já cabalmente expressos. Ressaltamos, aliás, que a destinação de recursos financeiros e orçamentários para essa finalidade, em especial, é medida imprescindível.

De todo modo, é inquestionável que a conjuntura prisional das mulheres e a respectiva atuação estatal exigem constante atenção e incremento. Nesse sentido, consideramos que a proposta, na forma do Substitutivo nº 1 ao vencido, apresentado pela Comissão de Saúde, é pertinente. Entendemos que o substitutivo apresentado neste 2º turno preserva o intento do projeto original e joga luz, de maneira apropriada, em questão relevante para a população carcerária feminina, ao reiterar e reverberar, também no âmbito da Lei nº 11.335, de 1993, o dever estatal de garantir às mulheres sob custódia no sistema penitenciário o efetivo acesso à assistência integral à saúde reprodutiva.

Consideramos, por fim, que futura lei com esse objeto se conecta com o princípio da universalização do SUS; robustece a estrutura normativa sobre a saúde das mulheres inseridas no sistema prisional; ratifica a concepção de que as ações inerentes são relevantes e devem ser fomentadas; e contribui, em última instância, no processo de reconhecimento e materialização dos direitos específicos da população carcerária feminina no Estado.

Conclusão

Ante o exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 1.357/2015, no 2º turno, na forma do Substitutivo nº 1, apresentado pela Comissão de Saúde, ao vencido no 1º turno.

Sala das Comissões, 29 de setembro de 2021.

Ana Paula Siqueira, presidente – Andréia de Jesus, relatora – Ione Pinheiro – Leninha.

PROJETO DE LEI Nº 1.357/2015

(Redação do Vencido)

Acrescenta dispositivo à Lei nº 11.335, de 20 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a assistência integral pelo Estado à saúde reprodutiva da mulher e do homem.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – O art. 1º da Lei nº 11.335, de 20 de dezembro de 1993, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 1º – (...)

Parágrafo único – As disposições previstas no caput e nos incisos deste artigo se aplicam às mulheres que estão sob custódia no sistema penitenciário estadual.”.

1 Disponível em: <file:///C:/Users/beteg/Downloads/infopenmulheres-junho2017.pdf>. Consulta em: 1 jun. 2021.

2 Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/cd8bc11ffdcbc397c32eecdc40afbb74.pdf>. Consulta em: 1 jun. 2021.