PL PROJETO DE LEI 294/2015

Parecer para o 2º Turno do Projeto de Lei Nº 294/2015

Comissão de Saúde

Relatório

De autoria do deputado Arlen Santiago, a proposição em tela determina a comunicação, por parte dos hospitais, clínicas e postos de saúde, das ocorrências de embriaguez ou uso de drogas por criança ou adolescente.

Aprovada no 1º turno na forma do Substitutivo nº 1, vem agora a proposição a esta comissão para receber parecer para o 2º turno, nos termos do art. 189, combinado com o art. 102, XI, do Regimento Interno.

Conforme determina o § 1º do art. 189 do Regimento Interno, segue, anexa, a redação do vencido, que é parte deste parecer.

Fundamentação

O projeto de lei em análise visa obrigar os hospitais, postos de saúde e clínicas, públicos ou privados, localizados no Estado, a comunicar aos órgãos públicos e a registrar em um cadastro as ocorrências com todas as crianças e adolescentes que tenham sido atendidos nos setores de emergência por consumo excessivo de álcool ou por uso de drogas. De acordo com o projeto, a unidade de saúde que descumprir o estabelecido será penalizada com a aplicação de multa. A proposição determina, ainda, que a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente – DPCA –, o conselho tutelar da região e os pais ou responsáveis legais deverão ser imediatamente informados da ocorrência, além de criar obrigação aos conselhos tutelares, que deverão acompanhar durante um ano a evolução social, escolar e familiar da criança vítima do consumo excessivo de álcool e drogas.

Como afirmamos no parecer de 1º turno, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – Pense –, o consumo de álcool é bastante disseminado entre os adolescentes: cerca de 28,1% dos adolescentes de 13 a 15 anos de idade e 38,9% daqueles de 16 a 17 anos consomem algum tipo de bebida alcoólica. A pesquisa também mostrou que 13,0% dos adolescentes pesquisados já experimentaram algum tipo de droga ilícita em algum momento da vida. A situação é, portanto, preocupante e merece a atenção desta Casa.

Na tramitação de 1º turno, a Comissão de Constituição e Justiça entendeu que a proteção e a defesa da saúde estão entre as matérias de competência concorrente da União e dos estados, cabendo à primeira a elaboração de norma geral e aos últimos a suplementação da legislação federal para atender a suas peculiaridades. No entanto, observou que a proposição continha algumas impropriedades e as retificou mediante a apresentação do Substitutivo nº 1. Nele, a comissão propôs, por questões de razoabilidade, alterar algumas penalidades que o projeto original determinava e suprimir seu art. 2º, que atribuía competência ao conselho tutelar, pois as atribuições do órgão já estão definidas no art. 136 da – Lei Federal nº 8.069, de 13/7/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). Esta Comissão de Saúde, por sua vez, concordou com a linha adotada no Substitutivo nº 1 apresentado pela comissão precedente. A proposição foi aprovada em Plenário no 1º turno na forma do Substitutivo nº 1.

Durante a tramitação, esta Casa rediscutiu a matéria em audiência pública realizada, em 29/2/2023, pela Comissão de Direitos Humanos, que debateu os impactos do projeto em tela e as possíveis violações dos direitos humanos fundamentais das crianças e adolescentes. Na audiência foram ouvidos operadores das políticas de saúde mental, de proteção à criança e ao adolescente, de direitos humanos e da política sobre drogas. Na oportunidade, foram trazidos novos argumentos que ensejaram a reavaliação da matéria.

Entre os argumentos apresentados na audiência ressaltou-se, por exemplo, que o projeto em exame, tal como aprovado no primeiro turno, privilegia o “caráter delatório e punitivo” das instituições de saúde, não evidenciando o caráter efetivamente protetivo da criança e do adolescente em risco por uso de álcool e outras drogas. Segundo foi relatado, as unidades de saúde recebem crianças e adolescentes que fazem uso de substâncias psicoativas encaminhadas pelos Conselhos Tutelares, pela Vara Cível e Vara Infracional da Criança e do Adolescente pro meio de requisição de serviços públicos, mandados e ofícios judiciais em decorrência da aplicação de Medidas Protetivas, nos termos do Art. 101 do ECA. Todavia, o que é proposto no projeto em análise desvirtuaria os fluxos já definidos pela legislação vigente e comprometeria a função de acolhimento e de cuidados dos serviços de saúde, rompendo a relação estabelecida entre profissional e paciente.

Na audiência foram ainda citadas as notas técnicas da Secretaria de Estado de Saúde e da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Sedese – elaboradas em resposta a diligência encaminhada por esta Casa na ocasião da tramitação do Projeto de Lei nº 2.623, de 2011, que determinava a comunicação, por parte dos hospitais, clínicas e postos de saúde, de ocorrência de embriaguez ou uso de drogas por criança ou por adolescente. Esse projeto deu origem à proposição em exame.

Em sua nota, a Sedese esclarece o papel do Conselho Tutelar, órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente e de aplicar as medidas protetivas previstas no art. 101 do ECA. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos no ECA forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável ou em razão da conduta da própria criança ou do adolescente. A Secretaria entende, assim, que o uso de álcool ou outras drogas por criança ou adolescente, configura uma ameaça e lesão ao seu direito à saúde e conclui que o projeto está em consonância com a legislação federal que zela pelos direitos da criança e do adolescente e “atribui ao Conselho Tutelar, dentre outras medidas, receber notificações de violação de direitos da criança e do adolescente, realizar acompanhamentos e encaminhamentos, inclusive a inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio e tratamento a alcoólatras e toxicômanos”. Ainda na nota, a Sedese afirma que seria inovador se “o legislador abordasse a política de prevenção e de tratamento dos usuários, fortalecendo os mecanismos existentes”, uma vez que os fluxos de encaminhamento já estão previstos na legislação.

A Secretaria de Estado da Saúde, por seu turno, se manifestou contrariamente ao conteúdo do projeto, alegando que o “uso de álcool e outras drogas possuem modulações, contextos de usos particulares que devem ser considerados. A generalização no manejo de uma questão complexa compromete sua resolutividade”.

Considerou-se, também, na audiência, que a notificação compulsória nos casos de internação de crianças ou adolescentes por uso de álcool ou outras drogas pode levar a um efeito contrário à sua proteção, isto é, esse público pode deixar de procurar os serviços de saúde em virtude do receio da notificação. Além disso, há casos de crianças e adolescentes que fazem uso de substâncias tóxicas justamente em razão da violência a que são submetidos pelos próprios pais. Neste contexto, a comunicação aos genitores pode gerar ou aprofundar uma situação de vulnerabilidade já instaurada.

Consideramos que o ordenamento jurídico já contém normas que visam coibir o uso de bebidas alcoólicas e outros entorpecentes por crianças ou adolescentes. Exemplo digno de nota é a Lei Federal nº 13.106, de 17/3/2015, que altera o ECA para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente.

Conforme o art. 98 do ECA, o Conselho Tutelar tem a competência para atender crianças e adolescentes, aplicando as medidas de proteção sempre que os direitos reconhecidos nessa lei forem ameaçados ou violados. Verificada qualquer das hipóteses previstas de ameaça ou violação de direitos à criança e ao adolescente, o ECA prevê que o conselheiro tutelar deverá, entre outras medidas, encaminhá-lo aos pais ou ao responsável, mediante termo de responsabilidade; além de prestar orientação, apoio e acompanhamento temporários. O conselho pode, ainda, promover a execução de suas decisões e, para tanto, requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança.

Além disso, já existem normas que disciplinam a questão. A Política Nacional Sobre Drogas foi regulamentada em 2019 por meio do Decreto nº 9.761, de 2019. Em Minas Gerais, o Decreto Estadual nº 44.360, de 2006, instituiu a Política Estadual sobre Drogas, com os mesmos princípios da Política Nacional, e a Lei nº 16.276, de 19/7/2006, dispõe sobre a atuação do Estado na prevenção, no tratamento e na redução de danos causados à saúde pelo uso abusivo de álcool e outras drogas.

O Ministério da Saúde, que considera o uso indevido das drogas uma questão de saúde pública, instituiu a atenção ao usuário de álcool e outras drogas no âmbito do SUS, que segue o modelo de rede de atendimento ambulatorial e hospitalar. A Portaria MS/GM nº 3.088, de 23/12/2011, instituiu a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de “crack”, álcool e outras drogas. Tal norma foi revogada pela Portaria de Consolidação nº 3, de 3/10/2017, e seu conteúdo se encontra no Anexo V dessa portaria. Nos termos da norma mencionada, a assistência engloba componentes da atenção básica, da atenção psicossocial especializada, da atenção de urgência e emergência, da atenção residencial de caráter transitório, da atenção hospitalar, além de estratégias de desinstitucionalização e de reabilitação psicossocial.

Em Minas Gerais, no âmbito da política de saúde foi publicada a Resolução SES/MG nº 5.461, de 19/10/2016, que instituiu a Política Estadual de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, estabelecendo a regulamentação da sua implantação e operacionalização e as diretrizes e normas para a organização da Rede de Atenção Psicossocial – Raps –, no Estado.

Assim, consideramos que os objetivos visados pela proposição estão em grande medida atendidos, tanto no que diz respeito à legislação quanto pelas medidas já desenvolvidas pelos órgãos competentes, bem como pelas ações que estão sendo desenvolvidas pelos três entes federados.

Em nossa reanálise da matéria, avaliamos que, para alinhar o projeto à legislação vigente e resguardar a intenção do legislador de aperfeiçoar os mecanismos de proteção à criança e ao adolescente, é necessário alterar a proposição de forma a afastar o seu caráter punitivo às unidades de saúde, e reforçar as ações de prevenção e de atendimento à criança e ao adolescente cujos direitos se encontram ameaçados pelo uso de drogas, ampliando as possibilidades de aplicação da norma. Assim, propomos alterar a já citada Lei nº 16.276, de 19/7/2006.

Conclusão

Diante do exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 294/2015, no 2º turno, na forma do Substitutivo nº 1 ao vencido no 1º turno.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Altera a Lei nº 16.276, de 19 de julho de 2006, que dispõe sobre a atuação do Estado na prevenção, no tratamento e na redução de danos causados à saúde pelo uso abusivo de álcool e outras drogas e altera o art. 3º da Lei nº 12.296, de 13 de setembro de 1996, e a Lei nº 18.797, de 31 de março de 2010, que determina a utilização de seringas de agulha retrátil nos hospitais e estabelecimentos de saúde localizados no Estado.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica acrescentado ao art. 1º da Lei nº 16.276, de 19 de julho de 2006, o seguinte inciso VI:

“Art. 1º – (…)

VI – ações específicas para crianças e adolescentes que fazem uso de álcool ou outra droga, a serem desenvolvidas em articulação com o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente.”.

Art. 2º – O art. 1º da Lei nº 18.797, de 31 de março de 2010, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º – Nos procedimentos realizados em estabelecimentos públicos e privados de serviço de saúde ou de serviço de interesse da saúde localizados no Estado somente serão utilizadas seringas e agulhas com dispositivo de segurança, nos termos da legislação pertinente.”.

Art. 3º – A ementa da Lei nº 18.797, de 2010, passa a ser: “Obriga a utilização de seringas e agulhas com dispositivo de segurança nos procedimentos realizados em estabelecimentos públicos e privados de serviço de saúde ou de serviço de interesse da saúde.”.

Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 6 de março de 2024.

Doutor Wilson Batista, presidente – Grego da Fundação, relator – Celinho Sintrocel – Arlen Santiago.

PROJETO DE LEI Nº 294/2015

(Redação do Vencido)

Obriga as unidades de saúde localizadas no Estado a notificarem ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público as ocorrências de uso de álcool e outras drogas por crianças e adolescentes por elas atendidos e dá outras providências.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – As unidades de saúde públicas e privadas localizadas no Estado notificarão ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público do Estado as ocorrências de uso de álcool e outras drogas por crianças e adolescentes por elas atendidos.

Parágrafo único – As unidades de saúde comunicarão aos pais ou responsáveis as ocorrências a que se refere o caput.

Art. 2º – O descumprimento do disposto no art. 1º acarretará as seguintes sanções:

I – na primeira ocorrência, a unidade de saúde, pública ou privada, receberá advertência;

II – no caso de reincidência, a unidade de saúde, se privada, será apenada com multa no valor de 100 (cem) Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais – Ufemgs – e, se pública, ficará sujeita a sanção administrativa, nos termos de regulamento.

Parágrafo único – Os recursos decorrentes da aplicação das sanções a que se refere o inciso II do caput serão destinados à rede pública de atenção ao usuário de álcool e outras drogas no Estado.

Art. 3º – O órgão ou a entidade responsável pela fiscalização do cumprimento desta lei será definido em ato do Poder Executivo.

Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.