PL PROJETO DE LEI 126/2003

PARECER PARA O 1º TURNO DO PROJETO DE LEI Nº 126/2003

Comissão de Constituição e Justiça Relatório De autoria do Deputado Dalmo Ribeiro Silva, o projeto de lei em análise, resultante do desarquivamento do Projeto de Lei nº 1.809/2001, dispõe sobre as consignações em folha de pagamento dos servidores públicos estaduais e dá outras providências. Publicado no “Diário do Legislativo” de 22/2/2003, foi o projeto distribuído às Comissões de Constituição e Justiça e de Administração Pública, cabendo a este órgão colegiado, nos termos regimentais, emitir parecer sobre os aspectos de juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria. Fundamentação A proposição em exame autoriza a administração pública estadual a promover, por meio da Secretaria de Estado de Recursos Humanos e Administração, descontos na folha de pagamento dos servidores públicos ativos, aposentados e pensionistas da administração direta, autárquica e fundacional, para fins de amortização de empréstimos tomados em entidades de previdência privada e instituições bancárias ou financeiras. Estabelece que os descontos só poderão ser feitos mediante prévia e expressa autorização do servidor, não devendo ultrapassar o limite de 20% do valor total da sua remuneração mensal. Prevê, ainda, que, mediante comunicado prévio ao órgão responsável, o desconto de qualquer das parcelas poderá ser suspenso, devendo, nessa situação, ser a parcela descontada no pagamento do mês subseqüente, caso em que o limite de 20% poderá ser ultrapassado. O projeto merece especial atenção tendo-se em vista a prática constante e crescente de descontos nos vencimentos dos servidores públicos em virtude de convênios realizados entre o poder público e entidades privadas. É de ressaltar que tais descontos se amparam sempre na autorização do servidor, que, frente às facilidades proporcionadas na concessão desses empréstimos, utilizam cada vez mais esse recurso, comprometendo, assim, considerável parcela de sua remuneração. O desconto em folha de pagamento, segundo a lição de Hely Lopes Meirelles, “é forma administrativa usual para a retenção de contribuições de previdência, de impostos de renda, de quantias pagas indevidamente aos servidores, de empréstimos contraídos no serviço, de aquisições ou consumações feitas na própria repartição ou por seu intermédio. Essa modalidade de desconto é legítima quando realizada na forma e limites previstos no estatuto respectivo e não houver dúvida sobre a quantia a ser reposta.” (MEIRELLES, Hely Lopes. “Curso de Direito Administrativo”. São Paulo: Malheiros. 22ª ed., p. 408.) Nota-se, assim, que o desconto em folha de pagamento, na forma aceita pela doutrina, envolve, via de regra, relações havidas entre órgãos ou entidades da administração pública e servidores. Assim, os descontos de imposto de renda, de contribuições previdenciárias, de empréstimos contraídos na administração pública ou por seu intermédio são feitos diretamente na folha de pagamento, uma vez que a relação se estabelece entre essa administração e seus servidores. Nesse caso, é desejável, até por questões de economicidade e racionalidade, que o desconto seja feito na folha do servidor, para evitar operações desnecessárias. Ainda nesses casos, a doutrina prevê a necessidade de lei para legitimar tais descontos, como apontamos, segundo a lição de Meirelles. Entretanto, o que o projeto de lei em análise visa não é limitar essas consignações compulsórias, instituídas por lei, que não implicam, a nosso ver, problema jurídico. Também não está o projeto cuidando de limitar o desconto em folha de pagamento em favor de sindicatos e associações de classe, descontos esses autorizados pelo § 2º do art. 34 da Constituição do Estado. O que se pretende regular são as chamadas “consignações facultativas” para fins de amortização de empréstimo, que dependem do simples credenciamento de entidades privadas na administração pública, por meio de convênios ou contratos administrativos, e da anuência do servidor para que o desconto seja consignado em seu salário. De acordo com essa prática, a situação se concretiza da seguinte forma: a administração pública credencia as instituições consignatárias, que são destinatárias dos créditos, e o servidor, uma vez que realize com essas instituições um contrato de compra e venda ou de empréstimo mercantil, irá amortizar sua ou suas prestações, por meio do desconto em folha de pagamento. Essa prática confere às consignações em folha de pagamento uma outra dimensão: tais instituições, que auferem lucros a partir da cobrança de juros, eliminam sua margem de risco, pois a administração pública passa a garantir o cumprimento da obrigação assumida pelo servidor. São fortes os argumentos em prol dessa atuação da administração pública com a finalidade de facilitar o crédito para os seus servidores. Ademais, trata-se de uma situação fática que vem se consumando no âmbito dessa administração, o que faz surgir a necessidade de que venha a ser regulada pelo direito administrativo. Atualmente, a matéria não é regulamentada por lei, tendo sido tratada por decretos que, aplicados ao Poder Executivo, estendiam-se aos servidores da Assembléia Legislativa por força de decisão de sua Mesa. Encontra-se em vigor o Decreto nº 42.103, de 19/11/2001, que dispõe sobre a consignação em folha de pagamento dos servidores ativos, aposentados e pensionistas da administração direta, das autarquias e fundações vinculadas ao Poder Executivo. O decreto regula tanto as consignações compulsórias, que não são objeto da proposição em exame, quanto as facultativas; no tocante às últimas, ele o faz de forma ampla, ao contrário do projeto, que trata apenas das consignações facultativas para fins de amortização de empréstimos contraídos pelo servidor. No nosso entendimento, o projeto em exame não encontra óbice jurídico, constitucional ou legal para tramitar nesta Casa, pois trata de estabelecer regras disciplinares de um serviço a ser prestado pela administração pública estadual. De acordo com o disposto no § 1º do art. 25 da Constituição da República, são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam por ela vedadas. É importante, todavia, que o projeto apenas estabeleça regras gerais a serem seguidas pela administração de pessoal dos três Poderes, sem entrar na seara de discricionariedade cabível a cada um. Ressaltamos, ainda, a necessidade de que o projeto estabeleça requisitos e procedimentos para o credenciamento das instituições consignatárias, de forma a se evitar o credenciamento de instituições não idôneas, que praticam juros abusivos e atuam de forma ilegal, fato que recentemente ocorreu em nosso Estado. Importante também que a proposição estabeleça uma margem consignável da remuneração de cada servidor, com vistas a preservar o caráter alimentar de que se revestem os vencimentos dos servidores. Essa natureza, como bem aponta Hely Lopes Meirelles, “não permite sejam eles retidos pela Administração, nem admite arresto, seqüestro ou penhora, consoante dispõe o art. 649, IV, do Código de Processo Civil”. Somente é admitido o desconto em folha para as prestações alimentícias devidas pelo servidor público, de acordo com o art. 734 desse Código e o art. 124 do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado. Consideramos, pois, oportuna a adoção da margem consignável de 20% do valor total da remuneração, provento ou pensão do servidor. Ressalte-se, ainda, que o projeto está criando para a administração uma função atípica, o que pode ocasionar entrave operacional e financeiro para ela, que, por meio de sua área financeira e de pessoal, irá celebrar convênios com instituições privadas, analisar a situação de cada servidor para detectar a sua margem salarial consignável e servir, ainda, de pagadora de obrigações assumidas por seus servidores. Essas operações, além de demandarem um serviço específico para sua realização, representam custos para os cofres públicos. Com base nestes argumentos, foi encaminhada a esta Casa, na legislatura passada, pelo Governador do Estado, mensagem encaminhando veto à Proposição de Lei nº 14.506, que permitia o pagamento dos servidores públicos em qualquer cooperativa de crédito que se credenciasse na administração pública. Torna-se clara, pois, a necessidade de se limitar essa atuação administrativa, sob pena de se inviabilizar o trabalho dos órgãos encarregados do processamento da folha de pessoal, além do desatendimento ao interesse público. Afinal, o objetivo da administração pública é o atendimento do interesse coletivo, e não, o gerenciamento dos interesses de seus servidores. Por esta razão, sugerimos a cobrança de tal serviço em valores fixos, a ser efetuada mediante desconto no ato de repasse à entidade consignatária. Vislumbramos, dessa forma, a possibilidade de aprimorar a proposição em referência, razão pela qual apresentamos, ao final deste parecer, o Substitutivo nº 1, que visa a enquadrar a matéria nos princípios constitucionais norteadores das atividades da administração pública e a limitar a incidência dos credenciamentos. No substitutivo apresentado, incluímos, no rol das entidades consignatárias a serem credenciadas perante a administração, as cooperativas de crédito constituídas nos termos da Lei Federal nº 5.764, de 12/12/71. Tais entidades não visam ao lucro mercantil e são estruturadas de forma a “promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”. Propomos, ainda, reparos nas disposições referentes à suspensão temporária ou definitiva das consignações em folha, previstas nos arts. 2º e 3º do projeto. Entendemos que tais suspensões devem ser precedidas de acordo entre as partes - servidor e instituição consignatária -, que deverão pactuar o novo modo de desconto, e, no caso de suspensão temporária, o desconto nos meses posteriores deve observar, da mesma forma, o limite de 20% da remuneração do servidor. Conclusão Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 126/2003 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado. SUBSTITUTIVO Nº 1 Dispõe sobre consignação em folha de pagamento de servidor público do Estado para fins de amortização de empréstimo e dá outras providências. A Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta: Art. 1º - Para fins de amortização de empréstimo, a consignação em folha de pagamento de servidor público ativo, aposentado e pensionista da administração direta, autárquica e fundacional fica condicionada a determinação legal ou judicial ou a expressa autorização do servidor em favor de instituição consignatária credenciada perante a administração pública, nos termos desta lei. Parágrafo único - A consignação de que trata o “caput” desse artigo não poderá exceder, mensalmente, a 20% (vinte por cento) do total da remuneração, provento ou pensão do servidor, depois de descontadas as contribuições obrigatórias. Art. 2º - Poderá ser credenciada perante a administração pública, nos termos do art. 1º desta lei: I - instituição constituída sob a forma de cooperativas de economia e crédito mútuo, de acordo com a Lei Federal nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971; II - entidades de previdência pública e privada; III - instituição bancárias ou financeiras credenciadas pelo Banco Central do Brasil; IV- entidade de classe, associação e clube representativos de servidores públicos. § 1º - Cada um dos Poderes ou entidade indicará o órgão competente para credenciar as instituições consignatárias. § 2º - O credenciamento será deferido pelo órgão competente após o exame da documentação da instituição consignatária, atendidos os requisitos estabelecidos nesta lei. § 3º - A instituição consignatária comunicará ao órgão responsável pelo credenciamento qualquer alteração cadastral, bem como a inclusão ou exclusão de consignação. Art. 3º - Mediante comunicação prévia ao órgão responsável e aquiescência da instituição consignatária, fica o servidor autorizado a suspender o desconto de qualquer das parcelas do empréstimo em sua remuneração. § 1º - O disposto no parágrafo único do art. 1º desta lei prevalecerá mesmo no caso de suspensão do desconto de qualquer das parcelas, conforme previsto no “caput” deste artigo. § 2º - Os encargos financeiros decorrentes da suspensão do desconto de que trata este artigo, se previstos em contrato, serão de responsabilidade do servidor. Art. 4º - Na impossibilidade de manutenção do desconto em folha de pagamento por motivo de ameaça à sua subsistência, o servidor poderá cancelá-lo com a aquiescência da instituição consignatária, eximindo-se o poder público de qualquer responsabilidade. Art. 5º - Obedecida a margem consignável estabelecida no parágrafo único do art. 1º desta lei, o desconto para fins de amortização de empréstimo poderá ser concedido em favor de até cinco instituições consignatárias. Art. 6º - A administração pública pode, a qualquer tempo, descredenciar a instituição consignatária que não comprovar o atendimento das exigências legais, comunicando o fato aos servidores e divulgando-o por meio de publicação no órgão oficial dos Poderes do Estado. Art. 7º - A divulgação do limite para os descontos de que trata esta lei e de outros dados relativos à folha de pagamento do servidor fica sujeita a sua expressa autorização. Parágrafo único - A utilização irregular ou a divulgação de dados da folha de pagamento importará responsabilização do agente que a ela tenha dado causa. Art. 8º - Para cobertura do custo operacional decorrente das consignações previstas nesta lei, o Estado poderá cobrar da instituição consignatária de 0,10% (zero vírgula dez por cento) a 0,50% (zero vírgula cinqüenta por cento) do valor do desconto mensal na folha de pagamento de cada servidor. § 1º - Os percentuais a serem cobrados das instituições consignatárias serão regulamentados por cada um dos Poderes e previstos no contrato de credenciamento. § 2º - O pagamento da contribuição prevista no “caput” deste artigo será feito por meio de desconto, pelo Estado, do percentual definido em contrato sobre os valores a serem repassados à instituição consignatária. Art. 9º - A consignação de que trata esta lei não implicará responsabilidade do Estado por dívida, inadimplência, desistência ou pendência de qualquer natureza assumida pelo servidor, aposentado ou pensionista perante a entidade consignatária. Art. 10 - Os descontos atuais em folha de pagamento para fins de empréstimo serão mantidos até a amortização da última parcela, devendo a instituição consignatária adequar-se às disposições desta lei. Art. 11 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 12 - Revogam-se as disposições em contrário. Sala das Comissões, 22 de maio de 2003. Sebastião Navarro Vieira, Presidente - Gustavo Valadares, relator - Ermano Batista - Gilberto Abramo - Weliton Prado.