Estupro em parto repercute em reunião sobre defesa da mulher
Caso ocorrido durante cesárea no Rio causa indignação em audiência que abordou a violência de gênero também na política.
12/07/2022 - 01:50 - Atualizado em 12/07/2022 - 11:40Políticas públicas voltadas para as mulheres e mobilização para que elas alcancem maior representatividade nos espaços de decisão foram defendidas em audiência pública na noite desta segunda-feira (11/7/22), em Ouro Branco (Região Central).
Realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a reunião foi marcada por relatos de violência de gênero na política e pela repercussão do estupro de uma paciente dopada enquanto fazia uma cesárea em unidade do Rio de Janeiro.
Consulte o resultado da reunião.
Indignação, estarrecimento, revolta e nojo foram os sentimentos manifestados diante do flagrante do crime, cometido nessa madrugada (11) pelo anestesista Giovanni Bezerra e filmado por enfermeiras do Hospital da Mulher Heloneida Studar, em São João de Meriti, município na Baixada Fluminense.
“Estou profundamente indignada e revoltada. Deixo meu repúdio, diante dessa situação triste e vergonhosa. Provavelmente essa cena capturada pelas enfermeiras, que tiveram a coragem e o compromisso para com as mulheres, não foi a primeira das que devem estar acontecendo por aí”, frisou Ana Paula Siqueira (Rede).
A deputada disse que a legislação do Rio de Janeiro permite que a gestante tenha um acompanhante na sala de parto, mas que nem todas as mulheres têm ciência de seus direitos.
A presidenta da comissão frisou que as mulheres são minoria na política, mesmo respondendo por mais de 53% do eleitorado brasileiro. Contudo, ressaltou que a atual legislatura da ALMG conta com o maior número de mulheres eleitas deputadas de toda a sua história.
Lembrou, ainda, que a ALMG criou recentemente a Procuradoria da Mulher, para encaminhar casos de violência contra a mulher, estendeu a licença maternidade às deputadas e recentemente realizou audiência em que 77 mulheres representando a diversidade de Minas ocuparam as cadeiras do Plenário, num ato que gerou carta às autoridades cobrando esforços para garantir os direitos das mulheres.
Violência de gênero na política é relatada
“Hoje nos chocou esse caso de estupro numa sala de parto, o que nos deixa estarrecidas. Sinto nojo, que mundo é esse?”, também se indignou a vereadora Valéria de Melo Nunes Lopes sobre o estupro flagrado durante uma cesárea no Rio de Janeiro.
Uma das duas vereadoras da Câmara Municipal de Ouro Branco, de um total de nove cadeiras, ela defendeu a interiorização das discussões da Assembleia sobre as mulheres e das políticas públicas voltadas a elas, assim como maior envolvimento das câmaras municipais nas questões relacionadas à temática.
Isso vale também para Ouro Branco, registrou, já que a cidade não contaria com nenhum centro de referência ou de acolhimento para as mulheres, nem com uma Defensoria Pública onde buscar auxílio.
O defendido empenho das câmaras, contudo, ainda esbarra na violência de gênero na política, conforme testemunho de Damires Rinarlly Oliveira Pinto. Única vereadora da Câmara Municipal de Conselheiro Lafaiete, ela relatou ter sofrido ameaça de morte em julho do ano passado.
O caso ocorreu depois que a vereadora propôs um projeto de combate à violência contra as mulheres e os animais e uma indicação ao Executivo Municipal para o cumprimento do direito das pessoas LBGTQIA+ de usarem seu nome social, como já garante a legislação.
A ameaça culminou numa medida cautelar impedindo que o autor se aproxime da vereadora ou entre na Câmara Municipal, mas as perseguições teriam prosseguido e motivado a abertura de um inquérito.
“É complicado fazer política pública contra a violência quando não se tem um apoio e sem uma maior representatividade na política”, concluiu Damires Rinarlly.
Travestis e transexuais
A vereadora de Belo Horizonte Duda Salaberti também defendeu a interiorização do debate para a garantia de direitos ao afirmar que as questões de interesse das travestis e transexuais, por exemplo, são mais discutidas na Capital.
Ela advertiu que o Brasil é o País que mais mata travestis e transexuais há 14 anos consecutivos. Segundo Duda Salaberti, os últimos dados revelam ainda que 80% desses assassinatos ocorreram com requintes de crueldade e que 83% foram contra negros, o que demonstra uma interseção de gênero, classe e raça com a violência.
Outro fato destacado pela vereadora foi que a grande maioria (90%) dos travestis e transexuais da Capital estariam na prostituição quase que compulsória, sendo que 92% não concluíram o ensino médio, o que segundo ela configura expulsão, e não evasão escolar.
Segundo a parlamentar, os dados são de levantamento recente feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em Belo Horizonte.
“Independentemente de opção política, ainda não conquistamos a categoria de humanidade. Nossa bandeira maior ainda é pelo nome social”, afirmou Duda Salaberti.
Lei Maria da Penha precisa ser mais difundida
A maioria dos convidados da audiência defendeu também a educação como fundamental para a mudança da cultura machista e para a consolidação e o conhecimento dos direitos das mulheres.
Nesse sentido, foi mencionada a necessidade de sanção, pelo governador, de projeto votado recentemente na ALMG para que as escolas insiram em suas aulas noções sobre a Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
A presidenta da comissão, por exemplo, defendeu maior conhecimento acerca da lei ao ressaltar que das 154 mulheres vítimas de feminicídio em Minas no ano passado, 90% morreram sem pedir ajuda e sem ter nenhuma medida protetiva.
Ela ainda destacou que o Estado conta hoje somente com 69 delegacias especializadas da mulher, sendo duas em Belo Horizonte, para atender a 853 municípios.
A delegada adjunta de Polícia Civil de Ouro Branco, Cândida de Assis, destacou que o município está na lista dos que não dispõem de uma delegacia especializada. Mas com base nos casos atendidos em sua unidade, ela frisou que a dependência financeira é a maior barreira para que a mulher rompa com o ciclo da violência doméstica.
"O que meu filho vai comer se meu marido for preso é o que mais ouvimos, sem contar que a violência também é cometida por filhos contra mães e envolve parentesco. Além da violência psicológica, praticada na clandestinidade”, afirmou ela.
Homens devem ser envolvidos, diz promotor
Promotor de Justiça da Comarca de Ouro Branco, Pedro Henrique Correa também defendeu a educação para vencer o que ele classificou como sendo uma epidemia de violência doméstica na sociedade.
Segundo ele, casos que chegam ao Ministério Público demonstram que as soluções penais não resolvem a dependência econômica da mulher, levantada pela delegada de Ouro Branco, e nem a cultura machista por si só.
Nesse sentido, ele disse ter criado o que chamou de grupo reflexivo para homens em Ouro Branco, com 10 participantes. Ele considera que o alcance é ainda incipiente, mas entende que trabalhar com a educação do público masculino é imprescindível.
“Tratar a questão da violência doméstica sem tratar do agressor é como secar o chão deixando a torneira aberta”, ilustrou ao insitir em iniciativas nessa direção.
Verônica Alencaster, da OAB Mulher Ouro Branco, acrescentou que a violência contra as mulheres é uma questão de saúde pública, defendendo que políticas públicas para elas devem contar com centros de referência em todos os lugares, com um trabalho inter e multidisciplinar em rede, de apoio também afetivo e com mutirões nas zonas rurais.