Em vez de homens, 77 mulheres ocuparam, em um ato simbólico, todos os assentos reservados aos deputados estaduais
Ana Paula Siqueira destacou que o evento é um compromisso da ALMG com a luta das mulheres
Cacica Ãgohó Pataxó Hã-hã-hãe disse lutar pela sobrevivência da sua comunidade
Maria Edna Fernandes conclamou as mulheres a acreditarem em si mesmas
Plenária Sempre Vivas defende maior protagonismo da mulher na política

Representatividade marca plenária do Sempre Vivas 2022

Reunidas no Plenário, espaço tipicamente masculino, 77 mulheres contaram suas lutas e cobraram mais espaço na política.

27/05/2022 - 19:10 - Atualizado em 27/05/2022 - 20:27

Setenta e sete mulheres ocuparam, em um ato simbólico nesta sexta-feira (27/5/22), no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), todos os assentos reservados aos também 77 deputados estaduais, a maioria deles homens.

A cena inédita foi pensada como forma de reforçar a luta por maior representatividade das mulheres na política e ocorreu na sessão plenária do “Sempre Vivas 2022”, que marcou o encerramento do evento deste ano, ainda mais estratégico, já que em outubro serão disputadas eleições.

Nesta conta, estão as nove deputadas da atual bancada feminina da ALMG e outras 68 mulheres, indicadas pela comissão organizadora do evento, contemplando os critérios de diversidade territorial e racial, de gênero, de faixa etária e de área de atuação.

Dia histórico

A plenária foi comandada pela presidenta da Comisso de Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Ana Paula Siqueira (Rede). “Hoje é um dia histórico. Nesta legislatura, pela primeira vez, elegemos dez deputadas, maior número até então. Também foi a primeira vez que elegemos mulheres negras. Somos três e em breve seremos muitas mais”, afirmou.

Todas as presentes tiveram a oportunidade de subir à tribuna do Plenário para refletir sobre seu papel na sociedade atual e apresentar suas demandas.

Nessa linha, outro ponto alto foi a leitura e aprovação da “Carta das Mulheres de Minas”, documento que será encaminhado aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, sintetizando as principais reivindicações das participantes.

Mulheres na Política

Em um dos trechos, a carta lembra que o Brasil ocupa, segundo o Mapa das Mulheres na Política 2020, o 145º lugar no ranking de número de mulheres no Parlamento, de um total de 187 países, comprovando a baixa participação nos espaços de decisão e poder.

A plenária teve ainda outro momento simbólico quando todas as participantes se levantaram ao mesmo tempo no Plenário, segurando cada uma delas uma placa com uma hashtag. Ela sintetizava a causa mais importante conquistada ou ainda a ser conquistada por cada uma delas.

Eleitorado feminino

Na abertura da plenária, a deputada Ana Paula Siqueira lembrou que as mulheres já são, segundo levantamento mais recente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 53% do eleitorado brasileiro.

“É uma alegria ver o Plenário lotado de mulheres. Mais do que um evento, o Sempre Vivas é um compromisso da Assembleia com nossa luta, e a primeira delas é ter mais mulheres nesta Casa. Juntas sempre venceremos”, afirmou, 

Na mesma linha, a presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Andréia de Jesus (PT), lembrou que a luta para ocupar espaços de poder é ainda mais inglória para as mulheres negras.

“Nós, negros e negras, aprendemos a lutar nas festas, nas rezas, nas danças. Trazer a diversidade de mulheres aqui na Assembleia é trazer as diversidades nas formas de resistir”, destacou.

Combate e esperança

“Existem momentos de combate e momentos de esperança. Ver este Plenário cheio de mulheres nos enche de esperança”, emendou a presidenta da Comissão de Educação, deputada Beatriz Cerqueira (PT).

“Vivemos um dos momentos mais violentos da história da República. E a violência política de gênero é feita com uma naturalidade vergonhosa. Por isso, até mesmo usar a palavra presidenta transmite uma mensagem de esperança de que em 2023 teremos mais mulheres aqui no Parlamento”, declarou a parlamentar.

Bancada feminina

A líder da Bancada Feminina da ALMG, deputada Leninha (PT), destacou a diversidade expressa nas mulheres que lotaram o Plenário. “Somos muitas, somos diversas, e não é fácil ser mulher em ambientes opressores, machistas e racistas. Precisamos urgentemente fazer mudanças mais concretas na nossa sociedade”, apontou.

E a falta de representatividade feminina na política é patente. A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), realizada em 2019, aponta que as mulheres representam 51,8% da população brasileira. Apesar disso, são apenas 12% do Senado, 15% da Câmara de Deputados e 11,68% da ALMG.

A mesma situação se repete nos Poderes Legislativo e Executivo nos municípios do Brasil, onde ocupam 16% e 12% dos cargos de vereador e gestor municipal, respectivamente.

Ações da ALMG

Coube ao 3º secretário da Mesa da Assembleia, deputado Arlen Santiago (Avante), representar e ler o pronunciamento do presidente da ALMG, deputado Agostinho Patrus (PSD), lembrando todas as ações em defesa dos direitos das mulheres no Estado.

No âmbito do Parlamento mineiro, destacam-se, segundo ele, a criação em caráter permanente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, da Procuradoria da Mulher e da própria Bancada Feminina.

A cada relato, uma história de luta e resiliência

Entre os pronunciamentos feitos por mulheres na tribuna do Plenário, ao longo de toda a tarde e início da noite, revezaram-se histórias de muitas lutas e algumas conquistas, mas a tônica foi mesmo a resiliência.

Nessa linha, algumas mulheres chegaram mesmo a emocionar as presentes, como a coordenadora do “Programa Para Elas – Por Elas, Por Eles, Por Nós”, Elza Melo.

Ela falou diretamente do hospital onde se recupera de um transplante de rins. “As coisas não estão muito fáceis, mas mesmo nas condições mais adversas, somos e estamos sempre vivas”, disse, com a voz embargada, sendo aplaudida de pé pelas participantes da plenária do “Sempre Vivas 2022”.

“Estaremos nessa luta até que cada uma e todas assumam com plenitude e de fato o papel que lhe cabe e que ela pode e deve ter na sociedade. Essa luta não pode terminar enquanto houver uma só mulher em condição de luta e desigualdade”, acrescentou Elza Melo.

Crime da Vale

E a luta pela sobrevivência tem muitas facetas. “Sofremos com o crime da Vale em Brumadinho. Hoje, estamos debaixo de barracas de lona. Não temos o básico que é água para as nossas crianças sobreviverem. Hoje, eu luto por uma coisa: educação e reconstrução da minha comunidade. Nos tiraram o que tínhamos de mais sagrado, nosso modo de vida”, destacou a cacica da aldeia Katurãma, Ãgohó Pataxó Hã-hã-hãe, de São Joaquim de Bicas (Região Metropolitana de Belo Horizonte).

A coordenadora-geral do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira (Cenarab), Makota Celinha Gonçalves, também arrancou aplausos ao afirmar que quer se ver no poder.

“Sou mulher preta, periférica, mãe de jovem negro rastafári. Não sou candidata, mas eu quero ter espelhos nesta Casa onde eu possa me ver. Quero colocar fogo no parquinho do machista e racista, principalmente aqui da ALMG. Por isso defendo a criação de um quilombo eleitoral”, afirmou.

Mulheres feministas

“Estamos sub-representadas na política, mas precisamos de mulheres que se interessem e reajam às nossas lutas”, defendeu ainda a presidenta estadual da União Brasileira de Mulheres de Minas Gerais (UBM-MG), Bárbara Ravena.

“Não basta ser mulher, tem que ser mulher feminista, que banque nossas pautas como a luta contra essa pandemia que é pior que a do coronavírus, a pandemia do feminicídio. Seguiremos em marcha até que todas sejam livres”, emendou a professora e cientista política, Bruna Camilo.

E a luta das mulheres para ocupar espaços começa cedo, como contou a estudante de Nova Era (Central), Melissa Maria, de apenas 12 anos, primeira menina a se inscrever em um projeto de robótica na sua cidade. “Depois isso mudou, acho que inspirei outras meninas a participar desse projeto incrível. Devemos sempre acreditar nos nossos sonhos e a educação é a base de tudo”, disse.

PJ Minas

A estudante de Direito e diretora de Relações Institucionais do Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Maria Edna Fernandes, lembrou que começou sua formação política no Parlamento Jovem de Minas (PJ Minas), projeto da ALMG.

"Tenho 21 anos, mas em 2018 presidi um dos grupos de trabalho do PJ Minas sobre violência doméstica e familiar. Como sou de Capelinha (Norte de Minas), uma cidade coronelista e patriarcal, sabia bem do que estávamos discutindo. Somente recentemente elegemos nossa primeira vereadora", disse.

"A palavra de ordem é esperança. Meninas, acreditem mais em vocês. Acreditem que podem chegar onde quiserem", concluiu.