Em mais de oito meses de trabalhos, a CPI da Cemig realizou 31 reuniões, colheu 30 depoimentos e aprovou 172 requerimentos - Arquivo ALMG
Em depoimento, Polati acusou presidente da Cemig de tentar mudar resultado de licitação - Arquivo ALMG

CPI da Cemig debate relatório final das investigações

Reunião nesta quinta (17) conclui mais de oito meses de apuração sobre suposta má gestão e uso político da empresa.

16/02/2022 - 17:56

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para investigar possíveis irregularidades na gestão e o uso político da Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (Cemig) está em sua reta final com a leitura e votação do relatório final.

A análise do relatório final está na pauta da reunião programada para esta quinta-feira (17/2/22), às 14 horas, no Auditório José Alencar, sob o comando do presidente da CPI da Cemig, deputado Cássio Soares (PSD). O documento a ser apreciado é de autoria do relator Sávio Souza Cruz (MDB).

Consulte a pauta da reunião.

Será a conclusão de mais de oito meses de investigações, com o recebimento de denúncias, interrogatório de testemunhas, coleta e análise de documentos e um extenso cruzamento de informações. Entre os objetivos dos trabalhos está identificar uma suposta estratégia de desinvestimento e consequente descrédito da Cemig com o objetivo de viabilizar politicamente a privatização da empresa.

Mas a investigação também se ramificou por diversas outras condutas suspeitas que devem constar do relatório final que, se aprovado pela maioria dos integrantes da comissão, será encaminhado à Mesa da Assembleia, para publicação, e aos órgãos aos quais forem feitas as recomendações, para as devidas providências.

É o caso, por exemplo, do Ministério Público, que pode acatar eventuais sugestões de indiciamento ou mesmo decidir pelo desdobramento das investigações em outras instâncias.

Desidratação

Na suposta política de “desidratação” da Cemig com o objetivo de privatizá-la foram investigados por exemplo a venda de ativos importantes, como as fatias da estatal na Light e na Renova, esta última por apenas R$ 1, em um momento de retração econômica e com supostos prejuízos para seu maior acionista, o Estado de Minas Gerais.

Nesse processo, também foi esmiuçado pelos deputados o aval dado por conselheiros indicados pelo Executivo tanto na Light quanto na própria Cemig.

Mas os parlamentares também se depararam com supostas ilegalidades que teriam se frutificado a partir da ingerência de pessoas ligados ao partido do governador Romeu Zema, o Novo, nas decisões administrativas tomadas pela alta cúpula da Cemig.

Há indícios por exemplo do cometimento do crime de usurpação da função pública no envolvimento de dirigentes partidários em ações estratégicas, caso da escolha do atual diretor-presidente da estatal, Reynaldo Passanezi Filho, uma das testemunhas que prestou depoimento.

Nesse episódio teriam se envolvido, conforme apurado pela CPI da Cemig, o empresário Evandro Negrão de Lima, alto dirigente do Partido Novo em Minas Gerais, e a empresa de headhunter (seleção de executivos) Exec, lembrada exaustivamente nas reuniões da comissão.

Sem licitação

Também há suspeitas de atos contrários à legislação das estatais, com o levantamento pela CPI de dezenas de casos de celebração de contratos sob o argumento de inexigibilidade de licitação, contando para isso com a espionagem e perseguição que resultou no afastamento de servidores de carreira da estatal.

O objetivo disso seria a dispensa de pareceres jurídicos prévios, visando ao relaxamento dos mecanismos de controle que antes eram adotados internamente.

A chamada convalidação, regularização de contratações depois dos serviços já terem sido executados, prática que deveria ser utilizada somente em situações emergenciais, teria se tornado corriqueira e atingido cifras bilionárias na gestão de Reynaldo Passanezi, conforme já apurado pela CPI.

Nessa linha, um dos episódios que mais chamou a atenção dos deputados foi a celebração de um contrato sem licitação com a multinacional de tecnologia IBM, por R$ 1,1 bilhão e pelo prazo inédito de dez anos.

E a IBM depois subcontratou a empresa de call center AeC, ligada a dirigentes do Partido Novo, que antes havia perdido uma licitação para prestar o mesmo serviço.

Acusação

Nesse caso específico, durante depoimento na CPI, o ex-diretor-adjunto de Suprimentos, Logística e Serviços Corporativos da Cemig, João Polati Filho, acusou diretamente o presidente da Cemig de pressioná-lo para mudar o resultado da licitação perdida pela AeC e mantê-la no call center da companhia energética do Estado.

Reynaldo Passanezi nega o ocorrido, mas, por meio da IBM, a AeC segue até o momento prestando o mesmo serviço à Cemig. A AeC tem como um de seus fundadores o então secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico do governador Romeu Zema, Cássio Azevedo, já falecido.

A CPI da Cemig inclusive encontrou diversos indícios de que uma sala no 18º andar do edifício-sede da empresa chegou a ser reservada para o uso do secretário, bem ao lado do presidente da Cemig, o que ajudaria a caracterizar o cerco partidário à estatal.

Conflito de interesse

Há ainda supostos casos de conflito de interesse que atentariam aos regulamentos vigentes de boas práticas de governança, conforme apurado pela CPI, já que a estatal tem ações negociadas nas bolsas de Nova Iorque e Madrid e precisa prestar contas a entidades reguladoras internacionais.

Em um desses casos investigados, a gerente de Compras de Materiais e Serviços da Cemig, Ivna de Sá Machado de Araújo, é casada com um sócio de Evandro Negrão de Lima em uma empresa de geração de energia que teria negócios com a estatal. Ao contrário de diversos servidores de carreira, Ivna não foi afastada do cargo em meio a uma suposta investigação de denúncia de desvios na área de Compras e Suprimentos.

Outros temas como supostos favorecimentos em contratos firmados com empreiteiras para manutenção da rede de transmissão aérea no interior do Estado, assédio moral a funcionários, imbróglios policiais e judiciais mal esclarecidos e até problemas no atendimento aos consumidores também foram abordados ao longo dos trabalhos da CPI da Cemig, embora em menor profundidade, e podem servir de subsídio para iniciativas em outras comissões da ALMG.

Balanço

A CPI da Cemig, cuja data oficial do início dos trabalhos é 16 de junho do ano passado, tem ainda o deputado Professor Cleiton (PSB) como vice-presidente. Ele também é o primeiro signatário do pedido de criação da comissão.

A primeira reunião aconteceu em 28 de junho do ano passado e, desde então, foram 31 encontros no total, com 27 convocados e três convidados interrogados. Também foram aprovados 172 requerimentos. O prazo inicialmente previsto de 120 dias para conclusão dos trabalhos foi prorrogado no final do ano passado.

“Se lembrarmos de nossas suspeitas de meses atrás tudo se confirmou ao longo das oitivas e dos documentos que foram sendo requisitados à atual direção da CPI. O governador e seu partido queriam gerar na população um sentimento de incompetência da empresa para depois emplacar o discurso de que é preciso privatizá-la”, aponta Professor Cleiton.

Os demais integrantes efetivos da CPI da Cemig são a deputada Beatriz Cerqueira (PT), Hely Tarqüínio (PV), Zé Guilherme (PP) e Zé Reis (Pode). Os suplentes da CPI da Cemig são os deputados Rafael Martins/PSD, Elismar Prado (Pros), Betão (PT), Arnaldo Silva (DEM), Sargento Rodrigues (PTB), Tito Torres (PSDB) e Roberto Andrade (Avante).