Deputados criticam proposta do governo para superar a crise
Segundo parlamentares, adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, apresentada como solução, tem mais custos que benefícios.
10/06/2019 - 16:34Parlamentares criticaram duramente o fato de o Governo de Minas apresentar como única solução para os problemas financeiros do Estado a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) proposto pelo governo federal, que impõe uma série de restrições à administração estadual. Além disso, na opinião de alguns deputados, a proposta não oferece uma contrapartida adequada e não vai contribuir para solucionar os problemas econômicos e sociais.
As questões foram levantadas na primeira reunião do Assembleia Fiscaliza, realizada nesta segunda-feira (10/6/19), com a presença do secretário de Estado de Governo, Custódio de Mattos.
As rodadas de reuniões a serem realizadas pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), até o dia 19 de junho, são resultado da aprovação, em março deste ano, da Emenda Constitucional 99, de 2019. A norma prevê a convocação dos secretários e dos principais dirigentes de estatais e outros órgãos do Estado a cada quatro meses para prestar contas de sua gestão aos parlamentares. Este primeiro encontro foi conduzido pelos membros das Comissões de Constituição e Justiça, de Administração Pública e de Participação Popular.
Em sua apresentação inicial, o secretário Custódio de Mattos salientou as dificuldades financeiras do Estado, que teria atualmente um saldo devedor de R$ 35 bilhões e a previsão de mais de R$ 15 bilhões de deficit a ser acumulado diante da incompatibilidade entre receitas e despesas previstas para 2019.
Ele falou também dos cortes na máquina estatal já realizados pelo Poder Executivo. Mesmo assim, afirmou que a situação é crítica e o Estado não tem nenhum poder de investimento. Segundo ele, não há dinheiro nem para despesas básicas, como a oferta de medicamentos de uso contínuo para a população.
Como resposta ao problema, Custódio de Mattos defendeu a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal, que impõe uma série de ajustes como contrapartida ao adiamento do pagamento da dívida com a União.
Os projetos de lei que regulamentam a adesão de Minas ao RRF estão em fase final de elaboração e deverão ser encaminhados em breve à ALMG, de acordo com o secretário. Diversos parlamentares presentes à reunião, porém, se posicionaram contrariamente à adesão. O deputado Sargento Rodrigues (PTB) afirmou que o Poder Executivo não conseguirá, no Parlamento, os votos necessários para aprovar os projetos.
Impacto nos serviços públicos é principal crítica
A deputada Beatriz Cerqueira (PT) afirmou que os custos para adesão ao RRF superam em muito as vantagens, já que o oferecido pela União é a suspensão temporária da dívida – ela deverá ser retomada em três anos, ou seis, caso haja uma prorrogação de prazo.
A dívida do Estado com a União já não é paga desde julho de 2018 e conta com uma liminar judicial para garantir que essa suspensão de pagamento não implique retenção de recursos que a União deve repassar para Minas Gerais. Ou seja, a adesão ao Regime de Recuperação, conforme proposto pelo Poder Executivo estadual, poderá não resultar em nenhum dinheiro a mais no caixa.
O secretário, porém, disse que a liminar só é válida enquanto o governo estadual estiver disposto a negociar com o governo federal. O fim dessas negociações implicaria mudança de posição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto e levaria à suspensão de acesso a recursos federais.
Uma das principais críticas é sobre o impacto que a adesão causaria na prestação de serviços à população, já que uma das exigências do governo federal é a proibição de recomposição salarial de servidores públicos e de realização de concursos públicos. Beatriz Cerqueira e Sargento Rodrigues lembraram que a garantia de direitos a servidores públicos é essencial para que a população acesse garantias fundamentais, como saúde, educação e segurança.
Beatriz Cerqueira disse que a realização de concurso precisa ser decidida diante das necessidades do Estado e não a partir de uma lei arbitrária. “Este ano tivemos uma tragédia horrível em Brumadinho. Se, a partir dela, entendermos que é necessário melhorar a fiscalização ambiental, não poderemos fazer concurso para isso?”, questiounou. Sargento Rodrigues destacou que os servidores estaduais já estão sem recomposição salarial há quatro anos.
Privatizações também são questionadas
Na mesma linha, o deputado André Quintão (PT) disse que continuar a impedir recomposição salarial de servidores e, ao mesmo tempo, aumentar os impostos sobre os seus ganhos, como também deve propor o Executivo, é “confisco de salário”.
Ele também criticou a necessidade, imposta pelo Regime de Recuperação Fiscal, de privatizar empresas como a Cemig. “A privatização da Cemig vai resolver a folha de pagamento do Estado de apenas um mês. Vale a pena abrir mão de uma empresa com o papel social que ela tem por causa de um mês?”, questionou André Quintão.
Em geral, os parlamentares concordaram que a situação financeira do Estado é grave, mas apontaram outras saídas e criticaram a equipe do governador Romeu Zema por considerar o Regime de Recuperação Fiscal como único caminho possível.
Além de uma pactuação com os outros poderes, como o Judiciário e o Ministério Público, conforme proposto por Sargento Rodrigues, muitos deputados destacaram como caminho para sair da crise a compensação prevista pela Lei Kandir, que isentou de ICMS as exportações de produtos básicos. Ela previa uma compensação aos estados pelas perdas fiscais, nunca cumprida de fato. O valor devido a Minas seria de R$ 135 bilhões, enquanto a dívida do Estado com a União estaria em cerca de R$ 90 bilhões.
Os deputados criticaram o governador Zema e seu primeiro escalão por não assumir a liderança no caso da Lei Kandir e pressionar pela resolução do problema. Custódio de Mattos, entretanto, disse que o governo federal também está em crise fiscal e que não é possível contar com a liberação, em curto prazo, desses recursos. “Tão condescendentes com a falta de dinheiro da União, mas não com o próprio Estado, que já pagou sua dívida com o governo federal”, disse o deputado André Quintão.
Governador estaria demonizando a política
Outro assunto levantado pelos parlamentares foi sobre as relações políticas entre o governador Romeu Zema e a ALMG. A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) chamou a atenção para o afastamento do Executivo das atividades do Legislativo. Os deputados Arlen Santiago (PTB), Zé Guilherme (PRP), Virgílio Guimarães (PT) e Carlos Pimenta (PDT) fizeram a mesma crítica, apontando a falta de diálogo entre o governador e os deputados. O deputado Sávio Souza Cruz (MDB) foi enfático ao dizer que Romeu Zema "demoniza e desvaloriza a atividade política".
Custódio de Mattos admitiu o problema e disse que o governador já fez essa autocrítica e a postura será diferente a partir de agora. Ele atribuiu o problema, em parte, à falta de experiência de Zema e de sua equipe na administração pública e à falência da política institucional no Brasil. O deputado André Quintão responsabilizou o governador por contribuir para tal falência diante da demonização da política.
O líder do governo na Assembleia, deputado Luiz Humberto Carneiro (PSDB), no entanto, disse que é testemunha do esforço pessoal do secretário Custódio de Mattos em promover esse diálogo com os parlamentares.
Reforma da Previdência estadual é apontada como solução
O líder do Bloco Liberdade e Progresso, deputado Cássio Soares (PSD), disse que ainda não está convencido de que o Regime de Recuperação Fiscal seja a melhor opção para Minas. Mas, para o deputado, a solução para a crise econômica passa, obrigatoriamente, pela inclusão dos estados na reforma da previdência proposta pela União.
Cássio Soares questionou o secretário Custódio de Mattos sobre quais ações o governador Romeu Zema tem implementado para garantir que Estados e municípios sejam automaticamente incluídos na reforma previdenciária.
O secretário disse que a inclusão é de interesse do governo, que está empenhado pessoalmente em convencer a bancada mineira no Congresso a votar nesse sentido.
Salários dos secretários - Como parte do que teria sido uma "campanha antipolítica do governador", os deputados Alencar da Silveira Jr. (PDT) e Sávio Souza Cruz relembraram promessa de campanha do governador Romeu Zema de não receber nem pagar salários aos secretários de Estado, enquanto os servidores públicos estivessem recebendo a remuneração parcelada, o que na prática não chegou a ser feito.
O deputado Alencar da Silveira Jr. também lamentou que o governador tenha vetado o dispositivo do projeto de reforma administrativa (acrescido por emenda desse parlamentar) que proibia o acúmulo da remuneração de secretários de Estado com parcela indenizatória pela participação em conselhos de estatais. Ainda perguntou a Custódio de Mattos se ele permaneceria no governo ganhando apenas os R$ 10 mil relativos ao salário de secretário.
Custódio de Mattos afirmou que considera que o salário de R$ 10 mil é incompatível com as responsabilidades e os riscos jurídicos do cargo. "No início, para correção dessa situação, havia a intenção de aumentar os salários dos gestores, mas não foi possível, porque o Estado chegou no teto da Lei de Responsabilidade Fiscal", declarou.