Convidados e parlamentares defenderam o endurecimento na responsabilização e na punição dos culpados e nas regras de licenciamento e fiscalização
Mário de Faria questionou decisões operacionais da Vale diante de sinais claros do iminente desastre
Documentos mostram que barragem em Brumadinho apresentava falhas antigas

Auditores apontam falhas da Vale em rompimento de barragem

Empresa ignorou riscos que resultaram na tragédia, afirmaram convidados ouvidos por Comissão Parlamentar de Inquérito.

28/03/2019 - 15:30

Canaletas assoreadas e trincadas, drenos danificados pelo trânsito de até 80 cabeças de gado que circulavam sem controle dentro da barragem, dados conflitantes de radar e cuidados de segurança bem abaixo dos recomendados.

Esses são alguns dos resultados preliminares de investigação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais sobre o rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho (Região Central).

As informações foram apresentadas por três auditores fiscais do trabalho, nesta quinta-feira (28/3/19), em reunião em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deu prosseguimento às oitivas de testemunhas iniciadas na segunda-feira (25). A CPI, presidida pelo deputado Gustavo Valadares (PSDB), ouviu também defensores públicos do Estado e da União.

Tanto os convidados quanto os parlamentares presentes defenderam o endurecimento na responsabilização e na punição dos culpados e nas regras de licenciamento e fiscalização de barragens.

Após apresentação em que o auditor fiscal Marcos Ribeiro Botelho resumiu os principais dados de um estudo preliminar sobre a Barragem do Córrego do Feijão, seu colega Mário Parreiras de Faria questionou as decisões operacionais tomadas pela Vale diante de sinais tão claros do iminente desastre. E defendeu mudanças nos parâmetros de avaliação de barragens.

“Não dá mais para manter a mesma metodologia, sem uma análise profunda”, disse. Segundo ele, o que se vê hoje, após a tragédia de Brumadinho, é “um ‘derretimento’ das barragens”. “O que aconteceu? Não estavam todas seguras até dezembro? Tem alguma coisa errada nisso tudo”, concluiu.

Em resposta a questionamentos do deputado Glaycon Franco (PV), o auditor fiscal Daniel Dias afirmou que a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego dispõe de apenas 25 auditores para fiscalizar 37 normas de saúde e segurança em todo o Estado.

Sonegação de informações - A defensora pública da União Lúcia Helena de Souza Queirós disse que a primeira coisa que constatou ao chegar ao local da tragédia foi que dois meses antes a empresa tinha feito levantamento de possíveis perdas humanas e materiais em caso de desastre. “Então a empresa sabia dos riscos, da iminência do rompimento”, denunciou.

Ela questionou também o fato de a Vale, logo após a ocorrência, tentar se colocar à frente das buscas, sonegando informações. “Tive que bater pé para conseguir levantar o mínimo de informações para atender as pessoas. O acolhimento inicial não podia ficar sob a responsabilidade da Vale”, criticou.

Já o defensor Antônio Lopes de Carvalho Filho, da Defensoria Pública do Estado, disse que o foco da instituição é a reparação integral dos danos gerados pelas perdas humanas, por meio de um “mecanismo efetivo, célere e justo”.

Segundo ele, num primeiro momento o órgão trabalhou no acolhimento das pessoas afetadas e, depois, na regularização jurídica de demandas referentes, entre outros assuntos, à guarda de crianças que perderam familiares, a uniões estáveis e a inventários de pessoas falecidas.

O defensor disse ainda que a Defensoria Pública de Minas tem mantido rodadas de conversas com órgãos de outros estados, como Rio de Janeiro e São Paulo, para trocar experiências relativas a desastres de grandes proporções, como as chuvas que resultaram em mortes na Região Serrana do Rio, em 2011, e tragédias aéreas ocorridas em São Paulo.

Lucros da Vale contrastam com baixo investimento em segurança

O relator da comissão, deputado André Quintão (PT), forneceu dados sobre lucro e faturamento da Vale que contrastam com os poucos recursos aplicados na segurança das barragens. Segundo o parlamentar, o lucro líquido da mineradora em 2018 foi da ordem de bilhões de dólares, enquanto os investimentos em segurança de barragens apresentaram queda de 1,64%.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT) foi outra a fazer questionamentos sobre segurança, lembrando que, em 2015, quando do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (Região Central), os dados também apontavam para uma redução em segurança por parte da empresa Samarco, da Vale.

O autor do requerimento para instalação da CPI, deputado Sargento Rodrigues (PTB), disse que faltou fiscalização da Agência Nacional de Mineração e uma avaliação criteriosa da Secretaria de Estado de Meio Ambiente na concessão das licenças. Ele acrescentou que não vai tolerar a presença de consultores da Vale fazendo lobby dentro da Assembleia. “É muito atrevimento. Não vamos abrir mão de um trabalho sério e honrado”, afirmou.

O presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, deputado Noraldino Júnior (PSC), disse que o Estado não tem estrutura para fazer cumprir a legislação. Por isso, criticou o projeto do governo que prevê ainda mais cortes.

O deputado Bartô (Novo) defendeu punições mais duras para os responsáveis. “Enquanto a gente focar em fiscalizar, e não em punir, o modelo não vai funcionar”, disse.

Presidente da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social, o deputado Celinho Sintrocel (PCdoB) questionou a extinção do Ministério do Trabalho, anexado ao Ministério da Economia.

Consulte o resultado da reunião.