Deputados e convidados fizeram um minuto de silêncio pelas vítimas na data que marca dois meses da tragédia
O conflito de interesses entre auditorias e mineradoras foi criticado por Luiz Nogueira
Polícia Federal deve apontar fraude em laudo de estabilidade de barragem

Polícia Federal vai indiciar Vale por falsidade ideológica

Inquérito deve ser concluído ainda em abril e a empresa será responsabilizada civilmente pelo rompimento da barragem.

25/03/2019 - 21:16 - Atualizado em 26/03/2019 - 10:40

A Polícia Federal (PF) já tem provas suficientes para indiciar a mineradora Vale por responsabilidade civil com relação ao rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, ocorrido em 25 de janeiro, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte). O inquérito que averígua falsidade ideológica da empresa deve ser concluído ainda na primeira quinzena de abril, de acordo com o delegado Luiz Augusto Pessoa Nogueira, que preside as investigações da PF.

A revelação foi feita na primeira oitiva (sessão de interrogatórios) realizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta segunda-feira (25/3/19), dois meses após a tragédia que vitimou mais de 300 pessoas, entre mortos e desaparecidos. Na reunião, foram ouvidos representantes das Polícias Civil, Militar e Federal, além do Corpo de Bombeiros, corporações que fazem parte da força-tarefa que apura o desastre.

Luiz Nogueira explicou que a Polícia Federal desmembrou o inquérito, para apurar, separadamente, os crimes de falsidade ideológica, ambientais e de homicídio.

Segundo ele, está comprovado que a Vale utilizou documentos falsos para conseguir a licença para o descomissionamento da barragem.

O delegado da PF afirmou que a empresa alemã de auditoria Tüv Süd fez inspeção na barragem e apresentou recomendações para corrigir sua instabilidade. Mesmo a mineradora não concluindo as obras recomendadas, a auditora deu o atestado de estabilidade, documento pré-requisito para o licenciamento.

O policial afirmou que foi apurado que, ao serem instalados alguns drenos para reduzir o volume de água, ocorreu uma fratura hidráulica, injetando o líquido para dentro da barragem, o que provocou o fenômeno da liquefação, tornando os rejeitos mais líquidos e provocando o rompimento.

Pressão - O sistema de licenciamento e os relacionamentos entre auditorias e mineradoras foram duramente criticados pelo policial. Ele disse que as empresas contratadas para auditar as barragens são as mesmas que fazem as obras que sugerem.

Luiz Nogueira também disse que por serem poucas mineradoras no mundo, elas exercem forte pressão sobre as empresas contratadas. No inquérito, funcionários da auditora confessaram a pressão para assinar o atestado de estabilidade.

Investigação da Polícia Civil aponta indícios de dolo eventual

O chefe do Departamento Estadual de Investigação de Crimes Contra Meio Ambiente da Polícia Civil, delegado Bruno Tasca Cabral, que coordena o inquérito no âmbito estadual, afirmou que há fortes indícios que apontam para o crime de dolo eventual da Vale – quando mesmo sabendo dos perigos de uma ação, assume-se o risco pelo resultado. A tese foi levantada pelo deputado Sargento Rodrigues (PTB) e corroborada por João Vítor Xavier (PSDB).

Segundo Bruno Cabral, a mineradora já sabia do risco de rompimento da barragem, apontado pelo Plano de Ação Emergencial de Barragem (PAEBM), desde 2017. A previsão era de que o rompimento pudesse atingir entre 120 e 150 pessoas, mas, mesmo assim, a empresa optou por não evacuar a área.

Sargento Rodrigues lembrou a denúncia da promotora Marta Alves Larcher, da Coordenadoria Estadual das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que participou de audiência da Comissão de Segurança Pública sobre assunto.

A promotora explicou que a mineradora, que teve lucro de R$ 39 bilhões em 2018, teria avaliado que o custo de indenização às famílias das vítimas, em caso de um sinistro, seria inferior a R$ 6 bilhões ou R$ 7 bilhões, abaixo do custo de desativação e de mudança na tecnologia de contenção de rejeitos.

Esforço concentrado – Em resposta ao questionamento do deputado Noraldino Júnior (PSC), o comandante do 1º Comando Operacional de Bombeiros, coronel Anderson de Almeida, disse que já foram gastos R$ 16 milhões com aquisição de materiais de consumo e equipamentos de proteção individual no atendimento do desastre.

Cerca de 1,8 mil bombeiros já atuaram na operação. Atualmente, estão no local 130 homens e cães farejadores.

O diretor de Apoio Operacional da Polícia Militar, coronel Alexandre Magno de Oliveira, explicou que a PM ajudou no policiamento e no acolhimento a familiares, e que até a última sexta (22) haviam sido mobilizados 6.672 policiais.

A Polícia Civil, segundo o delegado Bruno Cabral, já realizou 60 oitivas e expediu 21 mandatos de prisão temporária. O delegado Luiz Augusto, da PF, afirmou que o inquérito da instituição já possui oito volumes, com 250 páginas cada um.

Piezômetros teriam detectado instabilidade dois dias antes

O deputado João Vítor Xavier questionou ainda o fato de a Vale não ter evacuado a área da barragem mesmo após os piezômetros na estrutura terem detectado instabilidade dois dias antes do desastre. Piezômetros são dispositivos que, em contato com o solo, respondem à pressão de água do lençol freático do local em que estão instalados.

O delegado Luiz Augusto disse que, após o desastre, a Vale contratou auditoria independente para averiguar os piezômetros e esta última constatou que os dados mostrados pelos equipamentos estavam inconsistentes. Por esse motivo, o delegado determinou a realização de perícia por parte da PF.

O deputado Bartô (Novo) lembrou que um relatório da Tüv Süd prescrevia a proibição, perto da barragem, de explosões e de caminhões pesados trafegando, além de o nível de água da estrutura não poder aumentar.

Segundo ele, nenhuma dessas recomendações foi seguida pela Vale e, mesmo assim, foi concedida a licença, a qual, conforme uma conselheira do Copam, deveria levar seis meses para ser concedida, mas foi liberada em apenas quatro dias.

O delegado Bruno Cabral respondeu que a investigação ainda não chegou a esse ponto, mas que, se surgirem elementos que apontem desvios nesse quesito, o inquérito pode partir para essa linha.

Os questionamentos aos convidados foram feitos pelo relator, André Quintão (PT), pelo presidente da CPI, Gustavo Valadares (PSDB), a deputada Beatriz Cerqueira (PT), e os deputados Cássio Soares (MDB), João Vítor Xavier e Bartô.

Todos apontaram as falhas e questionaram a responsabilidade da mineradora Vale, no sentido de que a empresa poderia ter evitado a tragédia. No início da reunião, os deputados também fizeram um minuto de silêncio em memória às vítimas do desastre.

Consulte o resultado da reunião.